Confusão na língua

Ele era um sujeito complicado... Parecia ser instável, bipolar; ora estava alegre, ora triste. Fazia o que bem entendia com os seus amigos. Em algumas ocasiões era visto acompanhado, composto, noutras estava só. Às vezes se escondia das pessoas, ficava oculto, noutras aparecia indeterminado no meio da multidão, impossível de ser reconhecido.

O seu amigo mais próximo sempre o fazia companhia, seja nos momentos difíceis, de loucura ou de alegria... Até que certo dia, o sujeito quis uma separação entre eles.

Esse fato abalou consideravelmente a relação dos dois, que nunca se desgrudavam. Predicado ficou chateado e disse para o sujeito que não existia isso de dar uma pausa na relação. Muito exaltado falou que se o sujeito quisesse verdadeiramente ficar só ou afastado por um tempo, que os dois pusessem logo um ponto final na história. Mas antes de terminar, lembrou o sujeito que era ele (o predicado) que fazia os adjetivos, verbos, preposições e demais amigos da língua o acompanharem.

Adjetivo se intrometeu na conversa e também fez um flash back reflexivo, mostrando ao sujeito quantas vezes ele o já tinha ajudado: – Eu que faço você, sujeito, ficar bonito, alegre, feliz. Até para ficar feio, pobre e ser o que és, um ingrato, você precisa de mim. Sem eu e predicado ao seu lado, você é um sujeito simples qualquer e solitário, que não serve para merda alguma.

Advérbio ao ver a confusão ficou estressado (ele nunca tinha ido com a cara do sujeito. Não sabia dizer ao certo por que, mas o analisava de um modo negativo), e falou rispidamente: – Olha sujeito, nunca gostei da forma autoritária que ages. Sei que eventualmente ajo de um modo errado com você e que às vezes tenho intensidade demais, mas dessa vez foi você que se excedeu. Ouça bem o que vou te dizer de modo vagarosamente, so-zi-nho tu não pres-tas pa-ra na-da; nem pa-ra mor-rer, pois até para isso tu precisas da ajuda do verbo! Entristecidamente, advérbio não quis comentar mais nada.

Após o advérbio, verbo, que não tem papas nas línguas, entrou na confusão: – Realmente, sujeito, você, desde que me entendo de gente, só quer mandar nos outros e o tempo todo quer que nós façamos as coisas para você. Quando quer viajar e descansar, lá vou eu verbo entrar em ação e fazer o que desejas. Se quer comer algo, lá vou eu novamente, de forma objetiva, alimentá-lo verbalmente... Para ficar verdadeiramente bonito, ou até mesmo, feio você sempre chama o advérbio e o adjetivo... Resumindo: você sozinho é um ninguém, um sujeito indefinido, vazio, despersonalizado e descaracterizado.

Percebendo a besteira que estava querendo fazer, sujeito pediu desculpas a todos, principalmente a predicado. Confessou que sozinho não era nada, mas com a ajuda de todos seus amigos da língua podia ser tudo o que quisesse.

– Hoje eu estou exageradamente feliz. E tudo isso, graças a vocês: predicado, verbo, advérbio e adjetivo, respectivamente. Juntos, nós fizemos muitas orações e períodos. Agradeço por sempre me ajudarem nas frases de minha vida, seja coordenando tudo ou se subordinando de livre e espontânea vontade... A partir de agora vou ser mais agradecido. Pois sinceramente percebi que só com vocês consigo ser o que eu quiser e jamais hei de me separar do predicado –, finalizou o sujeito.