A Humanidade é simbólica

Então a gente chora, quebra uns copos, destrói aqueles enfeites delicados que passaram poucas semanas decorando a mesinha. Num segundo entre a insanidade enfurecida e o sopro de consciência, a gente esmurra um espelho, e depois o sangue escorre ardido, os cacos recobrem o chão, as lágrimas se misturam à desordem da situação.

Há quem diga que, de alguma forma, esses acessos de fúria, esse extravasar da raiva, da angústia, do medo, são terapêuticos. Aliviam um pouco a dor. Mas tudo isso é apenas um destruir simbólico. A pressão e a raiva podem, até, amenizar, mas continuam ali, um pouco mais abaixo da visibilidade externa.

Passamos a vida nesse jogar objetos nas paredes. Passamos a vida nesse quebrar de copos simbólico. Hoje mesmo me peguei ajoelhada no chão com uma pequena poça de lágrimas diante de mim, logo depois de esmurrar de todas as formas possíveis meu travesseiro. É normal. A raiva nos dá uma força danada, o medo, a dor, a revolta e a insatisfação não são tão bons professores. Invés de ensinar a lição, eles nos fazem repetir o processo. Aquela história de vitimizar o culpado, ou tornar vítima quem te fez vitimado. Você quer, você precisa, consciente ou não, repetir o processo dolorido que te fizeram passar. A vingança simbólica. Porque a sua dor continua ali, intacta, forte, se alimentado de você.

E não importa o sofrimento que seja, por desânimo, cansaço, desilusão, decepção. Seja por amor, pela perda de alguém, por solidão. O qubrar simbólico de copos é sempre presente. E assim funciona, ninguém, no fundo, se importa. No acesso de destruição as pessoas têm medo, ninguém te berra pra parar. Ninguém quer ser irrompido no seu antro silencioso e caótico de superficialidade satisfatória. Ninguém sai do limite de segurança da sua própria insensatez. E, por mais que as pesquisas e estudos pós-modernos aleguem que um quebrar de copos, ou socar uns travesseiros pode aliviar os sentimentos, isso é só uma fuga, uma vertente, pra te dizer “enfureça, se revolte, chore e berre, desconstrua sua vida e sua dor, mas não invada o espaço de outro alguém. Não deixe seus copos quebrarem na parede do vizinho”.

Ainda é a dor que une a humanidade. A felicidade é efêmera, rápida e fugaz. A felicidade vem repleta de inveja, de desconcerto. A dor constrói os laços de conciliação e identificação. Nada une mais duas pessoas do que a compreensão da dor, do que o se identificar no mesmo quebrar de copos simbólicos. “Eu passei por isso e te digo que tudo vai melhorar”.

A humanidade é cruel. Ainda é o desamor e a dor que unem, desumanamente, as pessoas.