A loja de vidro

Entre vidros vivo, com outras pessoas, mas não as conheço; presas também entre vidros, como mortos.

Toda manhã levanto-me, tomo meu café quente, preparado por minha mulher; faço a barba, escovo os dentes; estou pronto para trabalhar.

Saindo de casa, dirijo-me ao ponto de ônibus, fico a esperá-lo. O ônibus chega, subo, vejo muitas pessoas bocejando, outras já encostadas no vidro dormindo. O ônibus segue seu caminho. Paro em meu ponto. Desço e entro na loja onde trabalho.

É uma loja comercial, onde se vende vidros; uma loja bem elaborada, com vidros expostos, formando corredores. Temos todo tipo de vidro: transparentes, espesso, fino, em revelo, desenhados, até coloridos. Também fazemos sob medida. É só solicitar.

Os clientes chegam, fazem algumas perguntas sobre; andam entre os vidros, fico a observar, andam, se perdem. Como há um outra saída muita das vezes nem as vejo saírem. As pessoas ficam presas entre eles, mas nada posso fazer, elas não me escutam e também tenho que manter meu posto de atendente, não posso ficar andarilhando pela loja. Mas o que importa, elas se encontram.

A tarde, por volta das quatro e meia. Eu e mais um, vamos limpar os vidros. Ainda bem que a loja é pequena. Eu começo da esquerda até encontrar o outro. Fico observando, através do vidro o que consigo enxergar; vejo coisas estranhas, como vultos das pessoas que estão presentes, procurando o vidro que mais agrada. Vultos que andam, pessoas deformadas, próximas, sujas. Não se ouve nada, por que o vidro vai do teto ao chão. Só vejo imagens de pessoas. Pessoas que não falam, não se expressão, mortas. Nada mais fazem do que se prenderem entre os vidros. Sem saber que estão sendo observadas por alguém, prestando atenção somente no que está a sua frente. São vistas, mas esquecidas; como estátuas, só é lembrada quando se vê.

Ao terminar o dia, volto para casa de ônibus, para descansar para o próximo dia. Deito em meu leito e esqueço tudo o que passou. Na manhã seguinte, volto a minha rotina diária. Dentro daquela loja de vidros.

Dionísio
Enviado por Dionísio em 27/04/2007
Código do texto: T465515