oblação

Fiéis seguiam às suas casas com a alma sublimada, cheios do corpo e do sangue de Cristo. Saciados de fé. Famílias esperavam a condução, guiavam seus carros, caminhavam. Confirmavam o sermão incisivo que defendia a procriação natural, fim único da união.

Nívea bebia cada palavra. Relembrava cada gota de instante da missa. Guardara mesmo as feições do padre no ápice do sermão. E como estivesse esgotada da adoração e entrega sentia uma sede que sugava o seu ar. A garganta seca exigia a bebida pura, mas sabia que não encontraria viv’alma pelas esquinas.

Por trás da igreja, na praça deserta, a fonte. Desativada há muito, mas naquele domingo jorrava a explosão das cores transparentes, na temperatura do corpo que vicejava se via escorrer. Entre o querer e o medo, Nívea permanecia estática a ponderar. Mas diante de tamanha opulência sua sede apenas aumentava e deixou seu corpo seguir a direção que a água apontava.

E beber apenas não bastava. Queria água por todos os poros. O vestido de cortes comportados denunciava as formas de um corpo obsceno em sua perfeição. A sugestão na transparência do vestido molhado falava aos olhos que percebiam de longe o bico do peito rosado. Ao olhar para cima percebe as formas que guardam a fonte. Músculos bem definidos, pose viril. Agora já não bastava apenas jorrar. Sua vontade era envolver num ósculo o órgão do jorro melodioso. O pudor que revestia seu olhar cedeu lugar à vontade do toque pleno.

Fixou seus olhos na forma. As imagens do seu salvador e do padre alternavam-se. Céus e terra confundiam-se no seu íntimo, mas beber na fonte ainda era o seu desejo. Agarrou-se aos pés do ser e bebeu a última gota da fonte que secava. Era como se nunca tivesse bebido na vida.

A garganta seca arrancava mordidas. Seu vestido era encharcado por seu sangue. A cama guardava Nívea pela madrugada. O polegar e o indicador da mão direita guardavam a marca do Padre-Nosso do terço adormecido.