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UMA MALA POR AMÁ-LA
 
 
 
O dia de finados se foi, mas a chuva fina continua. É uma chuva romântica que deixa penugem nas flores, que dá brilho ao verde da palmeira, que tamborila na sombrinha da moça, que...
Olho para o céu e, num vislumbre de sonho, vejo um raio dourado, que me lembra outro Céu, no nome de uma amiga. Meu pensamento corcoveia, feito potro sem amarras, e vai visitá-la. Ah, meu pensamento!
Neste tempo de coisas céleres, posso navegar no face, penso. Pronto. Na rapidez do segundo, leio a voz distante, com mensagem dourada: Quem tem uma mala de viagem velha para me doar? De imediato, respondo: Eu!
Nossa! Mesmo morando distantes, uma amizade faz milagres. Procuro a mala pretendida, que me levou por tantas aventuras, em viagens de sonhos, amores, e encontro-a num instante. Não posso mandar uma mala vazia, é claro. Preciso enchê-la de sonhos, de risos, de aventuras e preenchê-la de emoções. Coloco um livro de poesia, umas flores secas perfumadas, uma boneca de pano, um galho de alecrim, fotos da minha infância, uma história da vovó e outras coisas que entendo serem importantes.
Agora, é somente despachá-la. Vou ao aeroporto e mando a doação.
No dia seguinte, minha amiga estará de posse do presente: a mala velha cheia de quinquilharias, de lembranças vividas, de sonhos conquistados – e de outros chorados.
Vibro com a peraltice. Volto para casa e ponho-me a arrumar a bagunça causada com a peripécia de arrumar a mala para viajar sozinha.
Passo um pano úmido no armário onde ela estava guardada, arredo uns livros, recoloco a caixa com as fotos e... Meu Deus, meu Deus!
Não, não pode ser, não pode. Procuro adoidada pelos lugares possíveis e impossíveis, arredo móveis – pode ter caído em algum canto – abro a caixa de fotos... nada.
Mas ainda tenho uma solução. Volto ao aeroporto numa velocidade de merecer multa e de correr o risco de acidente, mas chego tarde.
Sento-me no banco mais próximo e choro, soluço alto, e tenho vontade de gritar, mas ainda encontro controle.
Em casa novamente, agora num rodar lento devido ao transtorno das lágrimas, entro no banheiro e grito até não sair mais nenhum som.
Perdi minha amiga, perdi meu sossego, perdi o segredo trancafiado no meu coração.
Na mala doada, doei a ela – a amiga de infância – as fotos da traição minha com seu marido.






 
 
 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 04/11/2014
Reeditado em 04/11/2014
Código do texto: T5022978
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