Flores imortais

Era o velório do pai. A filha, exausta dos últimos acontecimentos dos quais havia participado ativamente – a tristeza dos últimos dias no hospital, a UTI, a temida notícia a ser assimilada e, pior, transmitida para a mãe e os tios; os cuidados finais, a papelada, o cemitério, esquife, coroas, tantas coisas – pediu ao irmão que fossem dar uma volta. Tomar um café. Esticar as pernas, que o cheiro das flores já lhe sabia insuportável.

Ele acompanhou a irmã em silêncio, aquele silêncio de cumplicidade que prescinde de qualquer outra coisa. E em silêncio tomaram um café. Na volta, porém, ela pediu:

- Vamos continuar a andar um pouco mais? Nem que seja pelo cemitério, preciso esticar as pernas.

Os dois entraram pelo portão principal, ele de cabeça baixa, acompanhando com a respiração o ritmo dos próprios passos. Porém, nem bem começaram a andar pelas alamedas, ela parou.

- Olha, Valter, olha lá!

Ele olhou e não entendeu bem no começo, mas depois de dar uma vista geral percebeu: o cemitério estava totalmente florido. Todas as tumbas possuíam um pequeno canteiro e, em cada um deles, havia um maço de flores, variando em coloração e tipo. O conjunto mostrava-se harmonioso e alegre em sua multicolorida paleta.

- Nunca vi isso – ela disse. – Vamos olhar de perto.

Conforme caminhavam por entre as alamedas, foram percebendo que aquelas flores eram artificiais. Flores de plástico de todas as cores, algumas muito falsas na aparência, mas que forjavam no conjunto uma alegria singela que aquecia o coração.

Pararam defronte a um túmulo que possuía um maço de margaridas já um tanto enegrecidas pela poeira acumulada, por conta das muitas semanas de seca. Ela então se dirigiu à torneira mais próxima, encheu um copo vazio que levava na bolsa e derrubou essa água sobre as pretensas margaridas, que voltaram a apresentar sua alvura característica. Um casal que passava olhou com estranhamento – a moça regava flores de plástico?

Terminada a limpeza ela olhou para o canteiro do lado, onde reinavam falsas hortênsias lilases, e disse:

- Parece contraditório... oferecer flores que não morrem a quem já não vive mais!

O irmão olhou para ela, rompendo seu mutismo:

- Será que não?

Com um levíssimo sorriso, abraçou a irmã pela cintura e foram caminhando, calados, em direção à saída.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo "Flores de plástico não morrem".

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