Sufoco nas alturas (do Livro Cassaram ars Ceroulas)CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 24

As coisas em Santa Maria da vitória estão um tanto quanto agitadas. Depois da morte do professor Nogueira e da expulsão do Zeferino do Pinhengo, as atenções voltam - se contra a intervenção do Governo do Estado da Bahia na Prefeitura de Santa Maria da vitória com o afastamento de Areias Junior do seu comando. Houve uma denúncia encabeçada pelo poeta Novais Neto, Dr. Harnoldo Teixeira e o coronel Rosinha que declaram guerra contra Areias Junior. Os desmandos do coronel tomam rumos esdrúxulos neste momento à frente da Prefeitura. Para que se viabilize a sua reeleição ele tomou algumas medidas administrativas que oneram os cofres do município como, por exemplo, dar isenção de impostos por seis meses aos comerciantes e grandes produtores rurais, distribuição de ferramentas agrícolas para os pequenos produtores rurais e os demais cidadãos das produções vicerais. Mandou vir de Salvador um dentista que desdentou uma quantidade enorme de pessoas da zona rural e distribuiu por consequências mais de quatro mil dentaduras, em nome da Prefeitura.

Os salários do funcionalismo estão com atraso de três meses, embora prometesse dar aumento de cem por cento e pagar os atrasados assim que ganhar as eleições, desviando todas as verbas para gastar tudo na sua campanha politica, deixando as finanças da cidade em um caos total. O Zé do Bó e a dona Calú é quem estavam respondendo pela Prefeitura, pois o coronel Areias Junior depois de se lançar de vez, de corpo e alma na campanha usa de todos os meios para não perder, tendo em vista que a oposição neste momento está quase imbatível e, pressentindo uma grande derrota, indubitavelmente está jogando todas as cartadas possíveis para não perder o poder de Santa Maria da Vitória.

Neste momento, sentado à sua escrivaninha, tomando um gole de cachaça, um hábito antigo quando quando se vê encurralado, Areias Junior não consegue divisar saída para recuperar a Prefeitura de Santa Maria da vitória e continuar a desmandar com o erário público, a sua campanha, já que jamais tiraria um centavo do seu rico dinheiro.

Sem rodeios, dona Jandira se aproxima do Areias Junior, hoje seu inimigo declarado, bate nas suas costas, enche o seu copo de cachaça e começa a dar umas chuchadas no ainda esposo.

- Cadê o homem poderoso de Santa Maria?

- Não me enche o saco, cascavel!

- Como não seu deus imponente!

- Estás ai parecido com um mendigo sem nenhuma esmola recebida!

Este governador não é aquele pai de um colega seu do científico?

- É sim!

- Então, você sempre me contava algumas coisas do seu amigo quando estava bêbado, as falcatruas dele e do pai nos cabarés do Pelourinho e, inclusive, o Cacique, seu pai não pagou uma dívida financeira do pai deste teu amigo?

- Lembro-me muito bem de que papai quebrou um galho do pai deste colega que hoje é deputado federal e amigo do governador! Que bom que você me lembrou disso sua jararaca!

- Você se julga um todo poderoso Areias e não passa de um bosta quando precisa colocar as ideias em ordem. Só pensa em maldades e sexo. Não passas de um brutamonte! Um jumento de ceroulas!

- O que você sugere sua urubua ?

- Que você vá até Salvador e fale com o pai deste teu amigo.

-Mas falar o que?

-Peça para ele intermediar a saída do interventor e a sua recondução ao cargo de prefeito já que gostas tanto do poder....

- Mas, falar o quê!!!!

- Cê sabe como chantagear alguém quando quer tirar proveito próprio ou não? Tu és bom em ferrar com os outros, não é Areias! Agora é a sua vez de ser ferrado. Se vire velho gagá safado e ceroulento!

Após este pequeno diálogo amigável com A. Junior, Dona Jandira se retira e deixa o coronel mergulhado em pensamentos profundos em busca de uma solução para a sua enrascada. Até fecha a garrafa de pinga para não passar da medida e não poder pensar com mais calma. Sem mais e nem menos, começa a ensaiar uma fala para conversar com o deputado pai do amigo do curso científico no Colégio Dois de Julho.

- Há, vou pegar pesado no passado deste pai do meu colega e sem sombras de dúvidas ele intercederá por mim. Só que não posso ir até Salvador. Vou perder muito tempo e, perder tempo nesta hora é perder tempo para os abutres que querem o poder a qualquer custo. Há, já tenho uma ideia! Vou passar um telegrama com várias citações e depois no final fazer o meu pedido é claro. Afinal, eles também precisam de votos e uma ameaça de escândalo neste momento poderá ferrar com a candidatura de alguns deles. Vou até dizer que posso chamar alguns conhecidos da imprensa que devem favores ao meu falecido pai e colocar a boca no forno e espalhar cinzas pra tudo que é lado. Há se vou!!!

Areias Junior resolve pedir a um empregado que vá até o telégrafo da Prefeitura para que o Ruy telégrafo passe uma mensagem para o amigo de Salvador. Dona Jandira ouvindo o recado do Coronel para o empregado, retorna do quarto e dá um aparte.

- Tão soberbo e ao mesmo tempo tão sem eficiência, Coronel!

- Como assim? Pergunta.

- Mande um telegrama para o piloto Valentim fretando o mono motor dele e zarpa diretamente para Salvador e fale pessoalmente com este tal amigo seu. O tempo urge!

- Mas, a minha campanha política?

- Sem você na Prefeitura, do jeito que as coisas estão ficando pretas para o seu lado, certamente ficarão elegíacas! Pegue um pouco do seu ouro e vá pessoalmente para Salvador. Este tipo de coisa se resolve pessoalmente.

Areias Junior matuta por alguns segundos e resolve seguir o conselho da dona Jandira, e muda o teor da mensagem. Redige um comunicado chamando o piloto Valentim para imediatamente vir até Santa Maria da vitória em caráter de urgência. Mande que alguém vá até a prefeitura onde há uma sala onde está instalado o rádio telégrafo e Ruy, o operador imediatamente passa o rádio para o Valentim da cidade de Correntina.

Areais Junior arruma uma pequena mala e mande que D’ Luzia também arrume suas roupas pois irão para a capital do Estado.

- Padrinho, eu nunca viajei de avião! Exclama.

- Eu não gosto e não confio neste teco-teco. Quando precisei viajar sempre enchi a cara de vinho e calmante para poder superar o medo. Estes trecos sacodem mais do que jipe no cascalho. É uma loucura menina.

- Mas então padrinho, cê quer que eu voe numa gerigonça desta! Tô morta de medo!!

- Não tem problemas minha florzinha, abraçadinhos lá em cima a gente supera qualquer medo. Depois que eu resolver o problema na capital nós vamos ter uma pequena lua de mel e vou levar você para conhecer os lugares mais lindos de Salvador.

- Verdade padrinho?

- Verdade minha cocada branca, quero te comer lá até me lambuzar todinho. Como tu és gostosa minha chupetinha de açúcar!

Areias Junior descarado como sempre, não tá nem ai com a presença da Dona Jandira que cheia de asco pela atitude dos dois sai ali da sala e vai para seu quarto bufando de ódio contra Areias Junior.

- Esse devasso vai pagar muito caro pelas humilhações que me faz passar neste momento. E vai me pagar caro, há lá isso vai sim, eu juro por tudo o que há de mais sagrado na face da terra! Pensa com voz sussurrada. Até tapa os ouvidos para não ouvir os gemidos de D’Luzia e a voz asquerosa do Areias Junior. A. Junior sabe que daqui a poucos minutos o ronco do teco - teco do Valentim ecoará sobre os céus de Santa Maria da Vitória, e que certamente deixará a população curiosa e em polvorosa quando souberem que o Coronel em breve embarcará com destino a Salvador, capital do Estado da Bahia.

Não demora muito e o barulho do monomotor ecoa sobre a cidade de Santa Maria da Vitória. A pequena aeronave de cor amarelada com listras brancas pousa no campo que fica na região da Sambaíba e de imediato A. Junior pega as suas tralhas de viagem, chama a D’Luzia que também já está pronta para realizar a sua primeira viagem. O perfume que ela usa preenche toda a atmosfera do solar dos Areias. Dona Jandira à margem, observa tudo apenas reclamando, praguejando em pensamentos.

- Que pouca vergonha! Nunca pensei que em toda a minha vida passaria por tamanha humilhação! Deixa estar seu velho babão, um dia tu pagarás caro por tudo isso, e isso eu lá lhe garanto que o preço será muito alto por tudo o que estás fazendo comigo!

Areais Junior nem está ai para o que a sua esposa pensa ou deixa de pensar. Os olhos às vezes verdes, às vezes azuis, às vezes verdes e azuis da D'Luzia, irradiando felicidade por estar viajando para a capital em companhia do padrinho amante e o perfume adorado por ele enchendo a casa, o deixam totalmente anestesiado de tanta felicidade. Inda mais que iria esfregar nas fuças dos amigos de faculdades toda a belezura e faceirice da sua princesa.

- Eles vão ficar babando com a minha doçura. Pensa e sorri de tanta alegria. Nunca se viu o coronel Areias Junior tão jovial! – Eu tô mais forte do que o meu touro reprodutor na fazenda! Resolver abraçar D’Luzia e sai do solar atendendo o chamado do motorista que irá conduzi-lo até o campo de pouso. Fez questão de desfilar no jeep sem a capota, para que todos o vissem, mas com D’Luzia apenas sentada ao lado para não ser tão acintoso. Não podia vacilar antes das eleições.

As pessoas de Santa Maria da Vitória ficam perplexas e sem saberem o real motivo da viagem do Belzebu, como começaram a chamar o Coronel A. Junior. Ao embarcar no monomotor, e, diante do motor acionado, ao ver a hélice girar, e o avião percorrer toda a pista de areia,D’Luzia, ao sentir o solo ficando distante e a trepidação da aeronave, sente medo. Medo não: Um pavor.

- Padim, tô com medo!

- Meu anjo, não precisa ter medo, basta encostar no meu ombro que eu te protejo. Abaixo de Deus, só existe a minha vontade e a minha vontade é de chegar logo na capital.

- Então padim, vou encostar a minha cabeça no seu peito....mas, padim! Seu coração está tão agitado! Pergunta surpresa.

- É que eu não gosto de voar neste treco pequeno, fico apavorado! Responde Areias, confessando o seu medo de avião teco-teco. D’ Luzia apavorada abraça o Coronel como se estivesse para cair do avião. O seu coração juntamente com o do coronel só não barulham mais que o motor do teco-teco.

Lá das alturas, apesar do medo, ambos, grudadinhos como figa de banana, A. Junior e D’ Luzia contemplam as paisagens que parecem ter vidas correndo na mesma velocidade do avião. As estradas vão passando, os rios, as fazendas, as pequenas cidades e lugarejos, as montanhas, as serras, as matas e tudo em uma efemeridade como se fosse uma película de cinema.

Aos poucos o avião começa a sacolejar acima do normal. As trepidações se avolumam como se fossem um jeep cortando as areias dos gerais andando meio de banda. Neste caso o teco-teco sobe e desce como se fosse uma pipa lançada pelo vento. De repente o céu muda de cor e os raios de sol dão lugar a um nevoeiro cor de chumbo e denso. Uma onda de nuvens imbríferas carregadas de relâmpagos coloca o avião em disputa direta com a densidade plúmbea, fazendo o motor roncar a mais do que o normal.

O comandante Valentim procura manter a calma e comunica ao Coronel sobre a real situação meteorológica.

- Coronel, fomos pego por uma tempestade violenta vinda da região de Salvador, e se não conseguir achar uma brecha para sairmos desta tempestade, pode começar a rezar!

- Que ache logo esta brecha Valentim! Grita A. Junior estupefato de medo. Foi aquela maldita Jandira que me aconselhou a fazer esta viagem, aquela jabiraca dos infernos. Grita com raiva. – Não posso morrer agora, não estou preparado para morrer Valentim!

- Claro que tá coronel, responde Valentim sem perder calma.

- Como não Valentim!

- Coronel, desde que nascemos nós já estamos preparados para morrer. Só não sabemos o dia e nem a hora certa.

- Não a minha hora Valentim!

- Calma coronel! Não ficaremos aqui em cima para sempre! De um modo ou de outro vamos descer. Ou caindo ou aterrissando.

Enquanto os raios atingem as asas do avião, A. Junior reza para a Virgem Santa Maria da Vitória e D’Luzia apenas permanece grudada no Coronel.

- Deuzinho do céu, mande esta tempestade embora, quero conhecer Salvador, ver o mar ........

Através do rádio Valentim tenta se comunicar com alguma base em terra mas isto torna se inútil, devido a altura e a quantidade de raios. Olhando para todos os lados na busca de uma brecha, Valentim consegue divisar um ponto meio claro e muda o curso do avião na direção do ponto. E a sorte surge do nada. O ponto luminoso é a brecha de que tanto ele precisa para tentar fugir do perigo e consegue. Começa a diminuir a altura e de repente se ver livre da cortina de nuvens pesadas para sua surpresa descobre que está sobrevoando as proximidades de Feira de Santana e restabelece contato com o aeroporto e recebe autorização para a aterrissagem.

A chuva abaixo das nuvens é muito forte ainda e o comandante Valentim tem sérias dificuldades para proceder a aterrissagem na pista para teco-tecos que estava totalmente alagada e não há tempo para a abortagem do pouso e é quase impossível porque o combustível já está na reserva. O avião ao tocar, a pista pula umas seis vezes meio desgovernado ate deslizar bruscamente no asfalto indo parar em uma cerca de arame!

- Ufa Coronel, foi por pouco! Exclama Valentim desfivelando o cinto e olhando para A. Junior e D’ Luzia.

O coronel continua estático! Não consegue sair da poltrona. O mesmo acontece com a D’ Luzia. Valentim nota que há uma poça de líquido amarelo nos pés do Coronel e nos pés de D’ Luzia.

- Nossa coronel, parece combustível! E que cheiro horrível!

O coronel sai do seu período de torpor.

-É urina mesmo Comandante. Molhei e borrei a minha ceroula. O susto foi muito grande. Por favor não espalhe para ninguém que eu me borrei de medo nas alturas, pede o coronel

-Claro que não Coronel, responde Valentim. Afinal de contas ele sabe que o homem que se borrou todo é especialista em provocar os borrões aos inimigos e jamais se arriscaria por o seu pescoço na reta. Mas lá dentro do seu íntimo estava pensando que, por mais poderoso que os homens sejam, na hora da onça beber água não tem macho e nem machão. Lá nas alturas no meio de uma tormenta, num tem saco roxo e nem preto! O controle escapa pela pelo buraco do traseiro evacuando tudo que está dentro das tripas e algo mais.