UM HOMEM DE SORTE!

Sabe essas manhãs em que acordamos com a boca azeda, emanando um extrato de gambá, a cabeça girando, zunindo e o esquelético corpo pesando cerca de uma tonelada? Muito bem. Naquela memorável manhã eu estava péssimo. Como a desgraça vem sempre acompanhada, a prestação do apartamento estava vencida há três meses e a geladeira estava completamente vazia.

Escavaquei os bolsos. Estavam chués, vazios, desprovidos de grana. Rodei a cidade a procura de um serviço que aliviasse meu estado de infeliz e ao mesmo tempo me tirasse da ociosidade que já durava um ano. Estava trôpego de fome. Zanzava a procura de um trampo. Considerando que não arranjara nada a tantos meses, não estranhei estar desempregado por mais um dia. Já era tarde alta quando avistei uma loja de material elétrico. Meus remelentos olhos dançaram sob o brilho do luminoso que estampava em destaque: “precisamos de vendedor”. Aquilo era bom demais. Afinal, eu conhecia bem a parte elétrica, estava em minha praia, Deus ouvira minhas preces, eu era merecedor. Feliz da vida ganhei a loja e dei com recepcionista:

- Referente ao anúncio, eu sou o Zé Brasil e...

- Sabemos quem é o senhor - falou uma mulata de olhos verdes, me interrompendo e falando com veemência: - estávamos a sua espera. A vaga é sua. O senhor é um homem de sorte. Por favor, suba as escadas que o patrão o aguarda!

Só poderia tratar-se de brincadeira! Resolvi me certificar perguntando:

- Senhorita, está dizendo que a vaga é minha, como assim, que vaga?

A mulata cruzou as pernas, jogou o cabelo para o lado esquerdo e disse gentilmente em meu ouvido:

- O senhor é o novo gerente de vendas da empresa.

Corri os olhos para a firma, contei mais de cem funcionários, uma enorme loja.

- Suba que o patrão o espera – ponderou a mulata.

A beldade nem bem acabara de falar, eu já estava sentado de frente para o patrão. Olhei para a infinidade de telas que decoravam as paredes da enorme sala. Contei mais de cinqüenta quadros onde mostravam a beleza de inúmeras raças de cavalos. Certamente o patrão era chegado num puro sangue!

- Senhor Zé Brasil? – perguntou o patrão.

- Em carne e osso. Na verdade, mais osso que carne!

- Ah, ah, ah, gostei, gostei. Além de ser um homem de sorte, também tem senso de humor apurado.

“Um homem de sorte”. Primeiro a secretária, agora o patrão dizendo a mesma coisa...Interessante!O grande homem mediu-se de relance e constatou meu péssimo estado.

- Por favor, como é sua graça?

- Pedro, o grande! Primo do lendário Alexandre!

- Ah, sim. – assenti, iniciando a puxação de saco que acompanha todo gerente.

Permaneci estático. Tudo estava mudando para melhor.

- Quer dizer que sou o novo gerente de vendas de sua firma?

- É, a vaga é sua. O meu antigo gerente vinha vendendo muito, ando enormes lucros e acabei me aborrecendo com ele. Sabe como é, né?

- Sei. – respondi concordando sem nada entender.

- Sabe o tipo de gerente que preciso?

- Não!

- Como não? Acabei de dizer que o gerente anterior me dava muito lucro.

- Quer alguém que não venda nada e dê prejuízo.

- Sabia que você era a pessoa indicada. Ta vendo, só, nos entendemos. Seu horário de serviço será entre 16:00 e 16:30. E se quiser me dar honra de acompanhar-me às terças e quintas até o Jockey Club Paulista, ficarei muito agradecido.

- Quanto ao rendimento?

- Para começar, receberá o equivalente a trezentos salários mínimos. Quanto maior for o prejuízo, seu salário se elevará automaticamente.

- Trezentos salários! – esbocei uma cara de espanto, era muito dinheiro.

- Achou pouco, então eu dobro. Seiscentos salários e não se fala mais nisso. Fechado?

- Fechadíssimo!!! – gritei de emoção

Pedro, o grande, me estirou um embrulho. Pelo visto era droga. Mas, o salário compensava qualquer parada. Mesmo assim, decidi perguntar para desencargo de consciência:

- O que é isso? – perguntei balançado o pesado embrulho.

- Seu pagamento adiantado por dois meses.

- Posso começar a trabalhar amanhã?

- Já está de férias. Olhe, aproveite-as bem!

Com a grana mofando na cueca, arrisquei um pergunta se teria que traficar, ser a mula, o vapor, avião...Qualquer barato eu encararia, era muita grana fácil.

- Senhor Pedro, quando eu retornar de férias, terei alguma função especial...O senhor entende, né?

- Como já disse, sua função principal é cuidar para que não se venda nada. Por outro lado, você pode me dar bronca, xingar a secretária de “gostosa”, “vadia”. Essas coisas, entendeu?

- Tudo.

Como a tarde estava indo embora e minha fome chegando mais ainda, pensei em sair para comeu algo.

- Senhor Pedro, o grande; já que tudo está acertado, vou indo. Pois, tenho que arrumar as coisas, amanhã viajo para curtir minhas férias!

- Danadinho você, né? Não vai sair assim não. Primeiro vai me dar o prazer de pagar-lhe uma suculenta picanha na brasa.

- Seu convite é uma ordem. Vou abrir uma exceção – eu já estava folgando.

Na saída da grande sala, o Sr. Pedro me brindou com uma estatueta de cavalo árabe.

- Que égua linda – exaltei com a admiração de um leigo.

- Este aqui, – disse o conhecedor de eqüídeos, apontando para a estatueta – é um garanhão.

- Garanhão? – perguntei espantado.

Grande, o Pedro, enlaçou-se como braço esquerdo, demonstrando afinidade e deu a devida explicação com um largo sorriso estampado nos lábios:

- O macho adulto não castrado recebe o nome de garanhão quando usado como reprodutor; caso contrário denomina-se de macho inteiro. Os animais jovens de sexo masculino são potros ou poldros, e, os de sexo feminino, potras, poldras ou, ainda, potrancas. As fêmeas adultas são sempre éguas.

- Uma dissertação eloqüente! – me exaltei com um trovoar de palmas.

Clareado e não acreditando em tantas mudanças repentinas em minha vida, antes de engolir a picanha, pedi ao senhor Pedro?

- Me belisque, por favor, para que eu possa certificar-me de que não se trata de um sonho.

- Zé Brasil, que bobagem é essa! Já que insiste, lá vai o beliscão.

Quando senti o beliscão, acordei. Estava realmente sonhando, sentado na imunda privada da pensão que estava instalada na favela de Vila Mandioquinha situada pra lá de Deus me livre! Droga de sonho, não deixaram nem a picanha!

=RESPEITE OS DIREITOS AUTORAIS=

"Escrevo o que sinto, mas não vivo o que escrevo"

Paulo Izael
Enviado por Paulo Izael em 11/08/2005
Reeditado em 08/11/2005
Código do texto: T41950