Campari

Ela precisava chorar, mas, por mais que tentasse, o choro não saía. Estava preso, inalcançável, por alguma razão ele, embora tão necessário naquele momento, se recusava a sair. Ela já havia ligado o som, colocado músicas tristes, lido coisas tristes,

pensado, mas tudo em vão. Ela sabia que se conseguisse chorar, talvez doesse menos, essa era sua esperança. Se não conseguisse talvez não suportasse, pois doía muito. Foi então que lhe ocorreu algo: Havia uma garrafa de Campari na geladeira, talvez se tomasse, se se alcoolizasse, talvez finalmente conseguisse chorar. Levantou-se então da cama como estava: só de calcinha e soutien. Foi até a geladeira e serviu-se de um copo de Campari, voltou à cama, concentrou-se para ver se choro viria. Em vão. Apesar da sensação de calor, da leve dormência nos lábios, dos membros mais soltos, o choro não vinha. Talvez não tivesse bebido o suficiente. Foi então novamente à geladeira, serviu-se de outro copo de Campari, foi para o fundo do quintal, sentou-se encostada numa árvore e foi bebendo. Será que após aquele enjôo viria o alívio?

Agora ela sentia uma certa dificuldade para articular pensamentos, ela se esquecia do quanto era docilmente estranha. As mãos suavam. Ela realmente sentia necessidade de chorar. Bebeu então o resto que tinha no copo. E sentiu a potencialização de tudo o que não era, mas que fingia ser, de tudo que a tornava especial e que tanto lhe machucava. Ela entendeu naquele momento, de alguma forma, porque todos a achavam dócil, porque todos viam nela uma grande amiga, lhe confiavam segredos, e sentiu um enorme ódio de si mesma.

Voltou ao quarto, viu-se no espelho seminua, percebeu então que seu corpo era desejável e que tudo era contraditório. Ela, a doce mulher com jeito de menina era ao mesmo tempo tão sensual. Achou confuso e engraçado. Ela não conseguia ainda chorar. Não conseguia sair completamente de si mesma. Talvez fosse o caso de um terceiro copo. Talvez não. Talvez... ela não suportava essa palavra, tão pouco a sensação que esta lhe trazia. Uma sensação... Seria difícil beber sentindo tanto enjôo, mas definitivamente, ela precisava chorar. O álcool bem que poderia fazê-la esquecer-se de tudo que ela estava sentindo e que tanto medo e angústia lhe causavam. Seria justo um alívio momentâneo, mas o que acontecia era o contrário, a potencialização da potencialização. As mãos obedeciam cada vez menos e o choro não saía. Mas estava quase. Ela que sempre chorava por qualquer coisa, por que tanta dificuldade agora?

Olhou para o copo que estava no chão, sentiu mais enjôo, mas precisava ter coragem, pois naquele copo estava sua última esperança, a ajuda para atingir seu objetivo, chegar ao alívio. Respirou fundo, bebeu e no instante seguinte, vomitou. Era fraca para beber. Por que não conseguia chorar? Então toda sua solidão, sua estranheza, tudo aquilo que ela escondia tão bem, mas que sabia que existia, veio á tona. Ela deitou-se no chão sem qualquer dignidade, afinal, naquele momento ela não se sentia uma pessoa digna. E chorou.

Luciana Caroli
Enviado por Luciana Caroli em 07/02/2014
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