CONTOS DE NOVA IORQUE - 5/5 AS PONTES SÃO LOGO ALI

No começo da noite pude sentar no banco da praça com dois amigos do colégio por meia hora, logo depois da aula, você pode até pensar que não há importância nisso, mas foi a primeira vez que senti o vento da liberdade.

- Por que você fez essa cara triste Carlos? – Perguntou a professora ao aluno da segunda fileira.

- A senhora chama o Fernando de Fernandinho.

- O Carlos é bobo assim mesmo professora. – Falei sorrindo.

- Ele foi meu aluno no jardim, na primeira, na quarta, na quinta e agora na sétima série. O Fernandinho é tipo da minha família.

- Mas estou triste.

- Então vou te chamar de Carlinhos, está bom assim? Eu amo vocês todos.

- Assim está. –Disse meu amigo Carlos, todo feliz.

Nessa hora o sinal da escola tocou.

- Então agora todos em fila para a saída. – Disse a professora à turma.

Terminada a aula, eu, Fernando e Carlos seguimos pela rua da escola, eram os anos 70, o Carlos morava longe, mas resolvemos ficar na praça conversando até umas sete e meia da noite. Ao chegarmos à praça sentamos num dos bancos, próximo ao ponto do ônibus.

- A professora de matemática gosta de você. – Disse o agora Carlinhos.

- Foi minha primeira professora, aprendi muito com ela. – Respondeu Fernando

- Hoje não vou trabalhar, tenho um pouco de tempo. – Falei pra eles.

- Você nunca tem tempo depois da aula.

- Sei que sou muito novo, mas preciso trabalhar, mesmo sendo à noite.

- Só temos quatorze anos.

- Eu sei, mas é a vida, pelo menos assim eu cresço mais cedo. Bom, pelo menos isso.

Ficamos ali conversando um pouco, a noite era fresca, bem agradável.

- Minha mãe fez aniversário em abril, dia 06, eu gosto de abril.

- A minha faz agora em maio, domingo, dia das mães.

- Eu não tenho mãe.

- Você nunca nos falou Carlos, estudamos juntos há dois anos.

- É que sinto falta quando falo.

- Ela morreu quando?

- Já faz uns seis anos.

- Você está morando onde Carlinhos? – Perguntou Fernando

- Em Santa Cruz da Serra.

- Que ônibus você pega?

- Xerém.

-Por que não vai no Petrópolis? – Perguntei.

- É mais caro.

- Só um pouco, quase o mesmo preço.

- É mesmo?

- É, mas o ônibus é melhor, monobloco, poltrona, cortina e você vai sentado, tem sempre lugar vazio, o Xerém só passa lotado.

- Mas o Petrópolis demora muito.

- Passa uns quinze minutos depois, mas faz menos paradas, com certeza chega em Santa Cruz quase na mesma hora.

- É mesmo. – Disse Fernando.

- Então passarei a ir no Petrópolis.

- Vamos ao cinema domingo? – Perguntou Fernando.

- Eu vou em Santa Cruz ver “Dio Come Ti Amo”. – Disse Carlinhos.

- Vem pra cá, vai passar “Hércules Chinês” com o Bolo Yeung. – Disse Fernando.

Ele virou para mim:

- Você vai?

- Vou sim, domingo não trabalho.

- Então Carlinhos, vamos?

- Agora moro longe e quero ver “Dio Come Ti Amo”.

- Então vai, você é muito romântico, filmes românticos já eram, o bom agora é filmes de Kung Fu, com Bruce Lee então nem se fala, eu sou capaz de juntar o dinheiro da merenda, passar fome, só para poder assistir.

Paramos de falar e ficamos olhando o movimento da praça.

- Vocês pensam em fazer alguma coisa um dia? Sonham com alguma coisa? Perguntou Fernando.

Carlinhos ficou quieto.

- Você Fernando, qual seu sonho? - Perguntei.

- Em ter uma família, filhos, uma casa, ser normal e feliz. E você Carlinhos?

- Eu tenho medo.

- Medo de que? Perguntei.

- Sou eu e meu pai, se ele morrer não tenho ninguém, o que será de mim? Tenho um sonho quase todas as noites.

- Que sonho? - Perguntou Fernando.

- Sonho como uma estrada, não existe nada, nem prédios, nem barro, nem árvores, só vejo a estrada, só a estrada e uma música triste.

Olhei para eles e falei:

- Eu penso em subir o rio Hudosn, até a ponte do Brooklyn, e ficar a noite toda só olhando.

Eles ficaram me olhando e eu disse:

- Não é o lugar, mas o momento, um momento só meu, sem ninguém, só o momento.

Arnoldo Pimentel