Brincando nos campos dos sonhos

Exultante, o menino sentia-se um gigante, seus cabelos de trigo voavam com a energia das tempestades que enfrentara no passado, todos os ventos lhe tinham respeito, ele sorria satisfeito, sorria aberto, sorria-se incontrolável. Não sorria por si, sorria por estar ali.

Era um campo gramado e plano, vivo, infinito, sem linhas divisórias,

sem metas, sem horas, sem cordas, e sem discórdia. Não havia muros, portas, trincos, não havia escuro, choro, gritos. Não havia nem memória de sofrimento, nada, nadinha mesmo.

Sorria de orelha a orelha sem medo de ofender alguém com um sorriso franco daqueles. Embora estivesse sozinho, a solidão não vinha em seu encalço, não havia nenhuma ameaça, nem as guerras e caçadas deixaram qualquer lembrança, nem sombra, nenhuma.

Não havia trilha ou estrada definida, poderia escolher qualquer sentido sabendo que nunca erraria, acreditava que estava em casa, era assim que se sentia. Era a felicidade em pessoa.

Era forte e invulnerável, mas começou a correr levitando para não acordar o gramado, que dormia até acordado. No começo corria devagar, apreciando o espaço aberto, depois sentiu vontade de acelerar, e correu com a rapidez da luz, depois ainda mais, do próprio tempo. Nada o faria cansar-se e não havia limite de velocidade. Logo estava voando.

Daí lembrou-se da bicicleta que queria tanto, e então estava montado nela, pedalando pela grama, e começou a pensar nas coisas da Terra...

Foi como um anzol que o fisgasse, algo que o puxou de um universo de distancia e o jogou de volta dentro de um corpo físico em menos de um segundo. Foi tão brusco, que o corpo deu um pulo na cama e de deitado, caiu sentado. Olhou para o lado e se contentou porque ninguém tinha acordado.

Recobrou os sentidos, e percebendo a realidade onde estava inserido, sentiu um certo desanimo, com o medo da rotina instituída. Embora ainda fosse uma criança, sentia-se uma criança velha, como tantas outras que conhecera.

Depois, passado o susto de ter caído em si mesmo, pensou com alegria no sonho que tivera a pouco. Pensou que a minutos atrás estava voando no infinito. Passou a lembrar-se dos detalhes daquela viagem, e imaginou-se por lá. Sorriu escondendo-se sob as cobertas, e começou a sonhar de novo, acordado, e nunca mais parou com isto.

E a despeito de que hoje seja um velho, ainda se sente criança, quando os seus olhos vão longe...

Ricardo Selva
Enviado por Ricardo Selva em 04/06/2014
Reeditado em 23/08/2015
Código do texto: T4831610
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