Adeus

I

Acordei esta madrugada, um frio invernal dançando sobre a cidade, levantei-me e abri a janela, observei as poucas luzes acessas lá fora, algumas janelas, e postes de luz em meio a neblina que tentava cegar o mundo. Não pude deixar de lembrar de você, da ultima vez que ouvi sua voz, um inesperado adeus, meu amigo, o mundo se tornou um lugar vazio e insuportável para mim após os dias que seguiram aquela ligação, desde o dia que partiu para onde eu não pude acompanha-lo.

II

A amizade existia há mais de quinze anos, cresceram , estudaram, se formaram, trabalharam juntos e até se casaram com suas esposas quase ao mesmo tempo, com uma diferença de um mês, mesmo assim sendo padrinhos um do outro neste caso. E por anos nunca perderam contato um com o outro, mesmo quando um acabara por se mudar para outro país até seu retorno.

Seus gostos, apesar de quase sempre divergirem, nunca os atrapalhou em nada, as diferenças acrescentavam um ao outro. E todos que os conheciam juravam que aquela amizade estaria presente para além da morte quando a hora chegasse, até que a trágica tarde chegara e a escuridão caísse sobre eles e suas famílias, em golpe frio e cruel de algum destino e descuido.

Paulo saíra a pouco de uma festa com sua Esposa, estava de folga desde o dia anterior, tanto ele quanto ela haviam bebido demais; especialmente naquela tarde caótica, o clima estava nublado, friorento, passara pela cabeça dele que seu amigo Marco gostava daquele tipo de clima. Um cansaço estranho deitara sobre ele, e apesar de saber estar embriagado, quis chegar mais rápido a casa, aproveitar, dormir e aproveitar a noite com sua Esposa, afinal nem sempre podiam pegar folga os dois ao mesmo tempo, Ela, enfermeira, normalmente passava noites e madrugadas de plantão, então deveriam aproveitar o máximo. Acelerara o carro, Ela adormecera a seu lado.

Repentinamente, uma sirene soara desesperadamente, Ele não vira de onde em primeiro momento. O vulto de um caminhão de bombeiros passando, quase raspando a sua esquerda fizera jogar seu carro instintivamente para o outro lado, para sua infelicidade, segundos depois percebera em desespero que perdera o controle do carro, subindo à calçada. Batera de frente, atropelando o que parecia uma mulher, e em mais alguns segundos estava atingindo violentamente a parede de algum edifício qualquer, perdendo a consciência.

Acordara dias depois em uma cama de hospital, não se lembrava bem do que acontecera, vagas lembranças sobre perder o controle do carro após o susto. Logo desesperado gritava por sua esposa, um medico que passava em frente a seu quarto entrara, ele que estava a par de toda a situação o informara que sua esposa não sofrera nada mais que arranhões e um corte na sobrancelha, enquanto ele tivera um agravante em sua cabeça apesar de estar bem naquele momento.

Pouco tempo depois estava em casa. Entretanto voltara para o trabalho apenas uma semana depois, pois havia de dar declarações à justiça por conta do atropelamento de uma pessoa e esta estava em estado crítico de saúde, embora a sua preocupação não o tivesse permitido a delicadeza de sequer pensar no nome da vítima.

III

Assim que voltara ao escritório, notara que Marco não aparecera, no segundo dia lembrou que ele não telefonara para saber de seu estado de saúde, então o próprio Paulo tentara entrar em contato com seu amigo, sem respostas. Então questionara para várias pessoas no escritório o motivo do sumiço do companheiro, todos estranhamente se desviavam da pergunta com um semblante um tanto pesado. Quem por fim respondera, fora uma secretária de seu superior. Chamara Paulo para a sala de reuniões com consentimento de seu chefe, a pedido dela própria, sabia que a reação seria horrível, pois a situação assim era.

Paulo entrara e se sentara no primeiro lugar que vira, ela já o havia informado que a razão da conversa era contar exatamente o que ele desejava saber, entretanto pedir um espaço particular para responder o que imaginava ser uma questão simples o intrigara muito. Ela fora concisa e bem direta: — Você ainda não foi notificado, mas... ela entregara uma notificação judicial para ele, — no acidente, uma pessoa foi atropelada e perdera a vida... E essa pessoa foi à esposa de Marco, ele deixara a empresa... Lera a notificação ali mesmo, então caíra a ficha, ela acabara de perder a vida, e ele enfim fora indiciado por homicídio culposo.

Dias depois, Paulo e Marco se encontraram, pelo que seria a ultima vez, num hiato que duraria por sete anos. Nesta ocasião, não fazia mais que duas horas que Paulo saíra de uma das que seriam muitas audiências judiciais, estava cansado e desanimado, foi que então que ao entrar em uma farmácia viu seu velho amigo. Deram de cara um com o outro, olharam-se, Marco estava acabado, e qualquer um poderia dizer isso a uma grande distancia, seu olhar estava baixo e desanimado.

—Por favor, preciso falar com você Marco, estou tentando a dias, eu sei que... Foi interrompido por ele.

—Você não teve culpa não é, é o que vai me dizer? Me deixe passar.

IV

Sete anos após tudo, Marco se lembrava de seu velho amigo, embora já o tivesse perdoado tanto quanto possível, sentia que nunca mais poderia olhar nos olhos dele, sem lembrar do culpado pela morte de sua esposa e não sentir o ódio brotar em seu coração fechado. Entretanto, em sete anos as lembranças tanto de sua esposa e mesmo de Paulo jamais o deixaram, quase o levando a loucura dia após dia. E secretamente em momentos, desejava que sentisse a mesma dor que ele, embora não se orgulhasse deles.

Numa noite fria e nublada, o telefone tocara, e ele o atendera.

—Olá meu amigo. A voz lhe era familiar.

—Paulo?!? Como encontrou este número. Marco quis desligar o telefone, mas não o fizera.

—Meu amigo, sei que nunca irá me perdoar por completo, ou nem um pouco, mas me deixe falar. A voz dele trepidava, dor e angústia eram perceptíveis. —Faz sete anos que me culpo pela perda de sua Esposa e sua amizade, e um ano que perdi Camila, minha mulher... Estou cansado, apenas precisava ouvir sua voz meu querido irmão, mesmo que seja para descontar sua raiva em palavras contra mim... E por um tempo, silencio na linha telefônica.

—Eu já o perdoei faz anos... Sinto muito por Camila... As lágrimas começaram a escorrer pelos olhos de ambos, e quase já não conseguiam falar mais nada.

—Apenas precisava de seu perdão Marco. Adeus meu amigo.

—Adeus??? Perguntou Marco, mas a ligação fora encerrada por Paulo, sem que obtivesse respostas.

Sete dias após, recebera a notícia, Paulo fora encontrado morto, overdose por drogas medicinais pesadas.

V

Subi ao telhado do prédio decidido, e observo o branco mórbido da neblina. Todos os dias lembro de todos vocês, Helena, Paulo, Camila. Me pergunto, por que só eu fiquei? Esse é um peso que não posso mais suportar sozinho. E num passo, para baixo, logo irei para qualquer lugar, e quem sabe os encontre por lá.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 29/06/2014
Código do texto: T4863071
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