CADEIRA BRANCA

CADEIRA BRANCA

BETO MACHADO

I

Poucos pontos de encontro sustentam tamanha longevidade como a do Bar Cadeira Branca. Foro das reuniões cotidianas de pessoas amigas. Suas mesas, originalmente, da cor branca, hoje tem outras cores como azul, vermelho e amarelo. Mas o principal foco está nos seus freqüentadores. Não há personagens do cenário cultural campo-grandense que não tenham passado por ali. Por falar em personagem, ontem eu e um parceiro musical conversamos com o compositor Zé Moreno, que nos contou grande parte da sua vida. Parecia nos oferecer autorização para biografá-lo.

Zé Moreno sempre comentava, na nossa roda de conversa, sobre um filho fora do casamento. De repente ele aparece no bar com um menino de aproximadamente cinco anos. Muitos pensavam que fosse seu neto. Não era. Era seu filho. A constatação não produziu em mim nenhum espanto. A vida levada por ele, os ambientes noturnos, sejam por conta da música ou da jogatina, que ele freqüenta são perfeitamente propícios a essa situação.

O moleque tem nome de rei, mas a pronúncia inglesa, que seduzira os ouvidos da mãe, dera um nó na cuca do escrevente do cartório onde foi registrado o pimpolho. Davi virou Deividi. Coitado do moleque!!! Mas a sua simpatia, com certeza herdada do pai, lhe possibilita a conquista de muitos admiradores. Isso fica demonstrado pela enxurrada de perguntas sobre ele pelos freqüentadores do bar.

Deividi tem três irmãs de sangue paterno. Todas tem idade para ser mãe dele. Zé Moreno sofre grande pressão de suas filhas para buscar, nos fins de semana, “o Pequeno Príncipe”, o xodó da família Moreno.

Célia, mulher de Zé Moreno, não esconde sua simpatia pelo menino, que a chama de tia. O passar desses cinco anos serviu para diluir toda e qualquer mágoa, plantada no coração da dedicada esposa, causada pelas escapulidas extraconjugais do marido. Célia, quando instada a falar sobre esse constrangedor assunto, se sai com uma afirmação bastante polêmica: “quanto mais a mulher satisfizer os prazeres sexuais de seu homem mais ele procura outra fora do lar”. E ainda reforça: “esse tal de bicho homem é caçador de nascença. E a caça, agora, se joga de corpo e alma nas garras do predador, mesmo se esse bicho já tenha perdido seu faro”. Sua fala com ar de resignação tem como fonte de energia o discreto mas enorme amor por Zé Moreno.

II

Por ser um reconhecido compositor de escola de samba Zé Moreno sofre assédio de admiradoras de suas músicas, e ele adora isso... Certa vez cedeu aos encantos de uma novinha. Depois de compartilharem os prazeres da carne, usufruindo a termicidade artificial de um quarto de motel e outros luxos, foram se deparar com outra realidade: a comunidade onde mora Lucinha, hoje mãe de Deividi. Dona Mariana, mãe de Lucinha, sentiu que seu anjo da guarda cruzou bem com o do mais recente namorado da filha caçula, mesmo depois de saber do seu estado civil. Zé Moreno também se amarrou na simpatia da coroa.

Aquela senhora simples é mãe e pai de duas filhas, criadas a poder do vapor de panelas, da poeira dos espanadores e vassouras, nas casas de madames da zona sul e Barra da Tijuca.

Antes de conhecer Lucinha e seu jeito sedutor Zé Moreno alardeava que era um “esperteleco” no trato com as mulheres. Não poupava os ouvidos da galera com sua frase: “pra mulher de rua só dou “leite” e boa vida no “tatame”. Mas quem manda no buraco do meu pano é a primeira dama”.

III

Hoje a casa de dona Mariana é freqüentada por Zé Moreno com uma rotina que, para um homem casado, não se pode classificar de normal e, muito menos, recomendável. Mas se alguém perguntar pra Lucinha ela dirá:

--- Adooooro!!!!

E esse entrelaçamento se fortaleceu desde o diálogo, via telefone, entre dona Mariana e Zé Moreno há mais de cinco anos atrás.

---Alô, dona Mariana?

---Sim.

---Oi, aqui é o Zé Moreno. Posso falar com a Lu ?

---A Lu ta na cama. Ela não ta passando bem não. Acho... Acho não. Ela tá grávida....

---Tudo bem. Tudo bem. Amanhã eu vou aí e falo pessoalmente com ela. Mas desde já pra mim ta tranqüilo... A responsa é toda minha... Esquenta não. Amanhã a gente comemora. Só não vou aí agora porque to de plantão.

---Falô. Te manhã.

---Té.

Lucinha crescera na comunidade da Carobinha e sua mãe se orgulha de suas duas filhas não terem virado mulheres de bandidos.

A comunidade passa por um processo oficioso de pacificação desde 2007, com a expulsão do narcotráfico.

O povo laborioso desse loteamento aguarda, com paciência de Jó, que o poder público conclua o processo de regularização de milhares de terrenos do Jardim N. S. Das Graças, o que dará mais tranqüilidade a dona Mariana e sua grande vizinhança, assim como, também, propiciará a inclusão do loteamento nos projetos de urbanizações de bairros regulares da cidade do Rio de Janeiro.

Zé Moreno não é homem de deixar furo com seus compromissos... Mal Lucinha saía do banho e se preparava para mostrar-se lindona ao seu amado amante, eis que surge Zé Moreno. Sacola de grife famosa na mão, olhos brilhantes e ansiedade a flor da pele Zé adentra, ofegante, ao portão.

---Tô na área, dona Mariana.

---Entra, Zé. A Lu tá se arrumando. Senta aí. Só não repara a bagunça.

---Tá tranqüilo. Eu to é com sede.

Quando Lucinha ouviu Zé Moreno pronunciar a palavra sede com aquela entonação conhecida de outros botequins não resistiu:

---Oi, amor.

---Oi, vida. Tá melhor?

---Tô. O que sinto agora é o mesmo que você. Sede.

---Em primeiro lugar parabéns pra você, amor e pra dona Mariana. Primeiro filho. Primeiro neto. Merece comemoração. Vamos lá naquele barzinho perto do Prédio Rosa.

---Vamos nessa... Vai com a gente, mãe?

---Não. Tenho muita coisa pra fazer... Se der traz duas latinhas pra mim. Da boa, heim.

---Falô. Qualquer coisa liga. Tchau.

Súbito, Zé Moreno lembra-se de algo:

---Tchau não, gente. Calma aí. Tem uma paradinha aqui que eu trouxe pra vocês.

Zé tira da sacola alguns pacotes, cada qual com o nome da presenteada.:

---Esse é pra senhora... Esse é pra você e pro nosso bebê.

---Obrigada, amor.

---Mas eu gostaria que você só abrisse depois que a gente voltasse, pode ser?

Dona Mariana, emocionada, agradece antes de se retirar para o fundo do quintal.

---Obrigada, Zé... Aproveito pra agradecer a Deus por colocar você no caminho da minha filha, mesmo sabendo que esse caminho é tortuoso. Pois você é casado. A minha maior preocupação era como falar pra você que ela é menor de idade ainda, apesar desse tamanhão todo. Você sabia disso?

---Não. Mas isso não me preocupa. Tá tranqüilo... Agora vamos nessa, amor. Minha goela tá seca.

IV

O domingo dourado pelo sol estava propício a uma cerva bem gelada. Em todos os bares, por onde passaram, as mesas estavam cheias de rubro negros aguardando o jogo do Mengão. Tudo lotado. Bar do Renato, do Vavá, da dona Maria do Forró, do Bolinha, do Piauí... Lucinha lembrou de uma barraca na rua meia sete, perto da casa de uma amiga sua.

---Vamos lá, amor. É na barraca do Poka Fala.

Zé Moreno adorou o lugar. O estabelecimento é o que um freguês mais pomposo chamaria de birosca. Logo na chegada deu de cara com um cavaquinho pendurado na parede de frente pro balcão azulejado e limpíssimo. A marquise móvel, pintada com as cores da Mangueira é a meia porta que caracteriza a diferença entre loja e barraca. A presença de vira latas transitando por entre a clientela, driblando a vigilância do dono da casa, sinaliza que ali tem “rebola queixo”. As mesas, em número de três, ficam no quintal avarandado entre a casa e a barraca.

Depois da terceira cerveja, Zé, percebendo que o dono da tendinha fazia jus ao apelido, sinalizou pra que ele viesse até à mesa. Pediu uma porção de peixes fritos. Minutos depois Poka Fala volta com o tira gosto e mais uma gelada. A curiosidade toma conta da mente de Zé Moreno:

---Aí, parceiro, quem é que toca aquele cavaco?

---Ele é uma ferramenta que eu uso, de vez enquanto. Tem um amigo morador da Serrinha do Mendanha, seresteiro do bom, que traz seu violão, aos domingos, e a gente faz uma brincadeira maneira... Se você toca eu pego lá.

---Não. Não... Eu faço samba mas é tudo só de inspiração. Não toco instrumento nenhum.

---O senhor não é daqui não, né?

---Não. Moro no Arnaldo.

---Arnaldo Eugenio?

---É...

---Conheci um grande compositor de lá...

---Quem?

---Mário Cardoso.

---Esse era “pica das galáxias”.

A chegada de mais alguns fregueses os obriga a interromper o bate papo.

Tal qual um atacante oportunista, Lucinha traz, delicadamente, o rosto de Zé Moreno para junto do seu. Trocam longos e apaixonados beijos, totalmente alheios ao que acontece a sua volta. O casal curte seu momento de felicidade.

V

Deividi transita, serelepe, por entre as cadeiras e a clientela do “quartel general” dos sambistas e músicos campo-grandenses, sob o vigilante olhar do pai. Orgulhoso, por constatar a unanimidade da admiração em relação ao filho, Zé Moreno estende um pouco mais o prazo pré-estabelecido por Célia para “a hora do almoço do menino”. Mais de meia hora já se teria esgotado. Depois de um sinal com o dedo indicador para o pimpolho, este chega ofegante junto a seu herói.

---Tá muito maneiro aqui, pai.

---É. Mas nós já passamos da hora estabelecida pela ”sargento Célia”.

---Só mais um pouquiiiiinho.

---Falô. Só enquanto eu pago minha conta.

---Falô.

---Mas fica na disciplina aí, cara.

---Tá.

Mal o moleque se vira pra zoar é abordado por um amigo de seu pai:

---Diz aí, qual é o seu time?

---Eu sou Mengão. Sou campeão do Mundo.

---Que campeão é esse?

---Meu pai falou.

---Teu pai tá te “levando pra grupo”, Mané. Campeão é o Fogão.

---É ruim, heim.

Deividi é um moleque cujo primeiro contato nos deixa a impressão de peraltice, hiperatividade e outras marcas não muito apreciadas pelos educadores tradicionais. Mas Zé Moreno tenta trazer a educação do filho dentro de um equilíbrio, posto que menino habita dois lares cujas vivências são completamente opostas.

Marlon, o filho do dono do bar é quem mais puxa pela desenvoltura e articulação oral do Deividi. Vez por outra o estimula a sair de alguma enrascada:

---Aí, Mané, teu pai vai deixar eu te levar pra minha casa.

---Duvido. Minha mãe num deixa.

---Ela não vai nem saber, compadre.

---Tá escutando, pai?

---Tô, filho. O Marlon tá doido pra ficar maluco. Dá ouvido pras doideiras dele não.

---Aí, Mané, num te falei?... É ruim. Heim.

VI

O ambiente maternal que Deividi respira atravessa a semana com a lentidão de uma lesma. Já o paternal é como um relâmpago. Na casa da mãe ele ouve e fala muitos xingamentos e expressões que nem sonha em repetir quando está na casa do pai. E quando, nos fim de semana, vai pra rua com Zé Moreno recebe as recomendações da “tia Célia”.

---Deividi, nada de palavrões, heim.

---Tá, tia. Eu num falo não.

---Se falar teu pai não te busca mais.

O tom de autoridade vindo da fala de Célia é prontamente compreendido por Deividi. E o guri se arrepia só de pensar na possibilidade de ficar um fim de semana longe da sua família paterna. Para ele o banho de piscina é tão prazeroso quanto a disputa, que assiste, travada entre as suas irmãs pra saber quem deverá levá-lo ao shopping. O desabusado chega a sugerir que elas tirem par ou ímpar. É tanto paparico que Zé Moreno de vez em quando dá umas broncas no trio de irmães do Deividi. Perdoe o neologismo (irmães), mas é o que mais elas parecem diante do menino. Além de irmãs, se portam como mães super protetoras, cujo ideal é fazer com que o filho sinta-se feliz.

VII

A Prefeitura do Rio mantém uma pérola da Secretaria de Educação no Complexo Mendanha: a Casa da Criança, uma pré escola, por onde passaram advogados, economistas, técnicos de várias profissões, imersos, hoje, no mercado de trabalho. E a Lucinha teve a sorte de conseguir matrícula para o Deividi nesse ninho de anjos felizes. A irmã de Lucinha leva e traz o irrequieto sobrinho, se beneficiando do transporte escolar gratuito (Ônibus da Liberdade).

As professoras, as merendeiras e todos os funcionários da Casa tem um carinho especial por Deividi, por conta do seu comportamento fundado encima da obediência e do respeito aos mais velhos. O dia que Deividi mais é chamado à atenção é a segunda feira. Enquanto ele não esgota todo seu estoque de feitos e acontecidos no seu fim de semana não pára de tagarelar. O seu desempenho no aprendizado, na interação com os coleguinhas, no interesse pelas tarefas da sala de aula e de casa é considerado acima da média por sua professora. Já conhece as vogais e começa juntar letras, formando algumas sílabas aleatórias. Dentro de pouco tempo estará alfabetizado, com certeza, para alegria de seus pais.

VIII

Zé Moreno se levanta e vai em direção ao balcão, encontra Marlon e pede a ele que feche sua conta... Deividi puxa a barra da sua camisa e aponta pra outra calçada.

---Pai. Pai, olha lá o tio Brandão.

---Tô vendo . Ele vai atravessar. Calma.

Brandão chega fazendo afagos no Deividi e mostrando ao Zé Moreno um papel com algo escrito.

---Aí, parceiro, tô com essa primeira aqui. O quê que tu pode fazer pra gente firmar mais uma parceria?

---Tem melodia?

---Tem. Sente só.

A madrugada tomou pela mão a aurora.

Eu vou embora.

Chega de vadiar.

E não me venha você me dizer

Que é cedo.

Que eu tenho medo

Que o sol venha me ofuscar.

---Show de bola, Brandão. Vou terminar essa. E já vou começar.

---Vai lá pro teu cantinho?

---Claro. Essa primeira merece um trato especial.

---Enquanto você se inspira eu vou tomar uma gelada. Té mais.

Zé Moreno se dirigiu a um cantinho no fundo do bar, onde, no passado, alguns salários foram sugados por máquinas de jogos de azar, e hoje serve de depósito da caixaria de bebidas do estabelecimento. A decisão do dono do CADEIRA BRANCA de abrir mão da obtenção do lucro fácil, vendendo “sorte”, em detrimento da saúde financeira de parte da sua clientela, foi aplaudida por toda região.

Zé Moreno aproveita esse ambiente do bar, mais tranqüilo, para deixar fluir sua inspiração. Retorna à mesa com a sua parte no samba, em menos de vinte minutos. Confere a localização de Deividi, e, diferente de Brandão, ele faz questão de que todos ouçam sua obra.

---Aí, parceiro, ta pronto. Canta a primeira, que eu entro na segunda. Depois a gente canta juntos as duas partes.

Brandão é um excelente compositor mas deixa a desejar quando tem que mostrar seu trabalho. Porém aquela primeira o deixou bem mais à vontade:

---A madrugada

Tomou pela mão

A aurora

Eu vou embora.

Chega de vadiar.

E não me venha você me dizer

Que é cedo.

Que eu tenho medo

Que o sol venha me ofuscar.

Entra Zé Moreno:

---Meus olhos, tão acostumados

Ao turvo da noite,

Não vão suportar o açoite

Dos raios sol.

É hora de pôr a tramela

Na porta da rua.

Porque alua

Se escondeu no arrebol.

---Alô, Marlon! Desce mais duas geladas, pra gente comemorar mais uma parceria.

---Vai abrir outra comanda? Aquela já tá fechada.

---Quê isso, Marlon, daqui pra frente o Zé não paga mais nada. É tudo comigo.

---Toma aqui, Marlon, paga aquela comanda, abre outra e traz uma porção de frango a passarinho... A Célia vai me torrar o saco por causa do almoço do Deividi.

---Um dia só que o menino sair da rotina não vai fazer a locomotiva descarrilar não. Olha só a felicidade dele.

---Logo mais vamos na casa do Gimirim do Cavaco. A harmonia pode até permitir que a gente melhore a melodia. Ou não.

---Tá maneiro. Fechado.

---O Gimirim se amarra nessa levada de samba de terreiro.

---Ele cresceu ouvindo seu pai, Seu Argemiro, cantando e defendendo esse formato, nas quadras ou nas rodas de samba.

IX

As escolas de samba do Rio de Janeiro promoviam festivais de samba de terreiro nas suas quadras ou nos grandes clubes cariocas. Era comum, nas décadas de quarenta e de cinqüenta, muitos desses sambas serem gravados por cantores consagrados pela mídia da época. Seu Argemiro, compositor da Mocidade, teve três de suas obras inseridas nesse contexto. Hoje Gimirim, seu filho único, é a pessoa que o motiva a continuar freqüentando o ambiente do samba.

E o reconhecimento está explicito no semblante e na fala do pai coruja.

---Meu filho é a minha obra prima.

Segundo dona Sidália, mãe de Gimirim, ele foi um autodidata até os dezesseis anos, quando ela apertou o orçamento familiar para custear os estudos do filho numa escola de música. A visão futurística de dona Sidália deu a Gimirim a chance de se especializar na execução do instrumento de sua preferência: o cavaquinho, além de dominar a teoria musical. No seu estúdio construído no fundo do quintal da casa da mamãe ele recebe seus amigos pra ensaiar, para gravar, para compor, para fazer partituras, para fazer arranjos, para fazer produção musical e para bater papo. Sua clientela é fiel e crescente.

X

Quando Poka Fala percebeu que casal de pombinhos apaixonados arrefecera sua volúpia romântica pegou o cavaquinho e ancorou seus acordes ao lado da mesa de Zé Moreno. Aqueles acordes em tom menor remeteram a memória do futuro papai a um samba que ele compusera sozinho, pois o tema sugere subjetivismo. Até a dois dias atrás Zé chamava-o de “samba engasgado”, pois só tinha feito filhas, mas o título é Filho Meu. Agora, depois de saber da gravidez de Lucinha, apostando na vinda de um menino, já pode abandonar o sub título. Notou que os olhos da platéia quase imploravam para que alguém cantasse... Então cantou:

---Filho meu,

Pedaço do meu eu.

É meu desejo que seja você

Ao menos o que eu sou.

Cultive amor no coração,

E, por onde for, erga a cabeça

E firme os pés no chão.

Aproveite bem os ensinamentos

Que a vida nos dá.

Procure ouvir,

Sempre que possível,

O que um velho lhe falar.

Traga nas mãos

Tua raiz.

E Deus, que é muito bom,

Há de fazer você

Um homem bem feliz.

Os efusivos aplausos da galera impressionaram o dono da casa e levaram às lágrimas a futura mamãe.

---Como é teu nome, compadre?

---Zé Moreno.

---Esse samba é teu?

---É.

---Parabéns, Zé... Eu também sou Zé, mas quase ninguém sabe meu nome...

---Obrigado, xará.

---Teu filho já ouviu esse samba?

---Ouviu agora... É a primeira vez que eu canto pra ele.

Zé Moreno aponta para a barriga de Lucinha.

---Esse moleque vai crescer com muito orgulho de seu pai.

---Deus te ouça, amigo...

Após manterem agradável conversa com a rapaziada do lugar que havia se amarrado no samba em homenagem ao seu futuro filho Zé Moreno e Lucinha se despediram, pediram três latinhas da Boa para a vovó de primeira viajem, daqui a alguns meses, e partiram.

XI

E Deus ouviu atentamente e abençoou cada palavra do profeta do Poka Fala...

Deividi nasceu! Tá crescendo, alegrando, honrando e se orgulhando de seus pais...

Alguns pedaços de frango a passarinho foram suficientes para aplacar a fome de Deividi. Só não serviriam de argumento justificável para mitigar a sede de explicação que, certamente, Célia demonstrará, em forma de cobrança, com veemência, ao marido terno e receptivo quando caído em erro, mas virilmente descortês, se injustiçado de braços com a verdade.

Zé Moreno, já prevendo o falatório de Célia resolveu poupar os ouvidos do filho. Ligou para sua casa e comunicou que estava levando o Deividi para casa da mãe. E, assim, fez depois de confirmar com Brandão a ida, à noite, à casa de Gimirim do Cavaco.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 29/11/2013
Reeditado em 25/04/2014
Código do texto: T4592330
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