O Pau-d´água

Não! Não estou falando da árvore popularmente chamada de Gameira, nem da dracena, também chamada de pau-d´água. Falo do Zé Miúdo, que não chegava a ser nanico. Apenas possuía uma estatura um pouquinho abaixo da mediana, razão de seu próprio codinome.

Ele tinha por ocupação o trabalho na lavoura, de onde tirava seu sustento como diarista, na capinagem, ou em outro serviço qualquer.

Sujeito assíduo com a sua labuta, todavia, nos momentos de folga, o que ele mais gostava era uma boa dose de cachaça e, que se diga, das mais baratas; das piores; das indesejáveis.

Quando, em estado sóbrio, o Zé Miúdo se revelava um indivíduo reverente, dócil, pacato e ordeiro, mas, ao ingerir o primeiro gole de cachaça ele entrava em estado de exaltação, de ebulição neurológica, de fúria e desacato. Muitos se divertiam de suas loucuras, menos as criancinhas que o detestavam, pois ele tinha o hábito de olha-las com caretas e de ranger os dentes com barulhoso atrito, o quê causava pavor. Parecia um ser endemoninhado; possesso, mas, enfim, era esta a vida prazerosa que ele levava: bebia até ao estado de inércia, jogado em qualquer canto; em qualquer lugar de qualquer chão. Dia sim, dia não, lá se via o pobre-cão embriagado, esticado na sarjeta, desfalecido. Esta era a rotina de vida que escolhera. Nada mais lhe satisfazia senão ter seus finais de semana assemelhados. O seu maior intuito era receber qualquer dinheiro para poder se embriagar, para se anestesiar, razão pela qual desafiava a todos, e se dizia um beberrão imbatível, e que não tinha medo de ninguém, tampouco da cabra-cega: uma violenta e diabólica brincadeira inventada nos botecos do lugar, onde alguns indivíduos se auto-intitulavam “cabracegueiros da lei” e que tinham por finalidade currar aos mais indomáveis cachaceiros e, na lista deles, lá estava o distinto Zé Miúdo.

A dita cabra-cega era executada da seguinte maneira: alguns cabracegueiros se aproximavam de determinado boteco e lá se postavam em círculo, e ficavam aguardando por suas preciosas vítimas. Quando uma destas aparecia, imediatamente tampavam suas vistas com qualquer trapo, jogavam-na no círculo da desordem e a molestavam com tapas, socos e pontapés. Tudo em meio a urros, risos e zombarias.

Esta maldosa “brincadeira” ganhou tamanha fama que chegou a dar prejuízos aos botequeiros do vilarejo, pois, muitos dos ditos paus-d´água prontamente aderiram ao abstêmio e passaram a viver em sobriedade. Tudo por medo da cabra-cega. Mas o destino de Zé Miúdo estava traçado em outro rumo:

- Lá vem ele – disse um dos justiceiros.

Zé miúdo veio cambaleante e trôpego e prontamente foi jogado no círculo da desordem.

Sua surra foi excessiva, brutal e pecaminosa: ele se debatia em rodopios pendulantes e caiu. Bateu a cabeça no meio-fio e... nunca mais levantou.

Os cabracegueiros fugiram.

Os botecos se fecharam.

O enterro de Zé miúdo foi seguido por uma turba de veteranos e de ex-alcóolatras. Todos se entreolhavam em torno de um silêncio assustador. Nem um sibilo se ouvia.

Sobre a cova de Zé Miúdo foi achado um bilhete anônimo com a segunte mensagem:

“DEIXEI DE BEBER”

Ficou no ar uma inquietante questão quanto ao dúbio sentido do bilhete.

Quem deixou de beber?

Ao lembrar de suas loucas façanhas, ainda há quem diz que Zé Miúdo deixou saudade.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 19/05/2007
Reeditado em 26/05/2007
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