Estrela Dalva

Andando na areia da praia e olhando o mar, via a abobóda celeste. Em poucos instantes a escuridão da noite vagaria os desejos.

Pedacinhos de sonhos velejariam nas águas: lugares, continentes derramados pelas ondas.

Logicidade era lenda naquelas partes. A porta de um mundo distante se abriria e a noite morna esperava a dança dos transeuntes.

A leveza se abriria em leque. Encontraria os amigos. Não sorriu. Preferia o desconhecido. Seria um encontro de momento. Desejava que viesse beleza destituida de medo.

Deu um pulo e subiu na calçada, abandonando a escuridão que se tornara o mar. Pequenos barcos pintavam luzes andarilhas na água, levando pessoas lá para o fundo.

Só gostava de peixes vivos, a nadar na água , catando, para decifrar velhos segredos de velhos naufragios.

Lavou os pés na bica e pensou em florestas: árvores altas, folhagem densa e flores. Uma teia de aranha ou outra, bichos e passáros.

Faria ali uma cabana e fugiria da noite caçadora. Teria de encontrar sem lágrimas o caminho certo. Por um instante, já de sandálias, sorria andando na calçada.

Se respondesse o telefone que tocava na esquina iriam certamente lhe dizer:

"Pensei que Estrela Dalva era um nome de mulher..."

Teria então respostas presas na garganta. Se soltasse soariam tais como:

"Será que minha tristeza te trucidaria a curiosidade?" ou:

"Desci do céu agora e não encontro o caminho de volta."

Não atenderia o chamado da cabine telefônica. Preferia omitir sua aparencia de fauno.

As luzes da rua em que morava haviam sido concertadas de há muito. Pequenos lampiões de querosene nos postes, permitiam que a lua e as estrelas viessem com suas vozes de angelicais luzes, saudar os paralalepipedos, brilhantes, já polidos pelos passos.

Passou pela praça onde a crianças jogavam pedrinhas. Elas levantaram a cabeça e olharam sua passagem.

Trocar de roupa, pegar a passagem, a mala, e viajar naquela ave dourada que se banharia de luz com o nascer do sol. O avião, repleto de passageiros o levaria a terra do sem fim, encontrar o desconhecido, numa noite esbelta.

Falando de esbeltez, encontraria esses passos jazzisticos de mulher, numa estranha cidade cercada de colinas.

O perfil da grande montanha ao fundo, guardava no topo um guarda-chuva branco. A neve lá no alto era invisivel aos que andavam lá embaixo. Já da janela do avião, se esquadrinhava o mundo.

Canais de beleza cobrindo a distancia entre o aeroporto, o hotel e a cidade.

Desmanchou a mala e desceu para as cadeiras do alpendre que cercava a piscina.

Pensou bem, melhor seria ir a cidade: (haveria dançarinos naquela bordelada noite?) Ou seria como as outras, sem vivalma para se conversar?

As ruas daquela noite eram tomadas por gente. Risadas domesticavam os calçadões cheios.

Entrou num secular bar que acobertava farras. Nome? "Ópio".

Seus pés românticos criavam asas no tablado das danças.

Antes, não esquecera de guardar o sobretudo e o chapéu. Guardados estavam por um chapeleiro respeitoso, que educadamente lhe entregara uma etiqueta.

Na pista de dança as dançarinas lhe acompanhavam os passos que tamboliravam o ritmo da orquestra.

Dividiu a mesa com uma mulher de saltos altos de verniz. Ela mansamente lhe dirigiu a palavra:

"Dei uma fugida de casa..." Sorriu, a maquiagem brilhando traços perfeitos.

O vestido verde-esmeralda da mulher sem idade, apaziguara os olhos de Estrêla Dalva. O anel de rubi também.

"Iremos dançar novamente em poucos segundos..." Sorriso de lua convidativa. Lá ia êle.

O tablado os unia em música lenta. Ela se soltava num rodopio e voltava a se agarrar em um abraço no apertado dos sonhos.

" Num sorriso de sonambulismo podería-mos patinar na lagoa das luzes. Patinar na água."

Estrêla Dalva riu daquela excentricidade e levou em frente:

"Estamos aqui a flutuar em nuvens de pistas de danças..."

A noite foi longa no quarto do hotel. O amor rendeu-lhes confissões ardentes. Ela deitada, êle a servir-lhe carícias. Descoberta desgustativa sobre o corpo. A lingua trazia o prazer de lambidas bem sentidas. Ela teria de se sentir bem.

Estrela Dalva levantou tarde, já não era manhã. Viu a mulher despida num sono satisfeito. Aonde iria ele e ela após o amor?

O dia agora resplandecia o dialógo.

"Fugi do de sempre..." Dizia ela, sugando o canudinho do suco de laranja.

Filhos, até um neto... teria de voltar. Vez por outra fazia isso. Sumia. Sempre seria as rendas daqueles brocados.

"Casada?"

" Nem posso chamar isso aquele acordo. Ele mora em casa mas, nem me olha."

"Tão bela e tão só. Que tal vires comigo? Podemos rodar o mundo juntos..."

" Hoje não! estou no começo de me embebedar com a liberdade. Além do mais podemos sempre nos encontrar."

A tardinha na praia, andavam descalços na areia. Sumia o sol e as luzes acendiam a cidade.

Mais uma noite estrelada os serviria de capa com aroma de flores. Rosas vermelhas. Ela preferia.

Angela nadjaberg Ceschim Oiticica

FIM

angela nadjaberg ceschim oiticica
Enviado por angela nadjaberg ceschim oiticica em 18/05/2007
Reeditado em 29/11/2008
Código do texto: T491811
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