Apocalipse Verde - Amarelo

Repentinamente acordou. Ao tentar virar a cabeça para escapar da forte luminosidade do sol, não conseguiu. Tentou mexer as pernas e mãos, foi inútil. O controle sobre o corpo já não era seu. Apavorou-se.

"Que aconteceu comigo?...Onde estou?...Que cheiro horrível é este que estou sentindo? ... Bem, olfato e visão me parecem estar em ordem! "

Quis gritar, porém, seus lábios permaneceram imóveis. Sem poder se mexer o máximo conseguia era um amplo campo visual. Quem poderá me salvar? Ao pensar em quem poderia lhe salvar, observou que, a despeito de tudo, seu bom humor não fora prejudicado. Lembrara incontinênti do Chapolin Colorado - (Chaves e Chapolin, criações seriadas para TV do mexicano Roberto G. Bolaño na década de setenta).

Retornando a sua dramática condição, com algum esforço, promoveu um flash back de seus últimos feitos em condição física normal.

Lembrou-se de que estava no hall do edifício onde trabalhava na capital paranaense. Falava com seu chefe imediato sobre a iminência do caótico sobre os viventes brasileiros. Corria o ano de 1976.

Nos periódicos, em letras garrafais, a curiosa inserção na primeira página da palavra "DESCARTES" induzia o leitor a uma voraz leitura do texto. Feito isso, o ledor acabava tomando conhecimento da grave advertência premonitória.

"O homem está descartando palavras importantíssimas do nosso vernáculo. Não se utiliza mais: desculpe-me; com licença; muito obrigado; por favor, entre outras. O respeito ao próximo e ao bem do próximo, sumiu. A cada dia que passa, banaliza-se cada vez mais a vida; picha-se a decência, o respeito e a honestidade. Gananciosamente exterminaram com nossa fauna e florestas. Poluíram os rios. Macularam os mananciais. Instituições como o matrimônio, foram emporcalhadas. Enxovalharam a fé; mercantilizaram a religião; prostituíram a política e a segurança pública, aviltaram os idosos..."

Indubitavelmente, as impactantes notícias que veiculavam nos meios de comunicação naquele dia, eram temerosas. O país estava à beira do colapso. Do caos. Drogados-homens-bombas ocidentais.

"E agora? ...Como foi que os responsáveis pela educação permitiram a gestação dessa pandemia cívica?" - eram os questionamentos que algumas pessoas faziam entre si.

Lembro de despedir-me do meu chefe e ter entrado num bar. Fiz o que faria qualquer outro jovem dos anos setenta. Entrei numa overdose de cachorro-quente e cuba-libre (manias "in" desde os anos sessenta). A partir daí não me lembro de mais nada. Apaguei geral.

Foi um coma hotdoguiano e alcoólico tamanho família?...Que ano estou vivendo? ... Não sei!...Pelo putrefato odor somos todos vivos-mortos.

Se não estou sendo traído pela minha velha RAM mod 1941, alguns conseguiram sair de longos comas. Será que recuperarei todos os sentidos? Serei um ser humano normal, outra vez? O que aconteceu ao planeta?...Nossa!...Horrível esta fedentina...!

Ao buscar me dar conta do mal cheiroso lugar onde me encontrava, deparei com uma enorme placa onde continha a seguinte inscrição:

Lixão Nacional. Área: 8.511.965 km2

O delírio foi iminente. Em surto, olhei para o alto dos céus, acredito ter enxergado duas enormes mãos estendidas em minha direção, em postura de recepção, querendo me remover daquele ambiente fétido.

Acreditando ter sido tomado pela chamada alucinação hipnagógica*, serenamente fechei os olhos com a esperança vivificante de que o melhor está por vir.

*Hipnagógica: Diz-se das alucinações e visões que se têm ao cair no sono.

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 07/04/2007
Código do texto: T441423