Jóia

Levemente inspirado no poema O Rouxinol e a Rosa.

Ela quer uma jóia. Viu nos filmes de amor, leu nas novelas românticas, ouviu relatos antigos falando de amores desesperados e contados nos finais de tarde, que os verdadeiros apaixonados dão jóias para suas musas. Por isso quer uma jóia em troca do seu amor. Pode parecer, mas não é má e nunca pensou no quanto pode estar sendo egoísta. Quer apenas uma jóia para provar a seus pais o quanto é amada. Para sentir nos olhos das amigas os pensamentos de como seriam felizes também, se tivessem um homem que demonstrasse seu amor através de pedras preciosas.Para provar o gosto da inveja nos atos e suspiros dos outros. Daqueles que nunca terão seu amor por falta de ousadia, de coragem ou mesmo de dinheiro suficiente para ganhar seus carinhos.

Ele apenas a quer. Simplesmente assim.

E é por isso, apenas por isso, por querê-la, que altas horas da noite foi na casa de Luana expor sua dor e seu amor.

- Existe uma magia, ela diz, mãos entrelaçadas, olhos espiando o fundo da alma dele.- Uma magia de tempos imemoriais. Minha mãe e antes dela minha avó e mesmo antes minha bisa já conhecia a magia do amor.

Os olhos dele se transfiguram e sorriem. Finalmente terá o amor de sua vida. Com todo o mistério e a beleza que o amor de sua amada poderá conter.

- Eu quero! Diz convincente.

Os olhos de Luana nublam, como o céu enluarado cobrido aos poucos pelas nuvens cinzentas prenunciando chuva.

- Tem certeza? – pergunta, suas mãos repleta de anéis ostentando símbolos misteriosos, segurando firme as dele.

- Tenho!

- Existe um preço.

- Eu pago!

- Muito alto.

- Não importa!

Há quase um pedido de desistência no tom de voz de Luana.

- Qual o preço? O homem pergunta sem um mínimo de hesitação.

- A vida contem mistérios – Luana explica. – Todos os dias os mostra. No microscópico sêmen gerando uma vida. No sol nascendo e morrendo todos os dias. No ciclo dos animais. Nas flores que viajam quilômetros para perpetuar a espécie. Na afeição de uma pessoa para outra. No amor.

“ E tudo tem seu preço! O sol um dia se esgotará e morrerá cansado da energia dispendida todos os dias para nos aquecer.Nas dores da criança nascendo, crescendo e morrendo um dia. Nas milhares de sementes esturricadas no chão duro, uma apenas germinando. Na traição das pessoas que um dia pensou te amarem. Então o amor também seu preço. Está disposto a pagá-lo?”

- Já disse que sim.- ele murmura com medo de magoá-la. – Pagarei qualquer preço.

Luana percebe o desespero dele. Percebe também que seus sentidos movem-se apenas numa direção, os dela. Da mulher amada. ELA! Apenas ela ocupa seu campo de visão. Sem direito à visões periféricas. Não há mais o que fazer.

Então, com lágrimas dentro de si, ensina-o procurar uma pedra comum, qualquer pedra e deixá-la ao luar no sábado. Ensina também uma invocação repleta de termos misteriosos e deuses desconhecidos, que civilizações antigas cultuavam com sacrifícios pagãos, seus nomes perdidos na poeira do tempo. Conta que no alvorecer do dia do astro-Rei a pedra estará transmudada numa jóia rara e única no mundo e ele poderá presentear sua amada.

- Apenas isso? Pergunta o homem.

Luana concorda em silêncio e se recolhe.

Mal ele sai, ora preces estranhas e depois, só depois, sai na janela e espia o céu. Tentando ver entre as nuvens e a chuva que principia, a luz do luar.

A pedra deixada na soleira da porta transformou-se no diamante mais lindo que olhos humanos podem ver. Lágrimas de felicidade nos olhos ele o apanha e caminha. . . não, corre. . . não, voa direção à casa dela e a presenteia.

Os olhos dela também brilham e o beijo tem todo o sabor da admiração e da inveja que sentirá nos que a rodeiam. Depois se amam ali mesmo e o gozo sentido por ele tem um gosto estranho. Um gosto de dor, medo e fraqueza. Sente suas forças se esvairem pouco a pouco, mas não importa. Tem o amor dela. Tem os beijos dela. Tem-na.

Os dias se sucedem às noites. As noites se sucedem aos dias. E ele, cada vez que amam, sente suas forças diminuírem cada vez mais. E ela, bem, ela nota que seu diamante está um tanto diferente. A translucidez não tem mais a mesma luminosidade.

E naquela manhã na vila, enquanto as pessoas, homens , mulheres, jovens e idosos admiram e comentam da mulher que é amada como ninguém nesse mundo, porque seu homem deu-lhe a jóia mais bonita que seus olhos viram, ele exausto, por um momento pensa se valeu a pena e antes que qualquer nuvem passe no céu, imagina que sim, a mulher mostra a todos, com um sorriso nos lábios o maior rubi. O mais vermelho. O mais reluzente rubi deste mundo.

Vermelho como o sangue dele.

Que se foi.

Nickinho
Enviado por Nickinho em 01/04/2007
Reeditado em 05/04/2007
Código do texto: T433210