O PALESTRANTE

Não fazia sentido continuar a explanação - a platéia sonolenta se debruçara nas poltronas. Ele, então, tomou um copo de água, para aliviar-se da tensão e, olhando com desprezo a massa empetecada, desejou ter em mãos – que ironia! – uma metralhadora.

Convidado para aquele simpósio sobre segurança pública cuidara com esmero do material de apoio; reavaliara todo o seu conhecimento sobre o tema que abordaria; refizera, até mesmo, certos conceitos pessoais que poderiam estar fora do contexto atual.

Caprichara no próprio visual e cuidara muito da própria voz nos últimos seis dias. Afinal, o assunto que ele abordaria era palpitante – palpitante e explosivo.

- Quisera estar com uma bomba aqui e agora! – o palestrante estava revoltado com a insolência daquela platéia dorminhoca -. Olha só aquele barrigudo... o colarinho aberto, a gravata frouxa! E aquela oxigenada... pernas abertas e desengonçadas! E aquele grupo de efeminados, na terceira fila, abraçados, roncando... bando de imbecis, canalhas!

Apoiada pela esquerda, a mão direita do enraivecido palestrante simula uma pistola automática. O dedo indicador é o cano apontado para a cabeça de cada um.

Bam-bam-bam... bam-bam-bam... bambambam... bambambam...

Acabada a munição, o palestrante desce do palco, atravessa o corredor desviando-se das poças de sangue misturado à massa encefálica... e, à porta do salão ele atira, sem olhar, por cima de cada ombro, uma granada.

No estacionamento, ao entrar no seu carro, ele constata o furto do toca-fitas. “Desgraçados!”

- Aí, tiozinho, é um assalto. Passa pro banco de trás!..

E, enquanto isso, no salão:

- ZZZZZZZZZZZZZZzzzzzzzzzzzzzzzzzz...