" A janela que nunca fecha "

Meus avós tinham uma casa modesta, dessas que parecem casas de bruxa das estórias infantis.Era muito velha e o telhado era todo cheio de ondas e uma chaminé que soprava a fumaça do fogão à lenha.

A poeira que ficava em suspensão o dia todo parecia fazer parte da natureza, da casa . . . da nossa vida. Tanto que nos raros dias em que chovia, essa mesma poeira se transformava em uma lama de cor clara e pegajosa que lambuzava a rua toda.Quando secava, parecia pedaços de ovo de Páscoa quebrados por todos os cantos.

A ponte mambembe que alguém tinha construído há nem sei quanto tempo servia para ultrapassar a vala mau cheirosa que descia do morro trazendo todo tipo de lixo que os moradores lá de cima jogavam nos dias de chuva, pois com a enxurrada forte nada ficava entalado no percurso morro abaixo.

Os dias eram quentes e monótonos e minha avó surrava as pedras enquanto lavava nossas roupas na beira do córrego, Depois fazia o almoço no fogão à lenha, colocando bastante folha de louro no feijão e colorau no arroz.

No quintal havia pés de abacate, ameixas , carambolas e muitas bananeiras, além de uma planta que chamavam de rabo de gato, que eu e minha irmã usávamos como enfeite no pescoço.Pelo que me lembro , foi o único luxo que tive.

Minha mãe trabalhava e nós ficávamos com minha avó, meu avô que estava bem velhinho e doente e que eu com sete anos nunca vira em outra posição que não fosse deitado.Ficava numa cama antiga com a cabeceira feita de uma madeira clara e arredondada, embaixo dela, um penico enorme de metal que volta e meia minha avó mandava eu esvaziar lá na vala, eu odiava !

Depois de esvaziar o penico, eu me sentava ao lado da cama e ouvia as histórias que o velho pescador contava, imaginando as paisagens que ia construindo na minha imaginação de criança.

Cada palavra que saía da boca do vô ia tecendo um universo impressionante de seres maravilhosos, peixes que nunca existiram e aves que jamais voaram, a não ser na minha imaginação.

Não tínhamos luz elétrica e o lampião era a uma dádiva que chegava depois das seis da tarde ou das cinco nos tempos de inverno, ficando aquela penumbra triste nas paredes de tijolos velhos que pareciam se mover com a sombra mirrada que deixava um ar misterioso em tudo que tocava.

As noites se arrastavam longas e barulhentas,com pés de eucaliptos gigantescos que ficavam atrás da casa velha e nos assustavam sempre que um " Noroeste" chegava.

Eram cinco, enormes, bem mais velhos do que meu vô e que se curvavam como se fossem outros cinco velhos que fossem tombar a qualquer momento, remexendo suas cabeleiras verdes escura por sobre as telhas de barro cobertas de folhas mortas.

Pela manhã a vida recomeçava cedo com café preto e pão sem margarina, que minha Vó mandava eu comprar lá na mercearia do "vavá", que depois de alguns anos se tornou vereador da cidade.Uma verdadeira façanha para quem não sabia nem contar as moedas que eu levava lá para comprar tubaína.

Essas lembranças permanecem vivas em minhas lembranças como se eu as tivesse vivido ontem e por mais que o tempo passe, ainda consigo lembrar de minha Vó passando a "tramela" na porta escandalosa que rangia o tempo todo.Ela percorria a casa inteira e vistoriava as janelas uma a uma,na intenção mais pura de amor materno que só as Vós possuem.