ELE SÓ QUERIA JOGAR FUTEBOL.

Ele Só queria jogar futebol.

Quando eu era garoto certo dia pareceu um menino na minha rua. Ele mudou para a casa número 42. Lembro como se fosse hoje, meus amigos contando a novidade. “Tem um garoto novo morando na casa número 42. Ele é um morto vivo”. Morto vivo? Como assim? Desde crianças fui cético e quis ver para crer. A turma se juntou e fomos tentar ver como era esse tal garoto. Ficamos escondidos atrás do portão por algum tempo. De repente o garoto surgiu na porta, sabendo que alguém estava na espreita, ou talvez, já acostumado com esse tipo de curiosidade. Quando ele apareceu, deu alguns passos para frente e foi difícil olhar para aquela fisionomia. O garoto possuía uma grande queimadura em seu rosto, seu lado direito era completamente deformado. Saímos correndo assustados e fiquei com aquela imagem na cabeça; à noite não consegui dormir, mas queria vê-lo de novo. Não era possível ser real, por outro lado eu não tinha visto sozinho, mais dez garotos viram também, não era um sonho!

A notícia do garoto já havia se espalhado pela pequena cidade. Pessoas de ruas mais distantes vinham com desculpas visitando pessoas sem interesse. Curiosidade mórbida.

Foi difícil fazer contato com aquele garoto, mesmo porque ele não saía de casa e quem estava de fora também não queria contato, apenas conferir se existia mesmo um morto vivo na cidade, dar uma ligeira olhada e nunca mais por os pés ali.

Como a casa 42 ficava próxima da minha e eu era o dono da bola e nosso jogo de futebol era sempre em frente da nossa casa, tinha o poder de decidir quando e onde era o jogo, por isso nunca mudei o local, quem quisesse tinha que jogar aonde eu determinasse. Foi difícil convencê-los a ficar perto da casa 42, mas à vontade de correr atrás da bola era tanta que todos venciam o medo e diariamente acontecia nosso jogo. O que os outros garotos não sabiam é que eu tinha visto o menino de relance outras vezes, também via sua mãe, seu pai e sua irmã. Para mim todos eles eram normais, cumprimentavam meus pais, às vezes conversavam um pouco com eles e sua irmã sempre me dava um sorriso.

Certo dia jogando nosso futebol na rua a bola caiu dentro da casa do garoto “E agora quem pega?” Formou a discussão, e como eu era o dono da pelota e decidia tudo, nada mais justo, segundo o resto da turma, que eu pegasse. Respondi: “Tudo bem”.Caminhei em direção ao muro, quando de repente a bola foi jogada de dentro para fora da casa, vi o vulto do garoto correndo para a porta, assustado. A bola caiu bem na minha mão. Senti um desconforto com aquela imagem do garoto correndo feito um ser sem semelhante. Incomodado não consegui dormir novamente à noite e tomei outra decisão: Amanhã vou fazer contato com aquele garoto.

Logo que amanheceu percebi movimento na casa 42, os pais do garoto haviam saído e sua irmã tinha ido para a escola. Peguei a bola e dei um chute, jogando para dentro da casa. Passou alguns segundos e a bola voltou para a rua, dei dois passos para frente e chutei novamente. Passou alguns segundos e a bola voltou. Dei mais dois passos para frente e chutei a bola novamente. A bola voltou. Dois passos. Chutei. Segundos. Bola voltou. Mais dois passos. Bola voltou. Fiquei de frente para o portão da casa. Do outro lado sabia que estava o garoto. Puxei o portão para frente e estranhamente, apesar de sua face desfigurada, que sempre incomodava as pessoas, vi nele um garoto apenas que queria jogar bola. Naquela época não sábia o que era preconceito, à medida que fui crescendo estes sentimentos de distinção começaram a aparecer. Quando se é crianças somos simples, não temos tempo pra pensar nessas coisas qu nos influenciam tirando a verdadeira percepção da vida.

Agora adulto, vendo esse garoto, também homem, o encontrando por acaso do destino, lembro aquela cena na manhã ensolarada jogando bola e de sua partida algumas semanas depois. Vê-lo trabalhando, pagando seus impostos, superando os obstáculo, que para ele devem ser sempre maiores e em mais quantidades, mas sendo um cidadão comum. Como em todo esse tempo deve ter sido difícil ter que conviver com pessoas e suas conclusões sobre a estética humana, inseridas em suas cabeças pelos meios de comunicações e ou de mentes simplórias. Se pegarmos quatro fotos de pessoas diferentes, desconhecidas, uma loira, um atleta, um senhor sorrindo e a do garoto. Pedir para alguém associar com filmes, provavelmente em quase cem por cento a resposta será essa: A loira, um filme de romance, o rapaz atlético, filme de ação, o senhor sorrindo, uma comédia e a do garoto, com um filme de terror, mas quem disse que sua vida é isso, certeza que não. Ele quer ser feliz como qualquer outra pessoa tem o direito e deseja. Vou dar um abraço nele. Será que ele lembra de mim?

FIM

DONI SILVA
Enviado por DONI SILVA em 24/11/2013
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