Depois da Escuridão parte 3

Capítulo 1

Primeiro Encontro.

Raul pediu que lhe levassem o café da manhã em seu quarto, não sairia hoje, pensou a noite inteira sobre as palavras da garota, foram minutos tão breves, mas, ela não esquecera, não faria nada que lhe oferecesse risco. Não queria morrer. Não agora. Não era justo, logo agora que seu trabalho como artista estava sendo reconhecido. Ele havia conseguido um público fiel e fãs que o seguiam em todos os eventos e manifestações culturais. Deu duro pra conseguir o que estava conquistando e então nada mais justo do que viver suas conquistas.

_ Raul, tem certeza que não quer ir conosco ao mercado?

_ Tenho sim Sofia. Mas, não se esqueça de me trazer mangabas.

Sofia sorriu e assoprou um beijo para Raul.

_ Te amo mano. Pode deixar que não vou esquecer suas mangabas.

_ Também te amo Sofia. E Raul também assoprou um beijo para Sofia.

Ela saiu com um riso nos lábios, e ele a ouviu gritar para sua mãe que não esquecesse as mangabas do Raul. “Ele adora mangabas, e eu adoro ele mamãe.”

Raul se apegou a outro motivo para viver, ele amava de mais sua irmã.

_Não posso morrer agora. Raul, você não vai morrer agora, você tem que ajudar sua mãe cuidar da sua irmã. Elas precisam de você.

Ele ficou cultivando esse pensamento, até se convencer de que o que acontecera fora um desvario, uma bobagem, ilusão. “Estava exalto noite passada, devo ter dormido e tive esse sonho”. Tentava se convencer disso quando sentiu que algo áspero havia parado em sua garganta. Ele tossiu, quando cuspiu percebeu que sangue estava saindo de sua boca. Teve medo e correu para o banheiro. Tomou tanta água quanto pôde. Voltou para cama e dispensou o resto do café.

O manhã estava se tornando enorme, e tediosa. Raul descobriu que não era tão fácil passar o dia em casa, no conforto de uma cama, entre lençóis. Resolveu que leria a um livro, de todas as coisas que poderia fazer ali, teve certeza de que ler um livro era a mais segura delas. Olhou em sua estante e quase escolheu Fernando Pessoa, O Encontro Marcado, mas, fora afugentado pelo título. Por fim, escolheu um livro de poesia.

Drummond conseguia entreter como ninguém. Instigava com o desdobramento de Adalgisa, e compunha uma infância mais bela que a de Robson Crusoé. Drummond Causa arrepios, tão sensível eram teus poemas, tão fundo iam ao peito. “Mundo, Mundo, vasto mundo... mais vasto é o meu coração!”. Raul sentiu que as palavras iam mesmo ao fundo do peito, e parou, teve medo por meio segundo, mas sentiu-se feliz em imaginar como seriam as investigações a respeito de sua morte, já mais descobririam o assassino, Drummond além de poeta é um assassino de mão cheia. Pensou em tentar dormir um pouco, quem sabe quando acordasse Sofia já não teria trago suas mangabas. “Sofia, tinha que cuidar de Sofia”, Drummond que não se atrevesse.

Ficou piscando os cílios algumas vezes antes de fechar os olhos, só conseguiu pegar no sono depois que uma brisa leve entrou pela janela, trazendo um aroma adocicado de manacá!

Tessa ficou observando Raul dormir. Ela estava irritada, pois ele não queria facilitar seu trabalho, ainda não havia aceitado que morreria talvez ele não tivesse entendido. E se, e se ela o avisasse de novo? Mas ela não podia, já tinha feito sua parte, não poderia dizer mais. A ordem era clara, “Você só pode aparecer três vezes. Quando o “seletor” os apontar, quando for transmitir a mensagem e nos minutos finais quando avisá-los que já estou pronta para colher suas almas!”. Tessa afastou depressa o som daquela voz sem face de sua cabeça. Então era isso, restava esperar que ele aceitasse seu destino, ela não poderia mais aparecer para Raul, não até os últimos minutos de suas vinte e quatro horas. Não para Raul.

"Não para Raul"

"Não para Raul"

"Não para Raul"

Sofia se afastou de mais de sua mãe e não conseguia encontra-la, sentia vontade de chorar, mas, se lembrou dos concelhos do irmão.

_Sofia, se algum dia você se perder de mim de novo, ou da mamãe, fique calma, espere no mesmo lugar por um tempo e tente não chorar, não demonstre que está perdida. Você entendeu?

Sofia estava assustada, tentava engolir o choro, mas balançou a cabeça em sinal de afirmação.

_Não chore Sofia. Raul a abraçou está tudo bem agora.

_Mas você está bravo comigo? O timbre de Sofia estava embargado pelo choro.

_Não, eu não estou bravo Sofia. _ Raul fez uma pausa, ele procurava as palavras certas para acalmar a irmã. _ Eu só estive preocupado! _Completou, depois, beijou-a na testa.

_Se acontecer outra vez, eu vou fazer como você me ensinou Raul. _ Sofia também o beijou na testa.

_Não terá outra vez Sofia, agora eu não vou tirar meus os olhos de você. Sua pestinha!

Raul puxou Sofia para um abraço de urso e depois bagunçou lhe os cabelos. Ela riu, mas, voltou a dizer;

_ Mas, e se acontecer? Se você demorar pra me encontrar?

Raul percebeu que Sofia ainda estava assustada e que falava sério. Ele precisava ensinar a ela como se proteger numa situação como essa.

_Então Sofia, você deve procurar um telefone e ligue pra mim.

_Mas os telefones são altos!

Raul sorriu!

_Se você levantar bem os pés, você os alcança. Agora vamos pra casa.

Sofia era uma criança muito inteligente, estava à frente de sua idade. Todos se encantavam por sua ternura, graça e astúcia. As pessoas sempre diziam, “Você não pode ter apenas seis anos”. Mas, era exatamente essa a sua idade, seis anos. Ela Percebeu que passara algum tempo pensando em Raul, e precisava dele, mas agora, tinha que se virar sozinha, precisava fazer como ele a ensinou.

“Mamãe vai presumir que eu esteja procurando as mangabas para o Raul, então ela virá me procurar”. E ficou esperando que seu pensamento fosse parar na cabeça de sua mãe.

_Está perdida garotinha?

Sofia quis correr, mas quando olhou por cima do ombro percebeu que a dona daquela voz era uma garota simpática, com um belo sorriso.

_Não, não tô perdida, mamãe já está vindo pra cá. _ Sofia foi cuidadosa.

_E por que sua mãe a deixaria ficar aqui sozinha? _ Perguntou a garota.

_Mamãe foi comprar limões, pediu que eu ficasse aqui e me certificasse que aquela senhora não vendesse todas as mangabas. _ Sofia apontou para a senhora na barraca.

_Que indicador atrevido você tem! _ Brincou a garota. _ Não se deve apontar assim para as pessoas, elas podem ficar cismadas.

_É verdade! O Raul me diz isso também. _ Sofia sorriu.

_Raul? Quem é Raul? _ Quis saber a garota.

_Meu irmão. Ele é um gato!

A garota sorriu com os olhos, e ficou observando Sofia. Ela se encantou pela menina. Não era de se estranhar, todo mundo se encanta por Sofia.

_Quer que eu fique aqui com você até sua mãe chegar?

_Sim, eu quero.

Elas ficaram conversando por um bom tempo. Até que a garota percebeu que a mãe Sofia não chegava.

_Sua mãe parece que não vem mais!_ Disse.

_Claro que vem. Mamãe não costuma me esquecer assim. _Sofia tentou ser forte, mas acabou chorando e confessando para a garota que estava perdida.

_Não se preocupe Sofia, eu vou ajudar você encontrar sua mãe.

Sofia parou de chorar e as duas começaram a andar pelo mercado.

Dona Ester estava tão apavorada que nem agradeceu a garota por tê-la devolvido Sofia à salvo.

Simplesmente abaixou até a altura da filha e abraçou, depois, olhou-a nos olhos e lhe deu uma bronca.

_Criança é assim mesmo. Mas veja senhora, ela está a salvo. Disse a garota.

Ester se levantou, estava mais calma agora e então percebeu sua falta de delicadeza. Estendeu a mão, cumprimentou a garota e agradeceu-a.

_Por favor. Desculpe minha expressão, mas, estava muito preocupada.

O tom de voz de Ester era forte, encorpado. Ela parecia não ter muito jeito para demonstrar emoções facilmente.

A garota meneou a cabeça e apertou-lhe a mão.

_Então, hora de irmos embora Sofia. Disse dona Ester. _ Agradeça a moça e despeça-se.

_Mas, e as mangabas do Raul? _ Sofia nunca se esquecia do irmão.

_Hoje ele não as terá Sofia. Dona Ester pegou-a pela mão. _ Vamos!

Sofia olhava o tempo todo por cima do ombro e acenava para a garota.

Raul acordou ouvindo o choro de Sofia. Ele finalmente saiu da cama, desceu as escadas e foi saber o motivo do choro de sua irmã.

Dona Ester estava ajeitando as compras no armário, enquanto Sofia chorava à mesa.

_Ei... Psiu! Por que o choro? _ Raul perguntou baixinho para sua mãe. Ele adorava mimar Sofia, mas, tinha que ter cuidado para não interferir na forma como dona Ester a educava.

_Nós não compramos as suas mangabas, e ela está com medo de você ficar bravo com ela por isso. Dona Ester tentou falar sussurrando, mas tinha uma voz forte de mais e Sofia acabou ouvindo.

_A mamãe não quis comprar as mangabas Raul, eu pedi pra ela comprar, mas ela não quis. O choro dela estava cheio de sentimento, e Raul amava aquele choro, embora ficasse triste também ao ver a irmã chorar.

_Ei Sofi, acalme-se. Tudo bem, outro dia nós compraremos as mangabas, eu nem estava querendo tanto!

_Não, você só está querendo fazer eu me sentir bem.

_Eu gosto que você se sinta bem Sofi.

_Então você não está zangado comigo? O choro de Sofia havia cessado.

_Não! Agora me dê um sorriso. Raul apertava e puxava as bochechas da irmã. Ela sorriu pra ele e os dois tomaram café juntos.

_Mamãe?

Dona Ester olhou para Raul esperando que ele completasse a pergunta.

_Por que você não comprou as mangabas, por acaso o dinheiro não deu?

Dona Ester olhou para Sofia e percebeu que ela pedia com os olhos que não contasse do seu sumiço para Raul. Mas, dona Ester não era mulher de guardar segredos em casa, porém, ela deu a informação para o filho com naturalidade e deixou claro de que não seria necessário ele se preocupar.

_Sofia se perdeu no mercado. Mas eu a encontrei logo.

Sofia respirou aliviada e sorriu para sua mãe.

_Sofi, você tem que ter mais cuidado. Já disse pra você não se afastar de mim ou da mamãe quando a gente estiver no mercado.

Sofia puxou o ar com força. Dona Ester interferiu antes que a filha começasse a chorar de novo.

_E eu já disse que foi coisa rápida. Eu mal dei por falta e ela já estava de novo comigo.

_Graças àquela garota bonita! _ Falou Sofia.

_Que garota bonita? _ Quis Saber Raul.

Sofia tentou se lembrar o nome da garota e só então percebeu que ela não havia perguntado.

Então ela disse; _ A garota bonita, de trança no cabelo.

Raul tremeu. Será que seria ela? A mesma garota que apareceu para ele e lhe tirou o sono?

Seria impossível saber, afinal de contas, tantas garotas têm trança no cabelo.

Tessa estava com meio sorriso nos lábios, não havia desobedecido às ordens, fora esperta o suficiente para burlar as regras. Um aviso indireto não mudaria o curso da história. Andar entre os vivos e poder falar com eles era a melhor parte de seu emprego, aliás, a única parte que a agradava. Fora exatamente esse o motivo que a levou a aceitar ocupar o lugar da outra.

Ela só parecia estar um pouco dolosa quanto ao desamparo de Sofia. É claro que sua mãe ficaria ali para tomar conta dela, mas, Sofia era apegada de mais ao irmão e Tessa sabia que Raul também morria de amores por sua irmã. Acabou tendo que afastar o pensamento depressa, antes que desse por conta um envolvimento emocional que atrapalhariam seus planos. Sofia era sua única certeza de que seu aviso chegasse a Raul. Na verdade, não fora bem um aviso, e sim um sinal, e esse pensamento fez a cabeça de Tessa girar, ela ainda precisa contar com a sorte para que ele fosse capaz de decifrar hieróglifos, de entender o seu recado.

C O N T I N U A . . .

Héryton Machado Barbosa
Enviado por Héryton Machado Barbosa em 19/11/2013
Código do texto: T4577735
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