PANE SECA

PANE SECA

BETO MACHADO

O dia clareava e a rua de Ramon, a principal do bairro, já aumentava consideravelmente o fluxo de carros em direção a auto via que os leva ao centro da cidade. Pura rotina semanal. Mas nessa sexta feira houve um fato adicional aos costumeiros.

Maria Eduarda, a Duda, vizinha do lado, morena para duzentos talheres fez sinal para Ramon, pedindo-lhe uma carona. Se Ramon adivinhasse a enrascada que o aguardava, por ser um cidadão solidário, talvez, procurasse uma desculpa esfarrapada que o colocasse longe do transtorno, prestes a ancorar sobre suas costas.

Duda e Orestes haviam brigado na noite anterior, por conta dos surtos de ciúmes do marido que não admitia as saídas da esposa, sem a prévia comunicação, o que quase sempre resultava em agressões violentas e breves separações.

Ramon estranhou que Duda tivesse portando duas bolsas e uma pequena valise àquela hora da manhã, mas não deu tratos à bola... Só não sabia que, depois de dobrar a primeira esquina, seu carro seria seguido por outro.

Dizem que os cornos sonham com detalhes minuciosos, às vésperas do “consumatum factum est” praticados por suas amadas. Porém, pelo jeito, Orestes não havia nem dormido, muito menos sonhado. Motivos de sobra ele tinha pra não dormir. Os catiripapos que dera em Duda produziram muita raiva nela e muito medo nele.

Ainda estava bem recente o caso do português viúvo que dera guarida, em sua casa, a uma mulher oportunista que seduzira o coração lusitano. Certa noite, depois que o álcool tomou conta das almas dos pombinhos amasiados, o portuga virou notícia por ter dado umas esfregas violentas na parceira eventual. O fogaréu humano, correndo pelo quintal, a pedir socorro, jamais sairá da memória daquela vizinhança.

Ramon deixa Duda e suas tralhas na passarela da Brasil e segue para seu trabalho.

Duda toma uma condução que a levou ao bairro de uma tia sua, já acostumada a lhe receber de braços abertos, com todos os seus problemas.

Orestes, coitado, não teve a mesma sorte. Sua intenção de seguir o carro de Ramon foi interrompida pela falta de combustível no tanque de sua Brasília sete oito que, apesar de cor de vinho, jamais proporcionou-lhe “um porre de felicidade”. Depois de percorrer três quadras seu “carrão” apresentou-lhe a famosa Pane Seca. Mas seca mesmo ficou sua garganta, tantos foram os palavrões gritados e maledicências ditas em alta voz, direcionadas aos céus. Orestes sempre se perguntava: porque a natureza havia lhe reservado tanto azar?... Outra pergunta que não parava de martelar em sua cabeça era: haveria ou não um caso amoroso entre Duda e Ramon?... Essa dúvida o consumia dia após dia. Aquele era o momento perfeito para dar cabo àquela desconfiança. Mas sua Brasília sete oito o deixou na mão.

Ramon observou que o transito estava bem melhor que o de costume. Aproveitou o tempo ganho para tomar um café reforçado no barzinho na rua do seu escritório. O trabalho transcorria a contento até que Clara, sua mulher, liga.

--- Oi, amor, tudo bem?

--- Oi... Tá nada bem. Sabe o Orestes, o vizinho aqui do lado?

--- Sei... Dei uma carona pra mulher dele, hoje de manhã, até a passarela da Brasil. Quê que houve?

--- Ele teve aqui em casa. Me encheu as medidas. Me disse um monte.

--- Um monte de quê, amor?

--- Só falou merda... Não vou atrapalhar o seu trabalho não. Logo mais eu te falo.

--- Porra nenhuma. Ou você fala ou eu vou aí agora mesmo, chamar esse corno às falas. E você sabe como são as minhas falas. O som delas vai longe.

Clara se arrepende de ter contado o acontecido ao marido.

--- Meu Deus!!!... Vou ter que concertar isso... Eu não devia ter te falado...

--- Mas falou. Pela metade mas falou. E pra mim meia palavra basta. Tchau.

O tom de voz de Ramon assustou Clara, ratificando a sua convicção de que tinha de dar um jeito naquela situação. Ela conhecia muito bem o gênio forte do marido e tratou logo de procurar Orestes.

--- Agora sou eu que preciso falar contigo, Orestes.

--- Diga lá.

--- Você tem algum lugar pra passar alguns dias?

--- Qual o motivo da pergunta?

--- Olha, você cometeu um grande equívoco. Mas pode ser reparado.

--- Que equívoco?

--- Orestes, todo homem tem direito de duvidar de sua parceira. Você só não pode chegar ao ponto de se expor ao ridículo de relatar para a mulher de seu possível algoz um suposto caso amoroso entre ele e sua mulher.

--- Você acha que estou mentindo?

--- Não se trata de mentira ou de verdade. Mas de vida ou morte.

--- Fala então porque.

--- Vou ser objetiva. O Ramon ta vindo aqui, furioso e disposto a resolver, a sua moda, o vexame que você o fez passar perante a família.

--- Olha, Clara, fugir eu não vou não, mas eu já tava mesmo de saída.

--- Pois seja rápido... E não se esqueça de abastecer o carro.

Roberto Candido Machado
Enviado por Roberto Candido Machado em 11/12/2013
Reeditado em 22/12/2013
Código do texto: T4608046
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