Caranguejada, nunca mais!

A patuscada dos moradores da Rua “C”, dessa vez foi na minha casa. Escolhido para anfitrião do próximo encontro eu comecei a idealizar qual o cardápio que ia oferecer aos convivas. Pensei numa comida diferente da cotidiana e que agradasse a todos. Depois de uma seleção de vários pratos, a escolha recaiu sobre uma caranguejada. Com direito a pirão e tudo mais. Inicialmente essa escolha teve forte relutância de minha esposa, que, não tendo o privilégio de ter nascido à beira mar, alegou não saber como preparar tal iguaria. Mas, depois da argumentação de que eu contrataria uma pessoa que soubesse prepará-la, terminou aceitando. Parti então para os preparativos: desloquei-me até a Feira de Água de Meninos e comprei três dezenas de pequenos bastões, apropriados para quebrar o referido crustáceo. Contatei com Dona Nita, vistosa senhora de cabelos grisalhos e cozinheira de mão cheia, como se diz no jargão popular, e que eu a conhecia desde a minha vida intrauterina. Após consultá-la se sabia cozinhar caranguejos, ela fincou pé e firmou jurisprudência de que sabia. Parti então para a tarefa seguinte: comprar a matéria-prima, os caranguejos. Fui até a cabeceira da ponte do Rio Jacuípe e comprei toda produção do vendedor, que lá estava a vender o produto. Um total de quinze cordas. Providenciados matéria-prima e ingredientes, entreguei-os sob a responsabilidade da Dona Nita, que gastou todo o restante do dia - era um sábado - na tarefa de tratar, temperar, cozinhar os crustáceos e fazer o pirão. Como não possuo dotes culinários evitei dar “pitacos”. Mantive-me, durante todo o dia, longe da cozinha. À noite, na hora da pândega , os convivas foram chegando e ocupando os seus lugares às mesas. Quando todos já haviam chegado e ingerido muitos goles de cerveja, a caranguejada começou a ser servida. Cada mesa recebeu a sua tigela repleta de crustáceos e os bastões para quebra-los. Daí em diante pareceu-me que havia começado uma competição, tal era o bater dos bastões nas carapaças dos crustáceos para quebrá-las. Porém essa fuzarca não durou muito tempo. Do nada a corrida à quebra das carapaças parou. E um burburinho logo tomou conta do ambiente. Como bom observador fui até aos convivas verificar se havia saído algo errado. Surpreso, notei manchas de azeite de dendê nas roupas de grande parte dos participantes da patuscada! Principalmente naqueles que trajavam roupas claras. Ante o ocorrido, faltou-me terra aos pés.

Que vexame!

Pensei.

O clima, até então de confraternização, transformou-se num ambiente de velório. Imediatamente apresentei a todos os convidados, os meus sinceros pedidos de desculpas pela gafe cometida, e mandei recolher toda a caranguejada. Eles, meio frustrados por não terem saboreado os apetitosos crustáceos, foram saindo, um a um, deixando-me o sabor de derrota encravado no peito.

Dona Nita, inquirida sobre a adição do azeite de dendê à caranguejada, respondeu-me, enfaticamente, que ela sempre fez desse modo. Conhecendo-a desde priscas eras, como eu a conhecia, dei o dito pelo não dito. E a tão desejada caranguejada tomou a direção do lixo.

Por consolo ao desastre como anfitrião, restou-me o bafejo da sorte. Porque diante das belas indumentárias manchadas de azeite de dendê, não fui acionado para manda-las à Lavanderia.

Ainda hoje ouço os resmungos da minha esposa, dizendo-me categoricamente: caranguejada, aqui em casa, nunca mais!

Uma pena, porque adoro caranguejo.

Salvador, 27 de junho de 2014.

Valmari Nogueira

Valmari Nogueira
Enviado por Valmari Nogueira em 30/06/2014
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