Tonico Latão

TONICO LATÃO

Brejo Santo era um vilarejo esquecido no mundo, enfurnado ali, bem no canto de Pernambuco, onde quem não vivia lá, nunca tinha ouvido falar.

Os habitantes eram poucos. Tão poucos quanto o número de favores que a ‘’cidade’’ oferecia. Algumas mulheres costuravam para viver. Na verdade, quase todas. Existiam aquelas que tinham somas exageradas de filhos, e esses quando eram meninas ajudavam a mãe, e quando nasciam com algo á mais do que as mulheres auxiliavam os pobres e cansados pais em suas empreitadas cidades á fora.

Era um lugar desolado. Mas o ânimo das pessoas nem tanto. Eles ainda tinham uma igrejinha para desfrutar, e o humilde padre, quando tinha forças para rezar uma missa o fazia. Era o padre Silisneu, o do nome esquisito, diziam as criancinhas mais ‘’arretadas’’. As donas mães das pestes faziam um estrondoso ‘’schhhh’’, mas não deixavam de conter um risinho tímido e quase sem som.

Mas não estamos aqui para falar sobre o padre Silisneu e muito menos sobre as criancinhas ‘’arretadas’’ que diziam que ele tinha o nome engraçado e depois eram advertidas pelas donas mães com aventais que faziam um ‘’schhhh’’ e depois acabavam rindo.

Ufa!

Vamos á ele: Tonico Latão!

Tonico Latão era o prefeito da cidade. Bem, não era necessariamente uma espécie de prefeito, mas sim um representante que o povo havia escolhido. E Tonico era amigo do povo? E Tonico pelo menos ajudava o povo?

Nada disso.

Ele encontrava-se em seu escritório naquele momento. Se considerarmos que sua casa não era uma mansão, mas se a sala de estar fosse bem decorada e arrumada, poderíamos levar em conta. Quem falava era seu braço direito, Roberto, um rapaz afobado de uns vinte e poucos anos, que trazia todos os problemas e fofocas de Brejo Santo aos ouvidos de Tonico.

Não que ele prestasse atenção, pois o retrato que segurava chamava mais sua atenção. Máquinas de tirar fotos era uma novidade distante naquele tempo, mas Tonico fizera questão de ir á cidade grande e adquirir uma. Ele comprara com um único propósito. Perpetuar os momentos que ele passava com as habitantes mais jeitosas do humilde vilarejo.

Era um homem que partia corações. Não gostava de ver a pessoa novamente no dia seguinte, quer dizer, não queria. Gostava de se fazer galanteador, fazer as mulheres correrem atrás dele e pedir mais um momento á sós. Bem, vez ou outra ele abria uma exceção, afinal ninguém é de ferro.

Aquelas que ele não desejava ver novamente iam para o seu álbum de fotos. E aquela que ele olhava no momento era incrível, ele não podia esquecer. Os cabelos morenos escorridos e bem cuidados, os lábios bem pintados de cor vermelha... Puxa vida, como ela era linda!

Voltou ao presente quando Roberto gritava com ele:

- Cê entendeu, Latão?

- Menino, pode me chamar de senhor Tonico. Deixemos o Latão pra lá.

Ele sempre odiara o seu sobrenome. Ficava se perguntando onde seu pai conseguira nome igual.

- Tudo bem, senhor Tonico, mas eu to falando aqui faz meia hora e ocê só fica aí mirando esse negócio.

- Esse negócio se chama fotografia, rapaz. – disse Tonico balançando a foto no rosto de Roberto. – Ela é linda, essa moça, não é?

Roberto engasgou e ficou vermelho. Sempre ficava assim quando o assunto era mulheres.

- É... é realmente muito bonita, senhor Tonico, mas ela é casada.

- E o que eu tenho a ver com isso?

Ele arregalou os olhos.

- Bem, isso é errado, senhor...

- Ah, eu não fico aqui te suportando para saber o que é errado e o que não é. – esbravejou Latão. – Quer saber, você já tá me irritando. Que tal ir ao assunto de uma vez?

- Bem, eu já falei tudo o que tinha que falar, mas o senhor só ficou aí olhando esse negócio... quer dizer, fotografia.

- Pois diga de novo. Não vai me dizer que aquela mulherzinha corcunda quer que eu arrume emprego na cidade grande para o resto da família? Já fiz muito por aquele inútil do marido dela...

- Não, não. – interrompeu Roberto. – Felizmente não é sobre isso. Quer dizer, também não é coisa boa...

- Você nunca traz noticias boas.

O rapaz deu de ombros e continuou:

- É sobre a ponte. Recebemos mais duas queixas de afogamentos só na semana passada.

Ah, a ponte!

Brejo Santo era ladeada por um pequeno riacho, que não ousava medir nem três metros de um lado para o outro. E chegava a muito menos de fundura. Mas as crianças ‘’arretadas’’ que não sabiam nadar adoravam se afogar, e as mães sempre jogavam a culpa em Latão. Com a desculpa de que elas precisavam passar para o outro lado do rio todo dia para fazer sabe-se lá o que, começaram a protestar a favor de uma ponte.

Bem, era um exagero!

- É um exagero! – esbravejou Tonico pondo-se de pé. – Aquele riozinho não precisa de ponte!

- Bem, senhor Tonico, as pessoas daqui são ignorantes, elas tem medo da água e algumas se afogam facilmente. E as crianças...

- Danem-se essas pestes! Eu tenho alguma culpa se elas adoram se afogar?

Roberto ficou quieto, com a cabeça baixa.

- Tenho? – insistiu Tonico.

- Não, senhor Tonico, mas ocê conhece o povo daqui. Eles são pobres, e... como é que eu vou dizer isso? Eles precisam de um pouco de luxo, ás vezes.

- Luxo? E que luxo uma droga de ponte vai trazer?

Roberto ficou quieto novamente. Latão bateu a mão na mesa e bufou.

- Bem, então você já pode ir.

- Mas...

- Mas o que moleque?

- O senhor não vai me dar uma resposta, senhor Tonico?

- Por enquanto não tem ponte.

- Mas...

Tonico balançou os braços.

- Mas, mas, mas... Só sabe falar isso? É melhor sair antes que eu mude de ideia.

- Tudo bem, senhor.

Roberto pegou seu chapéu, ensaiou um cumprimento e virou as costas.

Tonico Latão ficou parado por um instante e também pegou seu chapéu e acendeu um charuto antes de sair. Já tinha um destino, e ele ficava á poucos metros da sua casa.

Ele caminhava de cabeça baixa para que ninguém o reconhecesse, o que era fácil, já que quase nunca saía. Deparava-se com mulheres sujas pelo caminho, crianças com os joelhos esfolados correndo atrás de uma bola de meia e velhos capengas caminhando á passos de lesma. A vida ali ia no mesmo ritmo e Tonico odiava isso. Era vívido, dinâmico, e estava no lugar errado.

Não demorou muito para chegar ao seu destino. Uma casinha pobre e caindo aos pedaços. Mas quem abriu a porta não passava nem perto de ser parecida com a casa. Era uma mulher robusta, difícil para os padrões de Brejo Santo, cabelos negros e olhos tão escuros quanto graxa.

Tonico já estivera ali antes. Era uma das poucas exceções.

Ela sorriu e o convidou para entrar. Não preciso nem dizer o que se seguiu. A rotina de Tonico era assim. Ele sabia quando as mulheres estariam sozinhas, livres de marido e filhos barrigudos, e aproveitava as situações. Estando de máquina fotográfica em mãos, estava preparado.

****

A rotina em Brejo Santo seguia a mesma, tirando o fato de que os moradores pareciam mais exaltados. De alguma forma, chegaram aos seus ouvidos as histórias e aventuras amorosas de Tonico. Naquele lugar, um homem levar chifre da mulher era a mesma coisa que sair por aí vestindo saia e usando batom vermelho.

Somando-se a ponte que não saía, o vilarejo virou um caos. As pessoas não saíam da porta de Latão agora que sabiam onde ele morava. Bem, deve-se entender que eles eram um tanto ignorantes, e demoraram para perceber que ele deveria morar na melhor casa do Brejo Santo.

E seguiu-se uma onda de protestos, onde ouvia-se ‘’vergonha na cara e respeito’’ e ‘’ponte’’.

Naquele dia, Roberto estava mais afobado que o costume.

- Eles estão lá fora, senhor Tonico. Querem um esclarecimento.

- O que?

- Esclarecimento. Agora eles já sabem que o senhor... bem, que o senhor se aproveita das mulheres dos outros.

- Eu não me aproveito. Elas se apaixonam por mim, que culpa tenho eu? Mas eles não queriam a droga da ponte?

- Queriam. Na verdade ainda querem, mas também querem que o senhor vá embora daqui.

Tonico riu.

- Esse povo é muito fácil de satisfazer, garoto. Eles tão aí fora?

- Tão, senhor.

- Então venha comigo e preste atenção.

Eles saíram e demorou-se para fazer um completo silêncio. Eles gritavam ‘’respeito’’ e ‘’encontre sua própria mulher’’. Os homens eram os mais exaltados.

Quando quase todos ficaram quietos, Tonico Latão, rindo, abriu os braços como se estivesse abraçando a população e gritou:

- Tudo bem pessoal, nós vamos construir a ponte!

MATHEUS DE CARVALHO

Fernandes Carvalho
Enviado por Fernandes Carvalho em 14/08/2013
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