Avulso

No silêncio da noite selvagem dessa cidade, entre as luzes trôpegas na escuridão implacável, a velocidade a solta, se arvora entre as vidas, entre os carros e a cidade mal sinalizada.

Placas e faróis destroçados, sinalizações em descasos sobreviviam nas esquinas, da irresponsabilidade cultural de todo um corpo, conhecido sobre um conjunto de cidadãos e o Estado. Os mesmos que pedem justiça, quando morrem, quando matam e quando choram por verem o seu ente dilacerado no asfalto, com a fama de um segundo.

Entre as mazelas, contrastes e faltas, um veiculo, um homem no volante segue, sob dosagens altíssimas de ignorância, ouve o seu som e com um dos braços fora da janela acena a um conhecido, põe na boca um cigarro ainda de vicio embebido. A observar atento o painel até que, pelo nada, se obseca da velocidade, que passa na alucinação dos irresponsáveis. E pisa fundo no acelerador... 70, 80,90 e 120 km/hora. Segue para o trabalho ou do trabalho para casa vencendo a corrida ou distancia de sua cabeça, que jamais termina e que jamais se vence.

Enquanto do outro lado da esquina sozinha aquela menina. Cabelo ao vento, meio que amarrotado, aproximadamente oito anos, saia vermelha, sem camisa, descalça, não sabe o que é discernir, o que é mundo, ou o que é valsa. Rir da desgraça, porque é uma ave em graça, mas já ouvia alguém dizer : “ Que quando se atravessa a rua deve-se olhar os dois lados”. Mas o que é criança?!...

Moleca travessa, artista num mundo a descobrir, impávido anjo das emoções mais puras, sua obra tão fantástica como verdadeira, segue sem rumo, saltitante e estradeira. Assim vai atravessando, como se o mundo fosse só dos pássaros. E lá se viu, ela distraída, anjo ou demônio, a meio fio caminhava, caminhava e de repente...corre sem olhar. O vento meio que vulgar aquecia o ar seco e frio, harmonizando-se já com o tempo nublado febril, quando eco dos freios que ainda não saíam dos ouvidos de quem assistia, pareciam fazer o escândalo, que antecedia o fim. Estava lá, no solo nu, último leito em sangue, em dor... Nenhum grito. O Corpo frágil da menina, que partiu repousava em silencio na beira da calçada.

Num vendaval, de ir e vir, os carros seguiam o seu destino, enquanto a vida não parava. Mesmo quando chegava uns chorando, quando chegava outros se desesperando...

O triste quadro fica no asfalto.

A população discutia, brigava e se desentendia. O juiz volante, com as leis exclamantes discorria ao condutor que ao enveredar na velocidade além do permitido assumirá o risco pela morte da menina. Mas ali, mesmo que burocraticamente tudo se resolvesse, era em vão. A menina não iria mais voltar pra casa.

Não adiantava mais chorar. O que restava da consciência mandava agora repensar, mais uma vez, o condutor, as leis e responsabilidade com a velocidade.