Lembranças que Voam II.

Uma vez fui pego pela polícia. Corria o ano de 1987, eu tinha 11 anos completos. Estávamos eu, o Leandrão, o seu irmão e o Sidnei, crianças loucas por futebol. Jogávamos todos os dias, na quadra da cadeia, mas teve um tempo em que tivemos que parar porque o Sr. Carcereiro começou a exigir propina. Na época era o Alberto Gordo, o carcereiro. E crianças como nós não sabíamos bulhufas sobre os esquemas de propinas dos detentores dos cargos públicos, muito menos quando ligados a nós, crianças, que tinham bolas de futebol e figurinhas na cabeça. Aí decidimos jogar na quadra do colégio Peralta Cunha, mas para isso tínhamos que pular as grades, e este foi nosso maior "crime", segundo os policiais que nos cercaram, pegaram pelos braços, com a força inerente à força policial, nos jogaram dentro das viaturas e levaram para a delegacia... Nossos pais tiveram que ir lá nos buscar, lembro que minha mão chorou, e espero que aqueles policiais nunca mais tiveram que atuar...

Em setembro de 1.988 saí com o Sebastião Mancha rumo à Quermesse das Barracas Voadoras. Eram umas vinte e trinta, tempo quente e úmido. O Sebastião, que carregava essa alcunha devido a seu amor por Dom Quixote De La Mancha, amava também a banda Guns in Roses, que se destacava no cenário do rock mundial. Naquela noite Sebastião ficou louco de vodka com groselha e comprou uma coletânia dos Guns in Roses e me deu de presente... Até hoje ouça Guns In Roses... Já o Sebastião, que Deus o tenha, foi encontrado morto sete anos depois, ao tentar atravessar o Canal da Mancha com uma prancha de surf...

Em 1992 a Farmácia do Seizi era a top da cidade. Acho que é até hoje. Pois então, naquele tempo também brotavam os carnavais e boates da Socremi, a Sociedade Cremosa Miguelopolitana, na região serrana no desconhecido, não sei se para a felicidade ou tristeza do seu Mori, o Seizi, mas sei que alguns delinquentes vomitaram em sua limpa e cristlina farmácia em muitas madrugadas daqueles tempos ...

Em 1.995, numa sala de república estudantil, na velha Franca do Imperador, alguns jovens estudantes, revoltados com o que ouviram falar sobre Nietzsche, praticaram um ritual medieval, queimando um livro do filósofo, da coleção Os Pensadores, sob o olhar atento de todos, que se aliviavam ao ver as chamas consumir 'o mal'...

Parafraseando aquele velho do Loyola, que ‘tetesta’ que o chamem de boiola, a gente tem que viver o drama da realidade para sentir na pele o sangue se aflorar a fim de poder dar asas à imaginação e poder criar e existir..., senão a gente desaparece no espaço-tempo.

Em 1989, na estrada que liga a pequena Poeirópolis à civilização, dois jovens de 13 anos cada saíram em disparada...

Às vezes me sinto um monstro por não acatar passivamente a vida convencional...

Outras vezes me sinto um anjo por suportar tudo isso com o olhar da paz, com o coração aberto e o esclarecimento.

Uma coisa é certa, ninguém nunca poderá dizer com certeza sobre...

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 05/06/2013
Reeditado em 06/06/2013
Código do texto: T4327222
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