Meu nome é Gladistone Lima Gurgel
Tenho 105 anos incompletos e já tô perto de ir para o céu
Sou pernambucano de nascença e mineiro de paixão
Estreei no dia 05 de fevereiro em Vitória de Santo Antão
Atualmente moro em Santa Luzia nas Minas Gerais
Nasci no mês da alegria e apesar da idade tenho muita euforia e ainda quero mais
O que mais me incomoda nesta fase da vida é a solidão
Sou viúvo de carteirinha mais ainda aguento um arrasta pé
Não sou leviano e nem um velho senil desconjuntado andando atrás de mulher
Pra falar a verdade eu sou bem aprumado e como se dizia antigamente, sacudidão.
Minha prosa é sempre alegre, comigo não tem lero-lero.
Festeiro eu também já fui, dancei xote, pagode, valsa e bolero.
Hoje ainda me arrisco no forró. O difícil é achar uma vovó que aguente o meu rojão
Menina eu já fui um pão, é verdade! Hoje eu tô mais pra broa
Não gosto de ficar a toa e minha toada é na batidinha
Tomo dois dedos da branquinha uma talagada de uma só vez
Mas isso é uma vez por mês.
Pra mim médico bom usa gravata
Os que me consultam ficam de boca aberta quando digo
Que nunca passei por cirurgia, nem de catarata.
Procuro viver vinte e seis horas dentro de um dia de vinte e quatro
Nessa vida coisa boa é ter amigo
E nisso eu digo a verdade,
Num tem coisa melhor que uma boa amizade
Mas devido a minha idade amigos mesmo me restam poucos
Uns já não enxergam, outros não andam e dois ficaram moucos
Tô querendo arranjar um jeito de despachar a solidão
Rapaz ninguém gosta de velho não!
Companhia de velho é pijama, dentadura e bengala,
Mas comigo não! Levanto cedo tomo um mingau na tigela
E vou viver o dia, só paro na hora de ir dormir e não sou de assistir novela,
Num gosto de televisão, prefiro uma boa rádio ouvir e passear de trem.
Mais o eu quero mesmo é uma mulher de cem.
Levar ela pra passear no meu Vemaguet ano 67
Ela vestida com um vestido de bolinha azul com gola de tafetá
A barra do vestido mostrando a ponta da anágua
E gente falando coisas do governo de JK
Ela muito vaidosa com rouge e com os seus grisalhos armados de laquê
Eu num terno de linho fino diagonal sapato bico fino de duas cores
Ela cortejada recebendo um ramalhete de flores
Já sinto o cheiro do perfume Royal Briar ou Cachemere Bouquet
Quem sabe a gente decide assistir: “E o vento levou” no cinema Rex.
Depois tomamos sorvete na Praça Sete.
Se ela preferir podemos assistir a peça “Marcelino Pão e Vinho”
O que não quero é mais ficar sozinho
E nem me sentir um bicho sem dono
E viver o abandono nos braços do meu destino
Ainda quero ouvir os trinos de um passarinho
Ao lado de uma senhorinha e sentir o seu calor
E não viver a dor de saber
Que melhor que viver depois dos cem
É morrer sozinho sem ninguém.