A soprano

Há meses os ensaios no Theatro Municipal aconteciam cada vez mais intensos e perfeitos. A soprano entraria com todo o glamour e executaria a cena cheia de graça e elegância, conforme permitia sua beleza, elegância e prática.

Três ensaios gerais antes da estréia. Lola tivera um primeiro susto; era o momento de executar a nota mais alta e longa. Assim o fez, porém, por um curto tempo, uma desafinada nunca antes acontecida em sua voz veio se mostrar a todos ali presentes. Nem nos tempos de amadora aquilo ocorrera. A surpresa, ou melhor, o espanto foi geral. A moça ficou, no momento, envergonhada e insegura de si.

Aquele acontecimento havia sido no último ensaio geral. Todos os envolvidos no espetáculo ficaram receosos. Lola não sabia explicar. Ou melhor, não sabia se explicar. Muitas vezes, a jovem garota se perguntou o que havia acontecido com sua voz naquele dia. Sua entoação, sempre tão segura; as notas nunca lhe fugiam ao domínio. E naquele momento tudo soara tão estranho.

Os amigos lhe deram força e lhe transmitiram coragem. –Isto não quer dizer nada. Todos sabemos de seu talento. Você é magnífica e no dia vai ser o maior de todos os sucessos. A cidade espera este acontecimento!- Alguns, aqueles que possuíam aquela inveja no íntimo dos pensamentos, deram uma palavra de apoio, mas sem nenhuma efusão. Queriam, sim, o insucesso de Lola.

E a noite de gala chegou. Os ingressos, mesmo a altos preços, esgotaram-se.

Melodias, acordes, atores correndo e cantando, em algumas alas do teatro um último ensaio particular por parte de algum músico. A efusão era total! Luzes coloridas transmitiam tons fúnebres, ao mesmo tempo que alegres, conforme o scripte.

Abrem-se e fecham-se as cortinas. Troca-se o cenário. Tudo estava lindo e encantador, de modo que, até mesmo, um piscar de olhos ali implicaria perder detalhes importantes.

Agora era o momento crucial. Com uma única luz direcionando-se à ponta de uma escada, entrava Lola, com um longo vestido verde em tom de esmeraldas.

Levantou o Maestro a sua batuta e iniciaram-se os primeiros acordes. Postura firme, a soprano vivencia, enfim, o momento de começar. A platéia, muito atenciosa e bem colocada de frente e nas laterais do palco, admira todo aquele momento.

Lola soltou as primeiras notas e cantou. Cantou e dançou uma melodia gostosa que parecia suavizar-se ainda mais através de sua voz. As notas musicais pareciam escravizadas por Lola, flutuavam pelo ambiente do teatro e dirigiam-se aos ouvidos dos presentes. A sua voz parecia hipnotizar cada pessoa que compunha a platéia. Todos estavam abismados com tamanho talento. Uma deusa da música materializada em ser humano, capaz de fazer de uma canção, muito mais que uma canção e revelar aos homens, o paraíso musical, até então, somente escutado pelos deuses.

Ao fim da cena, Lola deveria encerrar o ato com a bendita elevação da voz. O mesmo momento em que falhara no último ensaio. Seu canto, até então, flutuava. E agora? O público admirava a potência da moça. Já o elenco e diretores, figurinistas, maquiadores, contra-regras, iluminadores ficaram apreensivos e cruzaram os dedos, num gesto de força e amizade.

Os pensamentos de Lola eram semelhantes à sua voz. Flutuavam dentro de si. Mas a garota tinha um controle ainda mais admirável que a sua voz. Com o mesmo equilíbrio, continuou a liberar o canto. Uma mistura de força e suavidade se expandiu pela ambiência do teatro e a platéia já não tinha adjetivos para caracterizá-la em seus pensamentos. Lola era a mais sublime perfeição da música e da interpretação.

A luz apagou-se e toda a platéia levantou-se, assoviando e aplaudindo sem cessar. Foram minutos incontáveis de aplausos e o Theatro Municipal registrou, naquela noite, uma de suas mais belas e memoráveis apresentações.

O palco iluminou-se novamente e lá estavam todos os artistas da apresentação, inclusive ‘a artista’, Lola, inclinando-se ao público com reverência de agradecimentos. Ela havia conseguido. Sem dúvida, merecia o título de ‘a melhor’. Quanto ao que aconteceu no último ensaio geral? Bom, todo ser humano erra, ao menos uma vez, no que faz.

Autores: Ranovi Vieira e Léo Cerqueira

Nonato Costa
Enviado por Nonato Costa em 23/03/2007
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