O MANTO DA MORTE, Capítulo I

Capítulo I - Tibúrcio e Afrânio

A funerária estava às moscas. Mau negócio herdara do pai – seu mais recente cliente.

Desde que construíram aquele hospital beneficente, baixou a demanda. As economias estavam se esvaindo. Tivera que dispensar dois funcionários e já cancelara pedidos junto aos fornecedores. O depósito, abarrotado de caixões, agora servia de abrigo a aranhas, escorpiões e ratos.

Era preciso fazer alguma coisa. Mas, o quê? Não tinha idéia. Ninguém morria. Maldito hospital! Até o cemitério se ressentia com onda de revitalização, pois, também, estava às moscas. As mãos de Afrânio, o coveiro, há muito já não cavucava caminhos para o outro mundo.

Fechando as portas de seu negócio macabro, Tibúrcio, o jovem, e recém-empresário, resolveu viajar. Tentaria espairecer as idéias e, ao voltar, injetaria novo ânimo à sua empresa.

Injetar ânimo em uma funerária! Tibúrcio, não resistindo, sorriu. Injetar alma a um negócio que dependia de sua partida, ou seja, quanto mais almas se fossem, mais garantida era a rentabilidade da empresa. Triste, mas não deixava de ser irônico.

Tibúrcio partiu, deixando a cidade sem transporte para o além e Afrânio com a pulga atrás da orelha.

À população, de um modo geral, a viagem de Tibúrcio fora um alívio. As pessoas sentiram-se mais tranqüilas, sem aquela figura lúgubre a lhes cruzar o caminho pela cidade no dia-a-dia... Mas ainda tinham Afrânio!

Afrânio, coveiro por opção, vivia bem, apesar da minguada aposentaria. Homem de poucas palavras, ele passou a morar no cemitério desde que aceitara a incumbência de receber os mortos e acomodá-los em sua última morada.

Ele, de vez em quando, se recordava de primeiro sepultamento que fizera. Cavara, com muito esforço, a cova no dia anterior. Sem prática em esburacar a terra, não conseguiu esquadriar a sepultura corretamente, e ela ficara toda torta. Mas, no dia do sepultamento, ninguém percebeu nada, para alívio dele.

Com o tempo, e a prática freqüente – pois, naquela cidadezinha, era um morre-morre de gente danado – “seu” Afrânio tornou-se vitalício no cargo. Cargo que, nem de longe, alguém pretenderia usurpar-lhe.

Afrânio tinha, como bicho de estimação, um tatupeba. Animal temido na região, pois tinha fama de ser papa-defuntos...

(Fim do Cap.I)