Estatura mediana

O que um homem não faz por uma mulher... Eu mesmo, era magrinho, magrinho, tinha as pernas fininhas feito um graveto, o joelhão bolotudo, feio que dava dó. Só mesmo minha mãe e aquela doida da Maria Lúcia não achavam, mas também essas duas nem contam. Mãe é mãe, não enxerga os defeitos da gente. E pra Maria Lúcia, a gente se conhecia desde moleque, até pintado de verde eu ficava bonito, não sei o que essa menina vê em mim.

Sei é que entrei pra academia, gastei uma nota, mensalidade, vitamina... e roupa nova, né?, pra embrulhar o produto. Só pra ficar forte que nem os artistas que aparecem na TV. Só porque era assim que a Carol gostava. Ah, a Carol... E adiantou? Adiantou nada. Ganhei 45 de braço, fiquei com as pernas iguais de jogador de futebol, os garotos da rua começaram até a me chamar de Robocop. Mas o pior não foi nem isso.

Se não sei o que a Maria Lúcia vê em mim, falar a verdade, também não sei o que vejo nessa menina, a Carol. É linda, tudo bem, o cabelão comprido, os olhos meio amarelos, meio cinzentos, os dentinhos branquinhos, um sorriso que é uma coisa, mas mal olha pra mim. Falar comigo então, só pra mandar fazer alguma coisa pra ela, dar recado pro fulano, passar no botequim e chamar sicrano, essas coisas. Mas o que eu posso fazer se me derreto que nem bobo é só ela chamar meu nome?

Então naquele dia eu tinha botado a minha melhor beca, nem me mexia direito pra não amarrotar os panos. Engraxei o sapato, cortei o cabelo, fiz a barba bem feitinha, fiquei com o rosto lisinho, lisinho, feito bumbum de nenê. Botei na carteira o dinheiro todo que eu tinha economizado por mais de seis meses. Ô! Seis meses! Sabe lá o que é isso? Seis meses sem ir no Maracanã, sem ir no baile, sem pagar nem uma cerveja pros camaradas, o tempo todo só na aba deles, aturando gozação. Só pagando a academia, as vitaminas e o ônibus pra ir trabalhar todo dia.

Quando saí na rua, os moleques começaram a zombar, apitando com a boca feito sirene de carro da polícia e gritando: Robocop! Robocop! Nem liguei, segui direto na direção da casa onde a Carol morava.

Era Sábado. Eu queria chamar ela pra sair comigo pra dançar, mas não era dançar no clube, não. Era na boate mesmo, que nem os granfinos de novela. Toquei a campainha e fiquei esperando um tempão.

Vinte minutos depois ela veio no portão. Bonita de doer. Os cabelos molhados, escorridos, aquele cheirinho de banho. Podia ter demorado até vinte horas, que ver ela chegar daquele jeito, feito uma princesa de filme de aventura, cheirosinha, pagava o sacrifício de qualquer espera. Ah, pagava!

Aí ela me olhou de cima a baixo e soltou um risinho. Achei estranho. Perguntei que foi que ela tava rindo. Ela riu mais ainda. Depois prendeu o riso e disse assim: “Agora que ocê tá forte que eu tô vendo”. Tá vendo o quê?, eu perguntei, desconfiado. “Tô vendo como ocê é baixinho, Zé. Cruz Credo! Odeio homem baixinho! Vai, fala logo o que ocê quer!”

Olha, não foi de brincadeira, não. Senti minhas orelhas ficando vermelhas que nem brasa. Baixinho, eu? Desde quando? Desde quando que um metro e sessenta e oito é baixinho? Baixinho, o caramba! Estatura mediana, isso sim! Estatura mediana!

Ah, mas ouvir aquilo, justo naquele dia, todo embecado do jeito que eu tava, cheirando a loção, os braços inchados de tanto levantar peso, foi um troço mais forte do que eu podia agüentar. Andei pra trás feito caranguejo, a boca mole com um risinho amarelo que tava ali só pra eu não começar a chorar que nem criança quando leva carão. Fui saindo de fininho. Fiquei com tanta vergonha que não falei nada, nem disse pra ela o que eu queria dizer, que era chamar ela pra ir à boate comigo.

Voltei pra casa de cabeça baixa, me sentindo mais pequeno ainda, com uma danada duma vontade de me enfiar no primeiro buraco que encontrasse, só pra ninguém me ver. Mas antes que eu chegasse em casa, acabou que Maria Lúcia me viu. Ela tava vindo da farmácia, onde tinha ido comprar remédio pra azia da mãe dela. Chegou perto de mim, com os olhos arregalados, e disse assim: “Tá bonito, Zé! Parece até galã de cinema”. É mesmo?, eu perguntei, querendo achar graça e até gostando de ouvir aquilo. “Tá, sim”, ela falou, me olhando todinho, “parece até o Tom Cruse”.