7:15 AM

Marcelo abre os olhos. O despertador não pára de tocar. Embora queira dormir mais um pouco o despertador insiste em embaralhar seu som eletrônico em seu subconsciente. Por mais que tente alcançá-lo não consegue. Maldita hora que resolveu deixá-lo longe, para que fosse obrigado a levantar para desligá-lo.

Teria sido melhor tomar um porre apagar em coma alcoólico para não ouvir mais nada. Mas o chamado do dia de semana é mais forte e ele levanta. Cambaleante, cara amassada, cérebro ainda em processo de aquecimento. A claridade é muito clara, o chão é muito frio e a cama era muito boa. Mas o dever chama. Se enrolar para levantar é pior, então que levante logo e comece o dia.

Toma o banho, dá um jeito no cabelo, faz a barba e vai para o café, rápido, tudo cronometrado. Agora a cabeça a mil e o corpo já responde aos comandos. Toma um café, come um pão, alguns biscoitos e um pedaço de bolo, pega a pasta, o mp3 player e sai voando. Coloca os fones no ouvido, liga sua estação favorita e vai. No lugar da música, ouve o repórter aéreo falando sobre o caos do trânsito na Brasil, em Niterói...'sempre a mesma coisa, Até para o inferno tem tráfego hoje em dia!' Caminha até o ponto de ônibus. As mesmas caras, nos mesmos horários. Algumas até que são boas de se ver. 'Hoje a boazuda do ponto está com vestidinho floral, meio transparene, mas a calcinha é normal, não usa tanguinha..quem diria!' Bom é só mais uma bunda, depois a gravidade faz seu efeito e acabou-se a graça...vem outra pra tomar seu lugar...o trocador engraçadinho metido a galã continua jogando seus gracejos para as caixas do mercado que pegam o raio do ônibus todo o santo dia no mesmo horário. Antes do ônibus seguir viagem, o trocador joga uma palha de conversa fora sobre a Maricleide (nome de pobre) e a situação que não andam bem, enquanto tomam café. A Rosa reclama do marido que só faz merda (todo dia reclama do elemento)...a japonesinha passa de novo, falando seu idioma no nextel, ô barulho irritante..mais uma manhã normal. Finalmente o ônibus sai enquanto o despachante troca um dedo de prosa no celular nem ligando pro movimento. A fila aumenta e os passageiros começam a reclamar. Ouvidos de mercador tanto do motorista como do cobrador...enquanto isso o inferno continua com seu engarrafamento...

A viagem segue seu rumo, como sempre...na terceira parada sobe um vendedor com aquele velho papo ' desculpe interromper o silêncio da sua viagem, hoje seu camelô traz pra vocês'..aquele papo manjado...Marcelo aumenta o MP3 quando olha para o lado vendo como o prédio daquela rua subia alto 'obra com dinheiro é outra coisa' quando é retirado de suas elocubrações filosóficas de quinta categoria por uma freada brusca. Todos olham pelo lado esquerdo. Dois motoristas discutindo e um guarda coçando a cabeça enquanto fala no 'radinho' com apito irritante. Uma mulher e um homem batem boca ruidosamente com toda a troca de elogios e palavras doces que o momento proporciona, enquanto transeuntes se reunem. O vendedor no ônibus recolhe suas coisas e desce apressado para o burburinho. A mulher gesticula bastante, o homem berra. Aparentemente uma fechada normal e alguns pequenos estragos no carro de ambos, mas ambos estão muito estressados. O PM começa a coçar a arma. O tumulto aumenta e os motoristas andam mais devagar fechando o trânsito. Alguns gritos vindos da rua e outros pedindo porrada, sangue & afins...'depois as pessoas gastam mais energia pedindo Paz do que fazendo Paz. Assim a Paz vai longe...' A O ônibus volta a andar depois de algumas reclamações, e algumas quadras adiante outra freada brusca. Quase atropela um homem de meia-idade que atravessava como um louco - o motorista apenas dá um berro pela janela - 'tá com o jato no cú infeliz! Olha antes de atravessar, viado!' Alguns se entreolham assustados, outros começam a rir. O trocador coloca o seu 'mp3' no ouvido e continua ouvindo suas musicas. A essa altura Marcelo já perdeu a vontade ouvir suas músicas. O motorista continua murmurando com o trocador enquanto segue viagem: ' só dá maluco nessa porra de cidade! É tudo um bando de alucinado! Tô doido pra me aposentar e fugir dessa merda! Antes tinha tranquilidade, agora esse povo só quer saber de arrumar encrenca!'.

O Sinal fecha e o motorista, agora apressado pelo tempo avança e passa por um motoqueiro que faz ao coletivo um carinhoso sinal com o dedo da mão. O motorista ignora. No café ao largo uma mulher toma um refresco com seu cachorro fru-fru meio aviadado enquanto lê uma revista e troca um dedo de prosa com uma amiga em um estilo mais clubber. A seu lado um engravatado com terno de 2a linha metido a arrumadinho faz pose enquanto fala ao celular e faz anotações em uma agenda. O engravatado não deixa de reparar na mulher com o cachorro, até que tem atributos, estilo boazudo frabricada de big brother que acaba de fechar com Playboy, mas pensando bem, tem jeito de sexy...nos áureos tempos em que não era metida a playboy...- Marcelo deixa pra lá, afinal o ponto está chegando, dá sinal, desce, coloca seus óculos. Um pirralho passa a mil e lhe dá um esbarrão. O garoto tropeça desengonçado, solta um palavrão e continua seguindo seu caminho. 'Cidade grande' .

Ajeita a pasta e segue para o escritório.