Prato de sopa

   Eu raspo do fundo do prato as últimas colheradas de sopa, parece ser a refeição mais saborosa a me esquentar o frio, sentado no sofá, largo o prato vazio, há uma televisão ligada á minha frente mas não presto atenção.   
   Uma sensação de cansaço e as pálpebras vão ficando pesadas, tão pesadas que torna-se incontrolável permanecer mais um minuto sequer com os olhos abertos, o som que parece uma canção de ninar e vou me distanciando do meu consciente.
   Em poucos minutos estou a dormir profundamente, nesta hora meu corpo repousa mas minha alma voa como um pássaro livre da gaiola e, vejo a minha mãe a arrastar os chinelos pela casa como se não pudesse levantar os pés para andar, enxugava as mãos no avental feito com retalhos resmungando que estava com dores nas costas, nas pernas, que o dia foi de muito trabalho e que amanhã tem mais. Antes porém, de entregar-se ao repouso merecido, vai ao quarto dos filhos, cinco homens e três mulheres, olha-os demoradamente, verifica se estão cobertos, se estão bem , pisando de mansinho sai e fecha a porta, Joga-se naquele sofá da sala, toma o rosário por entre os dedos e vai rezar para Nossa Senhora do menino Jesus, quer pedir proteção para os filhos, o marido que vive adoentado, insatisfeito, reclamando da vida, a praga consumiu toda plantação.
  Diziam as más línguas que ele estava adoecendo de tristeza. O trabalho de uma vida, suas esperanças, tudo estava contido naquele pedaço de chão. Dona Maria, a mãe do Sebastião, garantiu para quem quisesse ouvir que o banco ia lhe tomar as terras. Segundo ela teria sido " olho gordo" o causador da desdita, ela mesma em pessoa recomendara o terço e o oficio de Nossa Senhora que deveria ser rezado aos Sábados como o padre da capela havia ensinado.
  Os dias foram passando até que meu pai fora acometido por uma febre alta e o médico da cidade não pôde fazer quase nada, porque a morte estava de plantão naqueles dias e meu pai fez a temível viagem sem volta. Outra dor para minha pobre mãezinha que ficava com a herança de oito filhos, dívidas e desespero. Cedo aprendemos o lado amargo da vida, tínhamos que lutar para sobrevivermos, nossa mãe era nosso porto seguro e unidos pelo amor que ela nos ensinou conseguimos superar as dificuldades que não foram poucas.
  Eu via naquele fogão de lenha, o bule de café, a minha irmã Carmozina atirando milho as galinhas enquanto a outra varria o terreiro, parecia que tudo seria para sempre, mas não era verdade, de repente...
  O barulho irritante do celular, acordei bocejando, esfreguei os olhos, olhei ao meu redor e estava só, pobre mãezinha, tudo não passou de um sonho...
  As lembranças que guardei, tudo foi se distanciando, se afastando, só eu e meu prato de sopa tão vazio quanto a minha vida, levantei ainda sonolento tomei os últimos cuidados com a minha higiene pessoal e me joguei na cama, uma saudade doida me cortou a alma igual navalha, mas eu não a quis junto a mim.
_ Aqui só eu e mais ninguém !
 Ri de mim mesmo, achei melhor não filosofar, apenas um pensamento me ocorreu muito vagamente. Como eu gostaria de fazer uma máquina para voltar no tempo, igual as que nos vemos nos filmes de ficção.
  Pensando melhor percebi que nunca fui muito bom com invenções, seria incapaz até de voltar ao tempo próximo, provavelmente o ontem seria confundido com o hoje, não alimentei essa ideia absurda. Preferi dormir lembrando do sonho que a pouco tivera. Fechei os olhos e fingi que a minha mãe estava entrando no quarto, cobrindo meu corpo, me enchendo de mimos e, por último, sussurrando ao meu ouvido como todas as noites ela fazia:
 -Dorme meu filho, dorme meu anjinho que mamãe vigia...

Polly hundson