PRESENTE DE ANIVERSÁRIO.

A insônia fez morada em minha cama. Junto com ela, minhas reflexões e meus pensamentos. Tive a oportunidade de poder refletir bastante e procurar dentro dos meus anseios e desejos, algo que pudesse ser presenteado, que ninguém jamais tivesse dado a um alguém.

Fiquei a me perguntar onde eu encontraria alguma coisa original para poder demonstrar o meu carinho e dar algo que ninguém jamais teve. Pensei em escrever uma carta de amor. Mas, cartas de amor necessitam de frases carinhosas, que muitas vezes são tiradas de outra carta de amor, ditas por outro amante ou por um poeta – que em seus delírios e devaneios – exprime sob a luz do luar, o sentimento forte da paixão, conseguindo assim arrebatar o coração da sua amada.

Vi que não seria original.

Pensei em dar, como presente, uma frase. Lembrei-me da frase, porém, muitas vezes o seu significado é substituído por uma pronúncia banal e cai na rotina, fazendo com que ela se transforme em mais uma frase de efeito: "eu amo você!" Mas não gostei porque ela já foi usada milhões de vezes.

Não era essa a frase que eu queria, porque não era original, não tinha sido criada por mim, alguém já havia escrito isso, portanto, não bastava copiá-la, colocando os meus desejos, e sim, eu precisava de algo inédito, que pudesse causar um efeito maior ao que eu sentia naquele momento. Sim, a finalidade de encontrar uma frase de efeito era poder fazer com que ela se tornasse mais forte e que pudesse causar um impacto igual ao sentimento que nela pudesse estar inserido. Pensei então em "... infinito enquanto dure...", que foi tão bem escrito por Vinicius de Morais. Porém, mais uma vez não pude dedicá-la, porque percebi que o poeta já havia presenteado o "infinito" para a garota dos seus sonhos.

Que pena!

Era uma frase perfeita e continha a necessidade de o amor durar para sempre, aprofundando assim, não só a necessidade da paixão e da juventude ou dos corpos unidos, mas também, a eternidade das fases do amor. Amor esse que é transformado em algo mais puro, mais profundo, alcançando a alma de quem o tem. Seria essa a frase mais importante para dedicar, não fosse pelo fato de ser cópia, plágio, pois o poeta apaixonado já havia dedicado a sua amada, o infinito amor de sua vida.

Deu-me vontade de sentar-me, em frente ao telefone, e tentar dizer alguma coisa. O máximo que consegui foi tomar um copo de água, olhando para uma pequena aranha que estava na parede, espreitando uma vítima ou tentando conseguir uma "namorada" e deixar a solidão daquela noite e se agasalhar, falando em sua língua de "aranhêz", frases copiadas e plagiadas de antigas aranhas poetas e demonstrar com isso, em poucas palavras, um sentimento tão grande, tão complexo, que nos domina, nos controla e nos faz ficar tentando copiar os outros, para poder demonstrá-lo a quem queremos tanto.

Tomei a água e voltei para a cama. Deitei-me e voltei-me para os pensamentos, buscando, pelo menos, ser original neles. Lembrei-me de um poema, não sei bem de quem, onde o autor dizia mais ou menos assim: “... porque a lágrima não tem cor?... Se tivesse cor ela teria a cor da saudade..."

Coloquei o lençol em cima dos olhos e nesse momento descobri algo que talvez fosse a resposta para as minhas indagações: é praticamente impossível ser original nas coisas do amor, pois, o único ser que conseguiu ser o precursor de todos aqueles que se doaram nesse sentimento tão belo e bonito, foi alguém que teve a sensibilidade de ver a beleza de um coração batendo mais forte; de ter a delicadeza de saber afagar um rosto molhado pelas lágrimas da saudade; de saber compreender o quanto é importante a palavra dita com sinceridade e com carinho.

E essa pessoa continua inspirando, mesmo depois de tanto tempo, todos aqueles que conseguem descobrir esse sentimento, esse pulsar mais forte. Depois Dele, o máximo que conseguimos, foi imitá-lo.

E, assim, a noite foi passando, com mais algumas levantadas de cama, com mais alguns copos de água; a procura pela aranha, que não estava mais lá – talvez tenha conseguido a tão desejada companhia – e eu vi o dia raiar, tão bonito, tão belo, com aquele clarão peculiar que tanto inspira os poetas e apaixonados.

Da janela do meu quarto, não tive coragem para pensar em um poema que pudesse expressar o que sentia, pois tive medo de copiar versos ditos de uma janela qualquer, de um quarto qualquer, de uma pessoa apaixonada qualquer que, por algum motivo parecido com o meu, passou a noite em claro, pensativa, reflexiva, tentando encontrar um presente original para a sua amada.

Saudei o dia que chegava e pedi proteção a Deus Pai, agradecendo por mais um dia de vida; de ser presenteado com o belíssimo raiar da manhã. Aí sim, eu tive a nítida sensação que não precisei plagiar nada, pois fiquei apenas contemplando aquela beleza nascida, apesar de que, em determinado momento, a dúvida bateu, já que o sol nascia todos os dias, portanto, um dia atrás do outro era plágio. Somado a isso, existem bilhões de sóis pelo universo.

Mas não tentei aprofundar esse questionamento, pois a beleza que se desenhava diante de mim era perfeitamente deslumbrante e, nenhum poeta, por mais inspirado, por mais apaixonado, conseguiria pôr em versos, em poemas, aquilo que os olhos estavam presenciando.

Alegrei-me com isso.

Não precisava me preocupar muito em poder transmitir o que eu sentia, precisava somente pedir para ver o sol nascer, com o pensamento voltado para as coisas boas da vida, porque certamente o coração seria tocado pelo amor, sublime amor.

Então, como prova desse amor, presenteei o meu olhar, junto com a beleza dos primeiros raios de sol, pois, só assim, não poderei ser plagiado, copiado ou imitado nunca.


Obs. Imagem da Web




 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 29/04/2007
Reeditado em 02/02/2012
Código do texto: T468828
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