ESCOLHAS DRAMÁTICAS

                              Lena percorria os corredores da Livraria Cultura à procura de um livro indicado por Ester, amiga de infância e com quem mantivera contato ao longo de trinta anos. A angústia, que derretia o coração feito o relógio de Dali, transformava em urgência encontrar o livro. Ao que lembrava do resumo de Ester, poderia descobrir, na narrativa daquele livro, uma atenuante para o "pecado" que havia cometido. Uma história, dita real, de uma mulher que tivera uma relação extraconjugal e havia, por fim, reconstruído a relação primeira, a partir da conquista do direito de ambos expressarem os sentimentos autênticos. Relaxou, ao encontrar, na estante, o livro indicado. Uma capa discreta, em cinza, a foto de um deserto em preto e branco, sobreposto por um rosto em perfil diluído na paisagem e o título, sombreado, "Voltei antes do fim".
                         Com o livro nas mãos, Lena dirigiu-se ao caixa, reprimindo a vontade de abri-lo e ler as primeiras frases.

                              Depois de fazer o pagamento, abriu, enfim, a primeira página. Leu: "Traí meu marido e voltei para reconquistá-lo."

                             A frase a impactou de tal forma que fechou abruptamente o livro e o apertou contra o peito. Deixou-o assim até chegar no carro estacionado no térreo do shopping. As imagens de Pedro e Rogério se sucediam na mente dela. Entrou no carro e se dirigiu, automaticamente, para o atelier, onde comparecia três vezes por semana para aulas de pintura.

                             Apenas duas semanas depois, Lena se deu ao direito de ler o livro. E leu-o numa noite só. Ao acordar, descobriu-se em sonhos projetados pela narrativa do livro. Tinha dificuldade em separar a realidade dos fatos narrados no romance.

                               Pedro esperava que o garçon percebesse o movimento de mão para pedir uma nova dose de uísque. Estava no bar já há mais de uma hora e nenhuma decisão havia tomado, embora fosse este o objetivo de estar ali. No celular estava gravada uma mensagem de Lena, dizendo que gostaria de ter um encontro para conversar. Não respondera, nem se sentia com condições de responder naquele momento. Talvez uma dose a mais de uísque pudesse trazer alguma resposta. Lembrou Mônica, nesta hora esperando-o no apartamento dela, como haviam combinado.

                    Tinham começado a relação depois da separação dele, com a descoberta de que Lena o havia traído. Não exatamente logo após a separação, porque ele entrara num período de depressão e ficara recluso no apartamento de um quarto alugado às pressas na Cidade Baixa. Haviam passado oito meses quando encontrou Mônica no aniversário de um ano do filho de um amigo comum. Passaram a se ver assiduamente e, de repente, estavam numa relação, sem título, sem registro, sem promessas, sem projeções de futuro. Mônica, na vida independente que tinha, nada cobrava. Tinha ouvidos, estava disponível para qualquer programa que Pedro sugerisse.

                              Então, Pedro lembrou Mônica e pensou em Mônica até o garçon deixar o copo de uísque no balcão. O copo resgatou a mensagem no celular, razão dele estar ainda ali, mesmo que Mônica o esperasse no apartamento.

                                   Ele jurara não mais querer ver Lena. Isso é o que lhe dizia a razão, velha inimiga do coração. Daí o bar e o uísque naquela quinta-feira de outono. Daí aquela noite que ficara sem dono. Os ares gelados precoces anunciavam noites de lareiras, conhaques e filmes aconchegados em edredons. Os mesmos edredons de antes, com calores segredando noites, segredando abandonos, segredando vidas que se perderam em madrugadas mal compreendidas. Pedro estava confuso. A ponto de pedir mais uma dose de uísque e de resgatar a mensagem no celular: "Queria te ver, prá gente conversar." Saiu de "Mensagens" e ligou prá Mônica. Ficaria em casa naquela noite, estava cansado. Ligo amanhã. Te gosto muito. Beijos.

                                   Pedro se reconciliou com Lena por exatos dez meses e perdeu Mônica.

                         Outro dia, andando pela Borges, em Gramado, Pedro encontrou Mônica de mãos dadas com seu atual, sei lá, digamos, companheiro. Estava mais madura, mais bonita, segura de si como sempre fora. Possivelmente seus poemas estavam mais lindos, mais maduros, mais seguros, mais cheios de vida. Aqueles poemas que Pedro e Mônica degustavam entre uma transa e outra.

                              Indo para casa, Pedro refletia sobre estas escolhas que a vida nos impõe em momentos dramáticos. Momentos, que Pedro chamaria de ¨escolhas viciadas" num poema tardio.

Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 28/09/2013
Reeditado em 28/09/2013
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