A GRANDE TERNURA DO MENINO DE KANDAHAR - Cap. II


Nota do autor

Aqui, eu disponibilizo o primeiro e terceiro capítulo de uma obra acabada em junho de 2009, com 26 cap. e 400 págs. Um romance com a biografia inicial da cidade de Caxias em pequenos fragmentos para flutuar no dorso narrativo do "Menino de Kandahar", que se encontra no capítulo quarto e seguintes. É uma história emocional, convincente e final surpreendente. 
Emoções em todos os cap. de um sonho de um menino do capoeirão  que se aventurou a lançar um papagaio. Cujo brinquedo atravessou cidades, oceanos, países e continentes até chegar na cidade do Afeganistão - Kandahar. E, no retrocesso da existência, houve essa ternura do outro afegão em conhecer o pobre garoto do Maranhão que foi capaz de vibrar e fazer cumprir o sonho dourado de viver através de uma pipa (papagaio).Bem, que eu poderia utilizar e-book. Mas, não o desejo.


Capítulo II

A Mulher do Capoeirão e as sabotagens da vida


Não fica adstrita a pequena estrada trafegável por onde se desenrola a maciça massa preta num tapete como se fossem trechos da rodovia que corta o velho Saara no Marrocos entre Mali. Foi bem ali, um pouco afastado, nada menos que dezessete quilômetros de distância entre a cidade Princesa do Sertão (Caxias) e o miúdo lugarejo arrojado por Sambaíba, titulando a fama nominal do mesmo nome. Urde, em levar com o leve e solto impulso, uma estrada vicinal que desponta à margem da estrada com areias brancas e soltas, alongando a saída aos destinos implacáveis das duas cidades. Com uma carga nos ombros, chinelos pisando na folga das folhagens secas das montanhas de faveira no chão. Eram acirradas ao longo dos confins da vicinal maltratada e marcada pelas pegadas do veado-catingueiro que atravessava num risco de relâmpago. Parece ser um homem, não. Um trapo com chocalhos mudando e traçando em posições acelerada. Cabeça enrolada num pano sem cor ou talvez exalando o ardor da labuta intransmissível de uma cadência perversa da vida. A visualidade retórica em letras e palavras anunciava a aparência com uma mulher africana, lá das tribos de Darfur ou quem sabe, de Gana. Mas, o tempo é o resultado das convenções, combinações e ações que trafegam nos olhos, e o retrato fidelíssimo da mulher sertaneja carregando um saco de quarenta quilos de amêndoas de babaçu no lombo das costas. Abafando com nitidez as pisadas com destino prontificado nos desenhos da consciência, não havia nenhuma aparência com um famoso discóbolo.

Sem olhar o tempo, segue na viseira mascarada desse tablado absoluto, a dinastia paupérrima de aconchegos, impropérios e tão recalcitrante à magnitude humana. Quiçá, lançando e reabsorvendo nos pulmões o ar vitamínico das paixões que demarcam a perimetria dos desgostos e contragostos ondeante nas margens dos lábios fechados daquela mulher dos desníveis sociais. Bramando na malha cruzada de areias, pedregulhos e piçarras, avante com sinais preventivos de que tudo dará certo sem malgrado, mesmo grudada no infinitésimo dos sofrimentos diários. É por sinal, a dinheirama que escapa aos sopros dos minguados labores que consome o tempo, recompensando na faculdade de operar o gigantismo trabalho nas manhãs vindouras que florescem com o clarão lapidar da estrela amarela. Sem qualquer estrutura agrária, ela, ainda planta e semeia nas terras devolutas e de possíveis grileiros que exploram as matas sem propriedade legal. Assim, caminha sem forçura o mísero esqueleto com o peso e castigo da condenação como se cravasse a casta desprezível indiana, ou na opulência de angariar o alimento como os aldeões de Herat e Kabala.

Possivelmente, a vida se retrata e a autoestima dança e pula em dar esperanças, mesmo com tempos remotos e irremovíveis nos fragmentos socioeconômicos. Tão puro num desastre de letras que auferem o simbolismo do analfabetismo crônico, associando na descrença de caráter interino negativo. Fala-se tanto em letras, e o analfabetismo é campeão em todos os setores por onde campeia a pobreza, alicerçado pelo descrédito de uma boa vida que se curva na lua esperança. É uma lástima encruzada que não vigora nas famílias de baixa renda, ou melhor: os miseráveis do Paquistão ou Somália maranhense. Abreviando distorções no cotidiano brusco e covarde, ajusta às medidas do liame da barriga cheia da liberdade e o escândalo da fome que chega sem contar as horas. O desperdício das famílias requintadas e de bons lucros no verão dos pobres massacrados por todos os planos sociais, gerando uma fantasia caótica no amanhecer, desfrutada nas feridas dos olhos ora guardada na semente do coração e de improviso.

É nos campos do paisagismo natural de onde a riqueza do extrativismo do babaçu folheia em verdadeiros mares de hectares verdes de palmeiras, garantindo o sustento de milhares e milhares de famílias de agricultores. E com o cultivo do solo nas plantações de arroz e mandioca na produção da farinha, ainda vibram o cultivo da arte de plantar o milho e o feijão imposta por estas pequenas populações espalhadas entre as matas que enfrentam grandes dificuldades. Mesmo com as estiagens dilatadas naquela região interiorana, ainda relampejam com gratidão as alamedas de uma paisagem típica, adaptando-se neste degrau sem freios a mãe caatinga que se ergue nos extensos períodos sem um pingo d’água caindo do céu. Dobrando-se a cultura nas estações que não demora nascer com os horizontes de nuvens escuras, tal membrana guarda no íntimo do sertanejo a contagem regressiva das ocasiões, mergulhando milhões de flores imaginativas na plantação do homem rústico. Não desvanece os princípios atenuantes que circulam as aventuras de um passado que não muda com o tempo no mistério em que cada sertanejo predispõe nos olhos. E tudo decorre em situações com a troca de moeda num pequeno encarte familiar ou às vezes entre vizinhos permutando diárias de labores ocasionadas pela escassez de mão de obra.

Como ponto referencial educacional não se ver hasteado o lume do conhecimento e desenvolvimento das crianças sertanejas, apesar do impacto das tecnologias que propendem o fortalecimento desses recursos. Não há mudanças nesta sociedade espremida no meio do mato por diversos fatores na gestão social e econômica que não abrem nenhum relacionamento didático. O mundo gira e passa na mesma dimensão em que a lua e o sol permanecem iluminando este astro falido nos padrões antiquado que sobrevive. Notoriamente, cresce e desacelera sem qualquer produtividade nas incompetências dos largos projetos de capacitação dos educadores cujos meios estão alicerçados aos valores ínfimos e desgastantes sem importância no presente contexto. Noutro sentido lato, as escolas da rede municipal fortalecido pelos planos governamentais de verbas e expedientes inexistentes da ciranda financeira que não constam nas planilhas diferidas, e que não chegam ao destino, é um dos problemas que acumulam dentro da seara educacional. Tal propósito se veste apenas no papel e no privilégio dos que galgam a faculdade e anseios nas favas dos infelizes homens sem teto, a que tudo se predispõe ao individuo de poder.

Em outro ângulo demasiado, não há nas escolas do interior do sertão maranhense, enfatizando nesta particularidade, um processo democrático que se afasta em muitos graus a cidadania de um menino sertanejo do interior quanto ao menino da cidade que estuda no mesmo plano educacional. O ensino e suas metodologias fogem pela porta da cozinha em total descompasso na busca e boas maneiras de aprender sem promoção social. Em todo o caso, há verdadeiras discriminações nesse conjunto estratégico que não universaliza os campos paupérrimos dos lugarejos sem mobilização, desintegrando o conteúdo de aprendizagem pelo descaso e a falta constante do exercício de cidadania a que faz jus os meninos dos sertões. Estas comunidades afastadas e solitárias são apenas cabides para fins eleitoreiros que arrumam mudanças e esperanças infinitas no agrado que geme e grita no meio da caatinga. Tudo tem um princípio relevante na medida em que um professor do interior não detém valia aos préstimos da mesma formação de um professor da cidade, decaindo desse alicerce e pedra constitucional na garantia por melhores condições de salários, qualidade na formação educacional e facilidades nas tecnologias educacionais e pedagógicas.

Nada se transforma, se não existirem atos para complementar os progressos e benefícios educacionais afastam-se e retardam num hemisfério desigual e cruel resistente às pequenas comunidades perdidas no tempo e espaço. Muitas escolas, é uma assombração desenfreada e vergonhosa ao mundo educacional pelo fundo do descaso e desvio de verbas que engordam as contas dos homens do poder casados na corrupção. Todavia, há escolas que abrem as janelas e portas com o sol e o teto azul do céu durante o ano inteiro, às vezes, a chuva é o mais talentoso banho ao ar livre que desempenha em centenas de crianças enganadas pelos representantes do povo. E bem ali, onde escola não dispõe de qualquer divisão de aprendizagem, todos cursando séries díspares num colegiado que não vence o grande analfabetismo. Nem mesmo os instrumentos veiculadores para atender um bom ensino se perdem na vergonha e insensatez que inunda no desequilíbrio escolar e desumano. Livros nas pernas, alunos sentados em toras de madeiras, outros que levam banquinhos de suas residências para melhor aprender e outros que atravessam as horas para chegar ao destino. Além da falta física e matéria de higiene e limpeza por carência de bebedouro e sanitários, e cada aluno terá que entrar no mato para atender as necessidades fisiológicas, além do constrangimento que leva na alma e respinga na personalidade daqueles homens sem futuro. Muitos pais, desistem em colocar os filhos na escola pelas razões expostas, outros ainda mantêm os filhos por causa exclusiva da Bolsa Família pelo imenso risco de perder o benefício governamental.

Aquela pobre mulher com sacolejo nos ombros, ventila os padrões industriais das megas indústrias que praticam o extrativismo oleaginoso. Não sabe ela, o sustentáculo que faz nas políticas sociais do desenvolvimento do Estado do Maranhão na bengala real e verdadeira sem domínio, sem auxílio, distante das famílias abastadas. É ainda, vulnerável, exercendo com patriotismo e garra aos vendavais das oscilações como guerreira, a miúda quebradeira de coco babaçu de Caxias do Estado do Maranhão. Nesse ínterim, é a caatinga plantada num cerrado em meio a Mata dos Cocais no maior e único sistema ambiental excepcionalmente brasileiro. Enfocando que o homem já destruiu mais de 90% dessa cobertura vegetal sem nenhum planejamento de conservação, correndo tudo ao lado das restrições sociais com o baixo nível de renda, escolaridade e dentre outros problemas que afligem o nosso Brasil.

Vivenciando o texto biológico da existência natural, nascem às comunidades isoladas quilombolas, assim como há quebradeiras de amêndoas que levantam cedo, levando uma cabaça com água, um saco de farinha de puba e uma rapadura como alimentação. E só retornando à tardinha das matas com o coco já quebrado para o pequeno casebre. Muito embora, haja tantos campos de belezas naturais, as quebradeiras têm acesso restringido nas extensões de babaçuais ou proibição total com avisos de perderem a vida na coleta de coco nas matas.

Em outros casos, os proprietários colocam “capangas” para vigiar as terras, às vezes, colocam cercas elétricas que terminam ocasionando mortes dos coletores de coco. Como há também outros proprietários que permitem a coleta em suas terras, porém, as quebradeiras são obrigadas a dividirem a produção das amêndoas quebradas como forma de pagamento. São essas mulheres esquecidas nas capoeiras das florestas secundárias de babaçu que enfrentam e duelam contra o envenenamento das palmeiras com suas imensas devastações. Sem qualquer contexto socioeconômico se diluem em cada hemisfério político do pequeno império do extrativismo. As únicas guerreiras que desde o nascimento já convivem ao lado da mãe, e vão crescendo entre os espinhos e caminhos tortuosos do desespero que toda quebradeira de coco babaçu leva consigo.

No meio das matas dos cocais, ainda reina o império de queimar e derrubar as casas ou choupanas dos flagelados dos planos sociais como imposição unilateral de garantir com exclusividades a mercancia do coco, ou abrir mares de plantações de capim no remanejo do gado. Inúmeras quebradeiras são vitimas desse episódio que assola com violência física as mulheres, marcado histórias de proprietários de fazendas que se utilizam dos meios ardis com violência sexual, espancamentos e surras impiedosas contra estas almas sem dessas. É, no entanto, um briga, uma guerra no campo onde o uso da força faz a sujeição aos degradantes modos de vida em que trilham estas personalidades desvalidas. Naturalmente, essas realizações com projeções de sonho pela terra na coleta e quebra do coco babaçu é o manto negro de muitos que ainda teimam em melhorar o solo. Logo, o nervosismo invade a vestimenta do psiquismo com a submissão colegiada que desfrutam na classe mais forte. Ali, naquelas legiões desgovernadas, padecem sob a luz do sol e repassam no adormecer das pálpebras quando a lamparina desaparece no fim do horizonte. São poucos ou raros os instrumentos de conquistas sociais que surgem e desaparecem nas gerações pelos aparatos que discutem as demasiadas e absorvidas questões agrária e agrícola como ponto referencial.

Não há nenhuma proteção legal as atividades da quebradeira de coco, anuindo aos passos de cada dia e amanhã, a coleta dos cocos debaixo das palmeiras, sem transporte, carregam no lombo das costas por longas distâncias dentro das matas dos cocais. E sem possuírem um pedaço de terra, trabalham todos os dias entre a quebra da amêndoa do babaçu e a pequena roça plantada com arroz, milho, feijão e mandioca.

Atualmente, uma parcela dessas mulheres, encontra-se em diversificados assentamentos espalhados pelo Estado do Maranhão, ainda, exercendo com dificuldades o extrativismo, outras quebradeiras sem posse e sem terra, ainda naufragam entre as palmeiras de babaçu a procura insistente de se manter viva. Além de outras mulheres que tomaram rumos e se perderam na triste história do babaçu, visto que o acesso em certas propriedades rurais é severamente proibido, desaparecendo o corpo humano que jaze ainda no solo do coco babaçu junto com a abantesma.

A situação dessa atividade sem trabalho livre e sem domínio esbarra nos minúsculos acessos onde a guerra, a luta e os braços não se cruzaram frente a estas colonizações amargas e tensas com o acesso livre às matas de babaçu em alguns municípios. Há por sinal, poucos assentamentos que dão a essas mulheres o marco com domínio de uma propriedade loteada com a existência do extrativismo. Nas margens desse emblema verde de palmeiras, residem no apogeu de suas longas folhas, os conflitos de mulheres quebradeiras e fazendeiros. São esses diques de malvadezas que proíbem o acesso ao coco babaçus e por estas razões, devastam mares e mares de palmeiras de babaçu, destruindo o solo, a fauna e a flora, Nascendo os gigantescos campos abertos com a soja, às vezes somente capim e o gado bovino que se estendem por milhares e milhares de hectares por onde não existe mais palmeira.

A luta das quebradeiras de coco babaçu, é, ainda, o doce amargo de uma vida neutralizada pelas políticas sociais, que tudo assiste no clarão do dia, a matança desses camponeses e às vezes de uma família inteira. É fato comprovado que as grandes fazendas e fazendeiros que expulsam os moradores que já vivem no local há vários anos, e aplicam os mais desumanos procedimentos contra o homem pobre, não recuperam com o farto rio de ignorância a tutela de um dia alcançarem a paz, bem como a crescente exterminação dos ambientes naturais que jamais se recuperarão, e a vegetação nativa que vai embora e não restando mais qualquer animal, extinto pela ferocidade do homem fazendeiro.

Cabocla interiorana da Vila de Caxias das Aldeias Altas, ainda, continua nas almofadas vermelhas do toá em que se subjuga a transformação inundada pelas distâncias das aspirações quando a comida desaba no minguado resfriado do anoitecer. É desesperador, massacrante, desumano, vil e basicamente humilhante não ter o que comer. Gritar ao além, sem retorno de observar na cozinha a metade do macarrão na panela, sem obrar um milagre na última refeição do dia, é assim mesmo o passatempo da mulher sertaneja de poucas prendas. E, naquele instante, os desejos da mulher magra, seguindo em direção à estrada principal, a mente perquire mergulhada na satisfação obsoleta de um ganho com a venda das amêndoas em troca. Enquanto isso, a idade que beira aos trinta e dois anos de lágrimas, sofre mutações das pelejas e difamações em dobras na efígie que rasga de um lado e doutro, aproximando da imagem de cinqüenta e cinco anos inverídicos. São as vielas do menosprezo do realce, afligindo numa peripécia indomável os dons da vida e a própria existência da escravidão da fome.

Sem máscara, a dura célula procura sempre dar impulsos, direcionando sem ventos as dores e prantos acumulados no justo contra o injusto nos mantos indeléveis que agregam os longínquos poderes. Nem os choros e insultos espancam tanto a fome como a desesperanças e insegurança, aliadas na fraqueza da mulher do sertão que assume calada na depressão que não justifica os meios. Ali, não muito distante, pendendo para um lado e outro, e sem qualquer justeza de balança, a mulher exprime o fulgor do peso sem consideração, embrenhando com firmeza a anatomia estrutural na compensação que deságua pelas glândulas sudoríparas nas ondas com sabor do mar. Escorre, anda, e molha como um caudaloso riacho que imprimi as desavenças contra o seu ego, e ainda, dimanando ao peito nobre a honradez de ser apenas uma mulher do cocal com os apetrechos em argolas, ora, neutralizando a negação da sua condição indulgente. E que por vezes, atribuindo na fortaleza dos sentimentos imoláveis e impotentes, a lassidão tardia do esgotamento que se esvazia nas chaminés da vida. É neste retrocesso que desvirginando a sementeira dos dias, meses e anos, atropela e vai adjudicando atos condescendentes que fluem nos desenganos oprimidos dos minutos vividos. São as mãos granuladas dissipando as células da aflição no caminho auriverde e fundo, sem frescura mede as forças com Hércules no matagal sob sol ardoroso, premiando a pele morena clara com emoções que somente uma flor esquecida e feminina brilha com aderência e tanta persistência por aquele sertão.

Entre o absolutismo operante das regiões empobrecidas, não há outra, senão esta apoucada mulher que acorda muito antes da aurora, nota o tempo nascer por trás do oceano de belas palmeiras, inertes, elas, abarrotam a visibilidade num mar verde e aprofundável em magias. Então, é aí que a mulher do capoeirão lança as mãos pipocadas de calos secos num pilão, batendo sem dó no arroz com casca para alimentar o filho na primeira refeição, nem mesmo as galinhas ainda não haviam descido do poleiro edificado no pé de goiaba. Porém, suas pálpebras fundíssimas aliviam com robustez a tenacidade da bravura do olhar vivo. Silenciando com as pupilas costumeiras do local, não se cansam dos mil afazeres que recobrem sob o solar escaldante e perverso as rugas da senilidade fria no encorajamento de ser apenas uma mulher vibrante, herdeira e perspicaz da infindável pobreza nos olhos, mas, com opulência envolvida na alma irradiada com maestria repulsa as vicissitudes.

Ao se aproximar do estradão negro, a mulher se escora ao lado de um pé de imbuzeiro, onde a sombra refresca o seu miúdo corpanzil com os leves ventos, decaindo dos ombros o saco com amêndoas de babaçu na qual havia percorrido mais de três quilômetros ao ponto onde se achava. Sentou-se sobre o amontoado de amêndoas, à espera incansável do único ônibus com aparência daqueles que trafegam nas estradas poeirentas do Afeganistão, e que por ali viajava com horários rotineiros. Os olhos mesclados na distância das curvas se perdiam no estrume preto e encardido da velha autoestrada, dimensionando no fôlego da impaciência, este não apontava. E o tempo ia modificando com as aproximações de que tudo pudesse suportar, além da fome, é claro. Sem apedrejamento das lições fundadas no silencio, a mulher sentada, respira, respira com as mãos no queixo, e repuxando a rodia, amarra-os novamente, olhando o véu negro do caminho perdido do asfalto na remota esperança do ônibus que não passa. A fadiga com o manto do suor escorregadio fazia a chuva fina pelo corpo esgalgado como se fosse o espelho da rurícola, desafiando as contradições do amesquinhado tempo que depara em frente às paredes verdes da universidade do campo sertanejo.

Nos meandros da explosão pacífica, manobra no telúrio das chamas abertas essa prodigalidade amena na paisagem que irriga o cultivo inocente dos paióis germinando na mente. É sem dúvida, o coração da ciência humana alimentando as dores da intriga pela fome, e o desassossego proclamado em cada ano. É, assim, a natureza de quem lavra a terra e sacia na angustia as sementes da humilhação nas restrições compactadas do meio social desconfigurado nos arrebóis inclusos na pertinência abstrusa das mãos que compõem a dialética dos passos execráveis. A mulherzinha ancorada nas verduras das amêndoas, malcontente experimenta no comprimento da sua visão, a largueza esquisita que a era não se conecta na pressa, e a jornada afrontada nas orações daquele misto diagnóstico.

De repente, se houvesse um marcador de horas, afirmar-se-ia não ultrapassar do meio-dia, ao fundo da curva do autopista, oportunidade irresistível visualizada pela moradora que se amedrontava na única nuvem humana tingindo com espectro no seu globo ocular. Ali, ajeitando o vestido de chitão com alguns remendos nas laterais, abafa os suspiros na espera do transporte à beira do caminho. Observa, e enfatizando o relógio sem sol, o negrume desfila na desértica estrada ornamenta pelos feixes da pavimentação escura, alargando passadas monstruosas com ligeireza. Apreensiva e germinando no interior a força da ilusão da intranquilidade, a mulher olha na direção oposta, procurando a lei da compreensão, e se esquia rebatendo o pensamento sem sentidos, nervosa sem nada entender, ergue-se rapidamente para um melhor ângulo. Ao admitir na reflexão embatida nos olhos, reconhece ser um homem, esturrando como um boi, gritando como um carro de boi naquela geografia maldizente e incúria como um louco. Sem demora, a mulherzinha adentra no mato, extasiada de medo, apoiando o corpo no pé da faveira e o rosto encoberto pelas ramas medicinais do melão de São Caetano.

O homem invadia com passos céleres a pista preta de igual coloração da sua epiderme, cabelo “pixaim” tido como “bosta de rolinha”, a boca aberta num vão de um rinoceronte alucinado, a sertaneja do capoeirão com as pupilas arregaladas, observa a única bandeira da paz enfileirada nos dentes do desgraçado que a longa extensão transmitia nas lentes oculares humanas. Com o tom requintado de medo, a senhora isolada naquele mato, não perdia a chance de entender o que de fato pudesse acontecer no meio daquela confusão. Até mesmo os pássaros como o sibite conhecido na região como o menor pássaro que o beija-flor abandonara as galhas finas das folhas de lixas verdes (sambaíba), deixando o paraíso territorial em busca da serenidade.

Sem contemporizar muito, a dita mulher ouviu roncos de motores realizando a curva fechada na ladeira do “S” da velha estrada, cujos veículos em disparada velocidade, dois deles ultrapassaram o homem que não se cansava de correr, correr e correr. Era um verdadeiro comboio de camionetas desenvolvendo altas velocidades no estradão, pois se contava em média uns seis veículos novos e robustos, acelerando ao máximo com barulhos ensurdecedores. Lá, mais adiante, as duas camionetas frearam e fechou o caminho, outras em direção oposta repetiam a mesma artimanha. Como não se entendesse, só podia ser um grande aparato policial em perseguição a algum criminoso de Aldeias Altas, pensou a mulher rurícola. E perante o enlace demoníaco. E já predeterminados, vários homens desciam dos veículos fortemente armados e com capuz nos rostos. Eram aproximadamente a soma de doze apóstolos que desgraçadamente aparelhados com diversos calibres. Sem sombras de dúvidas, era uma caçada humana acenando os traços de uma milícia ou possivelmente um exército particular sem o reconhecimento estatal.

E no esconderijo sob o foco magistral da película filmadora e gravadora da sertaneja, atenta aos movimentos do homem, imbuía na imensidão do desespero, as lástimas de não encontrar um refúgio. Correndo, correndo e correndo, o negro com a sua camisa surrada e rasgada nas costas de tom azul sem botões, também vestia um calção cinzento, apertado e roto como prova do enriquecimento do espírito envenenado pelas ações dos governos. Aflito nas dimensões da insensibilidade, este alimentava com suas pernas aceleradas a combustão desordenada que recaía em sua volta, sem se dar contas de uma arena preparada sem resistência física. Provavelmente, o homem retornava do flagrante da vida medíocre rumando no sentido contrário, oportunidade em que passou a três metros de distância da mulher “olheira”, e a sertaneja crivou num único e salutar olhar, as lágrimas rolarem pelo peito escuro do homem. Em seguida, as pupilas acompanhavam os gigantes passos com a camisa tremulando nas costas como se fosse uma bandeira. Por conta disso, à frente, outros homens faziam mira, obrigando o seu retorno à força pelo uso do artifício mortífero. Olhando assustado para os lados e cambaleando, o indigente sem registro de nascimento ou número eleitoral, estava cercado por todas as dimensões, logo os seus algozes seguravam várias cordas, e corriam de um lado para o outro na vantajosa premiação de laçá-los como um boi.

A sensação de desequilíbrio deixava as pernas da sertaneja, também bambas naquele teatro, segundos e minutos, sem poder compreender, emanavam de seus lábios roxos a oração dos aflitos em nome de Santo Expedito, embora atingida pelo desespero assistido no drama dos cocais, as palmeiras nem sequer balançavam suas palmáceas. Estavam hirtas de medo. Porém, naquele instante, um miliciano afoito e valente segurava com maestria a corda com um laço na ponta, arremessando com o jogo do corpo numa circunferência em volta do homem, com tanto aforçuramento, o homem se abaixa, escapando a alma daquele logro. Sem demora, pleiteando nova corrida sem freios, outro laçador num raio de cem metros, projeta os olhos no espigão negro descalço que o espera. Sem personificação, a mulher metida no mato, pressentia que era uma verdadeira caçada humana contra um indefeso negro, sem se falar dos apetrechos de que o vitimado era um boi que fugira do curral em volta dos seus carnífices. Bem ali, não estava escrito, não havia diálogos, apenas barulhos transmitidos das ações humanas na disputa miserável por um pedaço de homem negro sem qualquer valia aos seus olhos. Pode-se entrever que o estado de necessidade não há vazão para a lei, mesmo que o homem solitário pudesse antecipar em seu prol as modalidades de albergá-los no trajeto de defesa. Com a impotência translúcida ferira no excepcional

Não havia gemidos, choros e nem prantos como também não havia letras ou orações para perpetrar uma fala de socorro no inverso da nefasta realidade. Nem mesmo o exército de Deus não aprovou a desídia dos homens sanguinários nos proveitos das orações da mulher sertaneja que tudo presenciava calada. Era um apropriado teatro a céu aberto onde o fraco era um boi em volta de um laço amargo nas preliminares da brutalidade abarrotando nas calçadas da criminalidade ao jugo dos poderes. Mesmo atravessando o mar das adversidades, era profundo o encontro das eras na explosão das lágrimas de uma encurtada mulher, medindo no cadeado incluso e ancorado nas veias do seu irrisório saber, as razões e inverdades que somente os olhos são capazes de fazerem o panorama justo e injusto dos vossos conselhos com a mente. A preocupação da senhora era tamanha que o seu quadro palpitava em soluços. De qualquer forma, perante o anfiteatro da velha estrada, o direito à vida se posiciona em absoluto sobre quaisquer outras coisas. Mais uma varrida ilimitável e corrida na competição do crime em aprisioná-lo como um animal selvagem impregnando nos limites doutrinários e divinos do homo sapiens, saturando a lama mais suja que a própria lama.

E neste pretexto, o homem com a aparição penada se cansava no meio dos monstros da humanidade. A respiração se debelava contra as inquietudes de sua própria sorte na casta social, debilitando na insólita covardia que danificava mais e mais a honradez de quem não valia uma folha seca levada pelos ventos ao cair no chão. Se não falha a memória, eram momentos de impulsos desenfreados na afobação que se encurtava, no corre-corre, no pega-pega e armas nas mãos apontadas. Não distante, o sujeito inqualificável, sem registro de nascimento ou qualquer prova de existência documental, tropeçou numa pedra na mediação daquele amaldiçoado caminho, tombando desgraçadamente, e recebendo como um corisco que cai dos céus, o laço desprendido do segundo laçador cobria a vestimenta negra e enfastiada. Com socos e pontas-pé, agitava-se contra a corda em seu pescoço que apertava cada vez mais, enfurecendo a magreza daquele indigente corpo que mais parecia uma festa de boi aprisionado num curral.

Sem coragem, derretendo as últimas veias que levam o magnetismo da vida, estas, afrouxavam como uma lança caída sobre o peito, outrora esmagada pela ira dos eternos malfeitores. Acolá, se calava uma voz, um brado que não pronunciou nenhuma letra na formação das sílabas e palavras, a desesperação era constante com o perigo iminente. Além da filmagem esporádica de uma espiã no mato que nada podia fazer. E o homem caía sob o solo de piçarra e pedras em profundíssima agonia, transpassando por convulsões dilacerantes no plenário das abelhas e formigas humanas perante a face magra sem meios de amparo, naufragado por inteiro no bolso marginal das surpresas estarrecedoras. Nem mesmo o medo em sua figura psicológica era capaz de amputar a valentia dos homens nos subconscientes, agarrando-os no ímpeto das máscaras configurativas dos ímpares. Eram os demônios, os porcos vindos das portas das crateras e trevas diabólicas. Sim. Sei-os. São opulentos anjos de carne e osso na perseguição irresistível e sob as ordens dalgum patronato. Bem acolá, era arrastado pelos pés com a parte lombar das costas, esfregando no asfalto negro como um cão ou um bicho selvagem. Apesar dos pedidos de clemência ofertados pelo homem, os impiedosos nada ouviam, eram surdos de nascença, e retrucando com piadas, sorrisos e chutes, a sina alugada da perdição não cessava.

Logo adiante, parecia uma reunião político cultural de um Estado de Direito, enquanto um malfeitor segurava pelas cordas o endividado, outros milicianos abriam numa roda um conselho como reais atores ou personalidades a realizar decretos e sentenças. Um pouco distante, os automóveis tomavam a estrada desértica, trancando a entra e saída ao delírio de um crivo criminoso, e a mulher às escondidas desfrutava das conversas dos insanos homens do mal. Acirrando a negritude do homem acovardado, levaram-no ao tronco de um pau pombos, acostado na beira da estrada, içaram cordas nas suas galhas altas com mais de quatro metros de altura, com laços e nós, impuseram no elevado distrital, um trapézio em cordas como se ali vivenciasse um picadeiro ao ar livre. E diante daquele tablado, a mulher a cada instante ficava mais assustada com a tamanha imoralidade e brutalidade com um ser humano, já bastante condoído pelas intempéries das flagelações cortinadas no combate do rato humano. É uma desgraça mesmo, um buraco de infortúnios destemperando as raízes do avesso da vida, e que denota confluência quando contamina uma parcela esquisita da sociedade menosprezada pelos desgastes da penúria.

Perfeito e perfeitamente, admiravam o elenco criminoso. Com os arranjos a arena se completava e se prendiam as cordas aprumadas nos paus da árvore gigante, elevando o corpo fragmentado de dores às alturas. E numa ilusão ótica, a mulher espiã, olhava e fechava os olhos entre as ramas do melão de São Caetano que debruçavam na faveira e lhe dava cobertura. Minutos, ouvia o tombo estrondoso com gritos de aflições e gemido horrendo, era a última voz do homem negro, o que tudo indica que parecia ser mudo com imperfeição na linguagem com distúrbios vocais. Um vulto invisível saltou imediatamente ao lado da mulher que sentiu o vento passar friamente pelo seu corpo como se alguém o quisesse abraçar, apesar de que as cenas de torturas estavam na proximidade de vinte metros onde se achava. Moderadamente, e com o coração nas mãos, a mulher sertaneja, fechou novamente as pálpebras e rezou em homenagem à alma daquele desesperado e suplicando com veemência que tudo terminasse. O retrato estilhaçado no solo, tremendo e se debatendo em vão, não pronunciava mais as vogais retardadas do socorro e o nome do seu salvador – Deus, porém, a perfídia e obstinação dos homens dominavam e se instalavam nos risos e gargalhadas do pronto serviço.

E naquele quadrante de malvadezas reprováveis pelo calor humano nem mesmo o tempo se abria, nem mesmo a estrela da vida com seus raios ultravioletas com destemido poderio de fogo ousavam penetrar naquele hostil e agonizante saibro. E, assim, continuava nublado e triste, alongando-se no desfiladeiro das amarguras das sombras pormenores, a ociosidade da mulher do capoeirão, observando e gravando no computador humano as desproporções inarredáveis que cutilam o homem comum objeto desses arraigados padrões agrários. O prato do absurdo deixava a mulher envenenada de ira e dor fulminando na compaixão, vez que ninguém é de ferro. No entanto, já vertia nas lagoas de prantos da mulher oculta, espalhando uma assombração com ventos de pânicos arrasadores que não acudiam com solução a tempo o martírio. Podia-se ouvir o barulho da queda há mais de trezentos metros, era sem sombras de dúvidas, o preço em moedas das conspirações secretas legitimando com ardores compulsivos a república dos vasos da morte.

O fragílimo corpo ainda colhido ao solo causava um espantalho com suas quebras e sangue, porém, os renomados chacais do sertão levantaram mais um vôo nas alturas do pau pombo com o homem negro ao picadeiro das cicatrizes, oportunidade em que os sôfregos faziam pontarias acertadas em suas pernas lá encima, e as tarimbadas pernas finas, balançavam, sacudiam e tremiam como se vida tivesse a cada crivo despontado de suas armas. Os olhos da mulher entre as ramas esverdeadas do melão de São Caetano vivenciavam na atmosfera do terror num dos palcos mais arrepiantes de sofrimentos inseridos na alma do homem: é como se fosse um veneno letal. Adiante, após os homens cruéis encerrarem a carreira de tiros ao alvo, o sangue do marginalizado escorria pingando velozmente em direção ao céu dos ingredientes da vida que é a terra. Tudo, tudo parecia como se fosse o sangue de um cordeiro em sacrifício, com a cabeça virada à frente e os braços repuxados por duas cordas em forma de cruz perfazendo uma tríade na copa daquela árvore. Ardentemente, era a moldura mais inconveniente que um ser humano pudesse ter como pena a padecer perante aquele tribunal criminoso, com um julgamento que vai além do ódio, a veracidade humana.

Neste imperativo que assola e que faz papel nos mares dos latifundiários, os homens do esquadrão da morte não se convenceram em abandonar o corpo do homem negro, cortaram as cordas que seguravam a elevação do morto, e abriram gargalhadas e algazarras com a queda, ordenando a um dos “cabras” para retirar a orelha como prova ardente do trabalho concluído ao patrão. Recebendo ordens, o indivíduo de temperamento violento e agressivo, usando um chapéu de couro de cor cinza, retirou da bainha a faca amolada, e, suspendendo a cabeça do morto, aplicou um corte na altura da nuca, decepando a cabeça, em seguida, com um largo sorriso se orgulhou em puxar o calção que cobria as partes íntimas do executado, e desfiando com arrogância e brutalidade retirou fora as genitais masculinas. A mulher escondida fechou os olhos, completamente nervosa. Enquanto isso, os outros não satisfeitos, exigiram que o comparsa tirasse os olhos. O bandido, prontamente enfiou a ponta da faca na cavidade óssea por baixo das pálpebras do morto, retirando os caroços com tamanha precisão, e limpando por várias vezes a ponta da faca na extremidade da sua bota de couro, e pondo a cabeça num saco plástico para lançar nas águas profundas e temerosas do rio Itapecuru. Sem demora, uma voz mansa sobreveio entre os capangas que somavam a unidade doze, manifestou posição contrária quanto à retirada dos olhos, insistindo na remoção da couraça do negro. Atendido o apelo, o chacal com um sorriso irônico, atravessou nas costas do indigitado um corte quadrado com dimensões de aproximadamente uns quinze centímetros de largura, e descendo o corte até a região das nádegas no sentido vertical de mais de trinta centímetros, principiou a descarnar deixando na carne viva, e de igual modo fez no peito do homem com apressados piques e talhas na pele entre as míseras costelas. De imediato, o serviço fora feito dopando a consciência da mulher que ainda assistia o cortejo violento com os retratos pérvios e sanguinários da desumanidade. Sucede que extravasando no ângulo do cantinho, ela continuou a espiá-los ao esmagamento com persuasão contínua, encharcando a dor e a ferida que jamais irá apagar de sua mente.

Sem clemência, os famigerados não poupavam tempo, posicionados, os homens pedras, amarram novamente a carcaça sem vida, descouraçada com as bandas de pele lançadas com duas bandas como se fosse uma saia com lascas nas laterais, hasteando o despojado resto mortal no palco excêntrico da copa do pau pombo, traduzindo a expressão como se fosse como um estandarte de todas as ilicitudes que rodeiam o ser Homem. Acontece que o féretro fincado no cálice da árvore, era uma amostra para os possíveis transeuntes que navegasse na estrada desértica entre Caxias a Aldeias Altas, intitulando o pedaço de origem animal no apogeu, exarcebando como uma lição ou exemplo prático de que os fracos não possuem o condão ou metas projetáveis para atingir as dinastias dos que dominam o poder e as matas dos cocais. Surgia como brasão elevável, o outdoor da morte escancarado na carnificina a quem mais visse, ou curiosamente aspirasse enxergar os vulcões contra quem molesta um astro do latifúndio encravado nas ambiciosas terras sem crédito. Diante do plano engendrado e executado à flor da pele e do tempo, não encurtava os cipós de um episódio burlesco no colapso da vida, arriando os cavaletes do espírito como a neve que cai lentamente no amanhecer sem crepúsculo da tarde enrolada na solidão.

Presentemente, prostava-se mais um esquadrão da morte muito bem estruturado aos invisíveis olhos da sociedade civil que nada sabem, porém, é sabedora das atividades porque nada é obscuro no meio social em que vivemos, logo, o homem não vive sozinho, poderá refletir sozinho e atuar sob os comandos de suas vontades. O que não justifica um coro de milhares e milhares de pessoas ajuizadas e com tantas liberdades, portarem a identidade de refém dessas muralhas criminosas que protegem e assistem autoridades, lambuzando-se no mesmo peito amargo e doentio da corrupção.

As estatísticas retratam que o crime de mão-armada, roubos, furtos e seqüestros são paradigmas das camadas mais pobres da eleita sociedade desfavorecida, porém, não afirmam que o maior crime ou ilícitos penalmente conceituados na dialética criminal, e que ganham maior evidencia sem punibilidade, são os taxados crimes de colarinho branco, investidos de poderes como a velha Roma e Grécia, assolando nas comunidades dos plebeus viventes e pacíficos com demonstrações de sucesso como a corrupção política, o crime organizado financeiro com a gonorréia dos potenciais políticos com vasta atuação na mercadologia desse esmero reinado, não desfrutando das insolentes celas vazias. Não desanda, embora fragmentada pelos esqueletos do ouro, os doze apóstolos do Monte Olimpo, eram fugazes nas preparações de enveredar pelas próprias sombras, as chamas irreparáveis de seus atos e subterfúgios andantes no mercado do crime.

É neste diapasão em que a cambada de cangaceiros, pistoleiros, esquadrão da morte, mão branca e matadores de aluguel se associam na plenitude de que a lei é feita por eles mesmos como a eleição governamental, sem cotejo ou aspirações de política territorial de independência como ocorre nos chiqueiros dos problemáticos países asiáticos e africanos. As entrelinhas enxugam nesta mesma tuberculose a onda de homicídios que semeiam o ventre áspero das capineiras do sertão nordestino, apurando no caos dos pesadelos com a extinção da grandeza do homem que mesmo após a morte não é respeitado. Nem as farpas não sombreiam a divina imagem humana, assim como o sujeito homem que desgruda nos contingentes impuros a nadar nos ínvios, e estreita lagos de impunidade, bem como nas perversas estradas da sobrevivência atrelada no papel das ambições e inspirações que flutuam nos braços das soberbas. Ora! Ninguém protege ninguém se não houver debaixo da alma, a pára-brisa que guarda os sentimentos das fuligens do cotidiano sem provocações.

É a roupa do cotidiano que se joga nas paredes do racismo crônico. Notoriamente, Caxias, foi o celeiro e a capital do escravismo negro do Maranhão no período colonial, crucificando os espectros indigentes no trabalho negro aos senhores latifundiários, donde nasceu a miscigenação de raças no mais atrativo mercado do capitalismo do homem. Não se podem ocultar as colônias de famílias escravizadas ao longo das terras dos senhores fazendeiros portugueses que infernizaram com o crescimento racista desse povo pobre e sem valor. Daí, a submissão atolada na inferioridade que não acabou no Brasil e nem no Maranhão, onde se concretiza ainda, a discriminação dessas improdutivas pessoas que nasceram no lamaçal perpetuado das condições mais hostis em desvantagem com o homem de cor branca. Tal desigualdade fundamentalmente socioeconômica e cultural não brecou essas diferenças no leito da sociedade caxiense apontadas nos traços qualificáveis do homem negro. Insaciável migalha que apesar disso, desempenha de maneira mais que discreta nas faces do que erguem a bandeira do preconceito e discriminação racial a todo custo.

De acordo com as nossas visões, dissecamos num rápido histórico a distância dos padrões dessa raça que pouco tem almejado as escadas sociais do seu meio. Vez que a aparência física e as vestimentas permanecem intactas ao lado dos que fazem o desempenho da discriminação. Portanto, são sempre encontrados em grande quantidade nos arredores da cidade, laborando às vezes em serviços desumanos sem qualquer proteção, bem como são tidos como as máquinas da podridão que semeia o orifício turvo dessa ingratidão. Razão peculiar não se dispensa na afirmativa da união do homem branco e mulher negra ou vice-versa. Ou então com grandes armazéns no centro comercial de Caxias onde um homem negro não porta e nem dispõe das chancelas comerciais de um bom negócio. De outro lado, é dificílimo encarar um homem ou mulher negra no autoatendimento de uma instituição bancária, repartição privada ou nas portas dos órgãos públicos. Possivelmente, verás no mercado central, nas carrocerias de caminhões, nos campos e fazendas, oficinas, varrendo ruas, consertando telhados e nos lixões afora da cidade, talvez, os serviços que o homem branco denota não fazê-lo.

Posso admitir e reflexionar que não a vejo nenhum grande comerciante negro na cidade de Caxias, porém, posso observar suas aspirações nas igrejas cristãs e outros similares. Como também, pouco tenho notado sua presença nas estâncias universitárias. Embora que abstenção escolar tenha um efeito catastrófico em relação a educação por condicionar a pobreza e alimentação como o primeiro mandamento. Visivelmente, a educação do homem negro na pequena cidade continua sendo uma barreira intransponível, sem conseguir uma vaga nos colégios públicos, até mesmo alcançar um bom emprego nas esferas dominante do homem branco.

Veja-se que a amostragem da realidade é bem diferente nestas estâncias. Não se podendo ignorar o racismo, a discriminação e o preconceito, mesmo que a Constituição Federal tenha rezado o repúdio à marginalização do negro, mesmo que tenha tipificado como crime, esta figuração não acabou, e não se estremeceu nesses limites os brotos humanos e as consciências que denotam com o magro silencio do escravismo. Afinal, somos fatores desses efeitos adormecidos no subconsciente e desvigorados na cadência pujante em neutralizar apenas com a visão o que o coração sente e a mente reproduz a semente do preconceito em todas as vertentes.


Capítulo III

De volta para casa


Já era tarde, e a manhã já havia engolido o inconformismo das barbáries, os homens com seus possantes veículos, pisaram fundo nos aceleradores, deixando nos rastros, a marca dos pneus e a fumaceira azul provocante dos insultos. Após muito tempo, a senhora sai do esconderijo calmamente, olhando para todas as direções, e pisando macio em cada compasso na lentidão de não ser vista. Atravessando o mundo do meu Deus, fisga os olhares trêmulos na fachada escancarada do pedaço de organismo no alto do pau pombo. Ela, apesar de tudo, chora no silencio dos cocais esfregando os caroços dos olhos com as mãos. De cócoras, lamenta as alienações traiçoeiras com a mão direta sobre o queixo, porém sem valia que não vence as questões milenares do homem desumano. Sem pátria, e sem destino, ali, ela resmunga acrescentando a podridão da valentia do dinheiro sobre o solo infestado de sangue do homem ceifado há poucas horas. Instante em que verifica que o saco de amêndoas de babaçu foi surrupiado pelos facínoras causando-lhes mais ódio e inconformação. Sem qualquer conforto emocional, levanta-se, tomando o rumo da Sambaíba pela mesma estrada que as trouxe.

Por trás da árvore do martírio, os pássaros revoavam por cima, outros desviavam a rota na direção de horizontes mais amenos, e até mesmo o bem-te-vi se escusava a cantar nas galhas, onde o pedaço humano se defrontava às alturas. Em meio ao deserto que se alastrava com as verduras da natureza, a mulher já estava nas proximidades do casebre. É nesta localidade conhecida como Sambaíba, agregada ao segundo distrito da cidade de Caxias, Estado do Maranhão que reside à mulher espiã. Ela, com admirável ciência, desfruta com tal esplendor que se ergue o tempo que se desprende nas folhagens da terra dos cocais, açoitando com o cântico dos bem-te-vis e sibites nas enumeradas vivacidades. E uma porção de terras delimitada, ali estava o minúsculo povoado Sambaíba, com suas matas de cocais verdejantes, tornava-se um reinado e o eldorado das famílias paupérrimas com sete grupos familiares espalhados numa distância entre eles com mais de mil metros: sendo a casa de Dona das Neves, o centro das informações e direções com uma casa de farinha, um campo de futebol, uma pequeníssima escola de tijolos com duas platibandas cobertas de telhas com portas, janelas com uma calçada larga onde os meninos sentam-se e brincam no horário do recreio.

A mulher descendo a estrada vicinal na direção do Rio Itapecuru, logo à direita, num vão de mais de quinhentos metros, ali, erguida a única casinha de palha tapada com barro vermelho no compartimento da sala, quarto e cozinha em tamanho iguais. No lado esquerdo da minúscula sala com uma janela de talo de coco seco, centrava uma banca de madeira com dois orifícios para fixação de potes d'água ou então, a banca de pontes conhecida no sertão como “bilheira” na cor marrom envernizada, além de uma cristaleira com duas gavetas e um elevado com vários copos de alumínio reluzindo ao brilho da lamparina na madrugada. Lá de cima da casa, descia um arame que prendia três cabaças de “cujuba” que eram empregadas como vasilhames de carregar água do riacho dos Cocos.

Às noites, dorme numa rede estampada nas cores vermelha e azul, o pequeno menino Thiago de treze anos de idade, muito sagaz e conversador. Em minutos, o corpo do pequeno esperto, lançado na transversal da rede, pendia o braço direito para fora e o restante do corpo era coberto por um lençol fino e encardido, retorcendo o corpo em vários instantes motivados pelas picadas de inúmeras muriçocas. Na face do guri, transpirando o suor, revoavam por cima os mosquitos, sugando o sangue que corria velozmente nas veias enquanto a cútis morena clara cedia aos impulsos insistentes dos pernilongos.

O recinto tinha o chão batido com barro amarelo claro, que se prolongava pela cozinha indo de encontro com o segundo cômodo, onde adormecia em sono profundo a mãe do menino numa rede, e por trás num varal estendido no quarto as poucas roupas do cotidiano.

Ainda pela vereda estreita, a mulher deslizava uma marcha afugentando no estribo dos minutos os passos da melancolia. Descia, descia maciçamente, e subia, e subia sem olhar à frente os morros ladeirentos apartados nas enormes pilastras verdes dos coqueirais. Em vista disso, suas forças abatidas pela fome e sede, aprisionavam a cada vez, a insólita dor no centro do peito achegando ao coração. Sem nada nas mãos, assim, ela percorria tristemente com a única cobertura na cabeça, talvez, refletindo o que jamais teria visto em toda a sua vida, os atos abomináveis e cruéis contra um homem. O rosto preocupante desfilava na mansidão da própria energia pelo caminho da antiga estrada por onde passou o poeta Gonçalves Dias ainda na barriga da mãe, e depois num lombo de boi. Desviando das pedras e valas no meio, as duas mãos no queixo e cabeça rebaixada, tomavam-lhe conta de mais um drama vivido que ia atordoando a cada segundo. O seu nome é Maria José, reconhecidamente, ela leva consigo os nomes dos pais de Jesus Cristo, o Salvador como marca patente da religiosidade e por ser comum na região sertaneja maranhense. Com a qualificação nominal que carrega no ventre a impoluta de ser uma honrosa mulher, senhora dos cocais, a real mulher solteira do capoeirão, dama que se reveste com a cor e o brilho do sol no cotidiano dos campos amargos. É ela, Maria José, abraçando em cada clarão da oportunidade, a quebração ininterrupta das amêndoas do coco babaçu, e sem qualquer vexame, lavra a roça e lava a roupa na beira do rio Itapecuru, quando bem entende, vai banhar e buscar água com as cabaças no riacho dos Cocos, logo ali.

A passagem não encurta as horas, com as mãos presa ao queixo, parecia que ela caminhava rezando ou quem sabe, simplesmente meditando na esmera tentativa de enxotar as máculas que afligem no seu pior dia. Sozinha, vai suportando no enxoval dos tormentos sem ter as condições de execrar para o fim do mundo àquelas tensões nervosas e constrangedores de ter assistido as cenas horrendas, e finalmente, rever o homem dependurado no alto da árvore com dois pedaços de carnes debandados do próprio corpo. Por isso, o ambiente representava presentemente, uma destruição interiorana, machucando em reflexões tardias de não haver defendido ou perturbado a repreensível matança daquele ser humano.

Em poucos instantes, a mulher atravessava uma ponta de capoeira fechada, dando de encontro com uma voz que clamava muito forte. Era um rumor estridente e fino oriundo de uma distância de aproximadamente uns duzentos metros. O vozeirão ecoava por dentro da mata e repercutia além dos passos da Dona Maria José que repisavam o solo poeirento da estreita trilha, de modo que não tardou a ouvir e reconhecer a voz do moleque em bom tom:

-Mãe! Mãe! Ei mãe! Mãe...! Ei mãe! Olhe para cá, estou aqui.

A senhora já bastante angustiada, girava a cabeça em várias direções procurando o rumo certo dos gritos do filho. Ocasião em que lá de cima do Morro da Sambaíba, o infante acompanhava o trajeto da mãe. Muito embora, o meninote já houvesse saído mais de quinze vezes no terreiro, acometido no pensamento de ter algo sucedido pela demora que não era normal, pois, costumeiramente não havia demora quando sai para vender o coco babaçu na venda do Xavier que mora no Teso Duro. A mulher era habituada a carregar nas costas as amêndoas de babaçu até à beira da rodagem, e pegar o transporte para depois vendê-los ou então fazer a troca por gêneros alimentícios.

Em instantes, ele desceu o morro feito uma bala, escarpando com destreza, e acudindo a mãe num olhar apreensivo, e de imediato, indagou:

-Mãe! O que aconteceu com a senhora? Os seus olhos estão encarnados? Estava chorando?

Sem saber o que responder, Dona Maria José risca um rápido virar de olhos ao filho, dizendo:

-Thiago, que ideia é esta de me olhar desse jeito. Não está vendo o meu cansaço? Agora, diga-me uma coisa? Era preciso você deixar a nossa casa? Não percebe que todas as semanas eu vou vender o coco. E logo, eu não ia morar lá na rua. E não me pergunte mais nada. Ora bolas! E se houvesse de acontecer algo não era da sua conta.

Intranquilo, o filho se explica e inquire:

-Mãe! A senhora saiu foi cedo, e eu estou com fome. Cadê as compras que a senhora comprou com a venda dos cocos?

Com manobras, dona Maria José tentar explicar.

-Ah filho! Eu terminei esquecendo o saco de coco dentro do ônibus. E quando desci, esqueci-me de pedir para o motorista abrir o bagageiro. Só me dei conta quando o diabo do ônibus já tinha arrancado em velocidade. Não importa. Eu estou rodeada de azar. Amanhã eu quebro mais coco e dou o meu jeito.

Surpreso, o menino diz:

-Puxa mãe! Essa é demais. É por isso que a senhora está triste, né?

-Cala a boca. Você sabe que eu faço o que eu posso. Tudo é o cu da cobra que se estica e não se sabe pra que lado vai. Disse ela.


 
ERASMO SHALLKYTTON
Enviado por ERASMO SHALLKYTTON em 19/03/2013
Reeditado em 20/03/2013
Código do texto: T4197870
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