A visitante

Trazia na lembrança, como doce visão, o modo como ela apareceu – sem mala nem mochila. Como uma deusa surgida nas espumas da praia, sim, como Venus – Afrodite para os gregos – que nasceu da espuma do mar, ela caminhava pela beira do cais. Havia desembarcado naquela manhã ensolarada. Lembrava, ainda, que a cumprimentou. Ela o fitou e nada respondeu. Ele não se importou, pois sempre acreditou que o silêncio pode ser cúmplice de algum enigma.

Foi há alguns anos, ali ao pé do mar que resolvera implantar seu próprio reino. Vivia lá sem outro pensamento a não ser esquecer-se do próprio passado. Frustrações políticas e amorosas ainda povoavam sua alma. Acreditava que a solidão seria um tesouro quando aprendesse a estar solitário, pois o que restava da memória não precisava ser partilhado. Mas o destino tinha outros traços para seus dias.

Naquele amanhecer, como sempre, acordou desmotivado, triste com a vida que levava, sem ânimo para enfrentar a rotina de mais um dia. Permaneceu mais algum tempo de olhos fechados, como de costume. Em algum lugar de sua mente, ainda meio adormecida, ansiava por uma resposta ao grito de socorro sufocado na garganta. Às vezes refletia sobre as coisas que o ser humano é capaz de fazer. O homem precisa sempre de um Messias que o socorra e de um Judas que justifique suas fraquezas, ao invés de se responsabilizar pela própria existência, pelos próprios desejos, atos e consequências. Não gostava de admitir, mas tinha plena consciência de seu fracasso em se deixar levar pelo desatino de se fazer um defensor da Pátria sem o mínimo preparo para enfrentar seus algozes sempre bem armados e articulados. Sofreu perseguições, prisão e torturas, quase provou da morte tão precoce sem deixar nada de concreto porque se esvaziou de si mesmo e devorou noites de amargor que o devoram até hoje.

Pensou em muitas coisas que poderia fazer. Uma delas, sair e percorrer a orla marítima para cumprir a rotina dos exercícios diários, mas seria enfadonho, pois não tinha companhia, alguém para conversar. Essa indecisão o atormentava e a angústia que sentia no peito o deixava em estado de quase prostração. A solidão, mesmo não sendo uma opção, com certeza, é uma carência que surge das profundezas do nosso ser. Quando teve que abandonar tudo, quando teve de fugir de si próprio, aos poucos percebeu que os outros também o abandonavam, inclusive aquela que confessara ser seu grande amor.

Naquela manhã o marulho das ondas e seus movimentos harmoniosos o animaram a uma caminhada na praia. Foi quando a viu caminhando à beira do cais, altiva como uma princesa. Cumprimentou-a. Nada respondeu, mas os seus olhares se cruzaram num momento especial que ficaria gravado em sua memória, apenas um olhar, o que não o desanimou. Aquela aparente ingenuidade e castidade o seduziu. Ficou curioso em saber o que a trouxera a um local tão inóspito, teria que descobrir. Só poderia estar hospedada na única pousada existente, um pouco afastada do cais, mas não muito longe dali.

O dia para ele transcorreu sem grandes novidades. O tempo parecia parado, sem nenhum vento ou brisa, mas em sua mente a simples quebra de rotina pelo ocasional encontro com aquela jovem tirava-lhe a pouca paz que ainda lhe restava. Como a tarde já ia adiantada resolveu caminhar até a pousada e sondar suas deduções, quem sabe até encontrá-la.

A construção ficava sobre um barranco e precisava subir uma escada de madeira um pouco comprida para chegar à entrada principal da pousada. Mal chegou ao primeiro degrau, deparou com ela que descia. Ele levantou o queixo em sua direção de um modo tão decidido que sentiu seu rosto queimar. Ela continuou descendo, com seu corpo jovem, bem jovem, e profundamente encantador. Seus cabelos ruivos esvoaçavam movidos pela leve brisa e movimento de seus passos, seus olhos verdes faiscavam sensualidade. Uma visão surpreendente que o apaixonava. Pode então, pela primeira vez, apreciar o timbre de sua voz, doce e suave, que o encantou quando ouviu aquele som bem perto de seus ouvidos. – Olá! Boa tarde! O que o deixou quase sem voz para retribuir o cumprimento. De uma hora para outra ele se sentiu como se fosse outra pessoa. Sentia-se forte e confiante, como se o mundo voltasse a lhe pertencer.

Permaneceram em silêncio por algum tempo. De repente deu-se conta de que não havia sequer perguntado o seu nome ou indagado sobre o que viera fazer naquele fim de mundo. Ela adiantou-se, como se adivinhasse o que se passava pela sua cabeça: – Pesquisas arqueológicas e estudos marítimos me trouxeram até aqui. – Disse, voltando a cabeça como que à procura de seus olhos. Só então ele percebeu que ela trazia à tiracolo uma máquina fotográfica. Ela tentando entabular um assunto: – O Sol já está se pondo, gostaria de fazer algumas fotos. Ele ainda um pouco perdido em seus pensamentos, prontificou-se a acompanha-la.

Naquele momento o vento fazia sua ronda, espalhando as folhas secas, sem cor, de uma das raras árvores ali existente, trazendo um clima bucólico ao ambiente. Puseram-se a caminhar.

Chegaram bem próximo à praia. A paisagem era acolhedora, o mar batia com insistência nas pedras e o Sol já começava a se pôr no horizonte. Ela prontamente, entusiasmada com o local solitário onde umas gaivotas e andorinhas do mar voavam sobre suas cabeças com grande algazarra, pôs-se a fotografava tudo a seu redor. Enquanto ele em seus pensamentos tentava desvendar os segredos além do horizonte, por detrás do sol, sem perder o foco do suave soprar do vento que lentamente agitava o cabelo dela.

A luz do dia tentava resistir à escuridão da noite que se insinuava, como num duelo entre ambos, deixando para trás mais um dia. Ele, mesmo perdido em pensamento percebe que ali está ela, pisando com graça a areia salpicada de espumas, agora diante dele figurando como uma mulher real, curvas generosas, cheia de luz. Como gostaria de aproveitar o crepúsculo e permanecer junto dela por mais tempo e curtir a lua que já se insinuava com os primeiros raios, denunciando uma lua cheia soberana como uma diva. A lua cheia sempre o fascinou.

Ela aproximou-se dele de repente, como se estivesse ouvindo seus pensamentos. Foi o suficiente para que ele sentisse o odor suave de seu corpo. Ele a abraçou e a puxou suavemente contra seu corpo, envolvendo-a com seus braços. Percebeu que ela cedia ao seu impulso e não desejava deixar passar aquele momento mágico. Ficaram se olhando por algum tempo com uma intenção que não foi dita. Ele apertou-a suavemente percorrendo com os dedos o seu rosto como que querendo certificar-se de sua real presença. Desejava aquecer a alma e preencher o coração. Naquele momento os seus corações diziam o que os lábios não pronunciavam. Ela reclinou-se sobre seu peito. Desejavam-se desde que se conheceram, não havia a menor dúvida e amaram-se, presos a este momento de tal modo que nem perceberam o esplendor da lua cheia que lá do alto em pleno silêncio os observava. Ele não se importou, pois sempre acreditou que o silêncio pode ser cúmplice de algum enigma.

Laerte Creder Lopes
Enviado por Laerte Creder Lopes em 24/11/2013
Reeditado em 26/11/2013
Código do texto: T4584860
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.