Lágrimas do nordestino

‘Senhor, aqui estou, ajoelhado a teus pés, coração apertado, olhos em lágrimas, não sei bem como orar, não possuo o falar difícil dos instruídos, não possuo o sorriso fácil da criança, não possuo o rosto bonito da juventude e não possuo o conhecimento a teu respeito dos padres e pastores, mas possuo muita fé em Ti, um Deus presente que ouve os seus e os ampara nas horas difíceis, que os protege do mal, que é torre forte nos momentos de adversidade... Senhor, eu só tenho um pedido, apenas um... transforma em chuva as lágrimas de desespero do nordestino para que seja então inundado o sertão’.

Pernas vacilantes, olhos em lágrimas, coração sufocado, como aquele que aposta seu último centavo apenas na esperança de obter fortuna, levantou-se e foi cumprir seus afazeres do dia. Atravessou o pasto que já foi verde, pisou na terra árida que já foi rio, entrou na estrebaria hoje quase vazia e dirigiu-se até as duas vaquinhas que lhe restaram, as duas vaquinhas que a seca não levara, ao menos ainda; ambas magras, olhar sem vida, junto com elas definhava sua esperança. Procurou no mais profundo de seu ser força para não desistir, coragem para continuar lutando, lutando contra a natureza, contra a seca que castigava, precisava continuar lutando, mesmo sabendo ser luta vã, mesmo sabendo que já havia perdido e que nada poderia mudar isso, nada além de uma chuva, a resposta de suas preces. Aproximou-se das duas vacas e outra vez mais deu-se conta do tamanho de sua cruz, então novamente engrossou a futura chuva do sertão com suas lágrimas, no entanto de seu coração emanava uma certeza de vitória que nem ele mesmo era capaz de explicar, era sua fé que não vacilava, era o seu Deus auxiliando-lhe silenciosamente. Olhou para o céu suplicante, nada ocorreu.

Os dias passaram vazios e sem valor, secos e quentes, descobriu o nordestino que não é a esperança a última a morrer, porque depois desta dar seu último suspiro ainda resta a fé para manter o corpo em pé e o espírito vivo e passado outro ano, já sem esperança, mas jamais sem fé, viu-se o pobre homem obrigado a sair de sua propriedade e ir para São Paulo, ser outro número na cruel realidade da cidade grande.

Ele não queria ir, queria sim ver a mata voltar a ser verde, ver os rios encherem tanto de água até se precipitarem em cascatas e descerem pelas rochas, ver enfim seu único pedido sendo concedido: a chuva voltando ao sertão, entretanto a vida não lhe deu escolha, suas últimas vacas haviam morrido a cana de açúcar também não resistira, nada mais havia a ser feito, e para não morrer também, juntou suas coisas que não eram muitas, colocou-as em uma trouxa, pôs esta nas costas e sem dinheiro ou conhecido que pudesse lhe estender a mão em tão difícil momento começou a caminhar, cabeça sob o sol, pés quase descalços no chão quente, nas mãos uma pequena medida de água para a longa viagem que se iniciava, deixava para trás uma casa, um pedaço de terra, uma vida. Em sua cabeça uma conhecida frase bíblica: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal algum, pois Tu estás comigo”.

E continuava sua caminhada o pobre homem, disposto a não olhar para trás, e na frente nada vendo além de uma paisagem quase desértica, assim, ele caminhava, tão somente, mas o Deus desse homem que a ninguém jamais abandonou, fez uma última prova com o filho seu, colocou em seu caminho um moribundo peregrino, que o último gole de sua água suplicou, e o nordestino, cansado, com sede e faminto ainda foi capaz de matar a sede do peregrino, e nesse mesmo instante o céu foi ficando escuro, nuvens negras foram se acumulando, as trovoadas eram sonoras; começou a chover no sertão. De início apenas algumas gotas caiam e logo se sumiam no chão árido, imediatamente o nordestino chorou, seus olhos contemplavam a chuva como quem contempla um milagre, e essa foi a primeira vez que a água foi capaz de secar, porque aquelas gotas de chuva secaram as lágrimas do nordestino.

Coração quebrantado outra vez mais o nordestino elevou seus pensamentos a Deus e agradeceu; agradeceu por sua salvação que literalmente veio do alto.

A benção divina concedida àquele homem foi imensurável, e ele ciente da grandeza da dádiva que recebera não tinha palavras para agradecer, então apenas ajoelhou-se, rosto em terra, e permitiu que a chuva molhasse o seu corpo, e que mais e mais fé inundasse o seu espírito.

A chuva continuou por aquela e outras muitas noites mais, e tanto choveu no sertão que muitos diziam que parecia que as lágrimas de desespero de tantos anos do povo nordestino haviam se transformado em chuva.

Deise Caroline Nunes
Enviado por Deise Caroline Nunes em 18/04/2007
Código do texto: T454073
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