o homem que se vestiu de balão

O emprego não era dos melhores, mas dava para sustentar a mãe e a irmã, que já estava ficando uma mocinha e a todo momento cobrava uma besteirinha dessas de mulher. Messias saia todos os dias às seis da manhã, caminhava até o serviço e ia reparando nas coisas que apareciam pelas ruas. Às vezes de cabeça baixa, às vezes distraído a ponto de se esquecer por aí. O trabalho consistia em colocar e tirar, duas vezes por dia, uma armação de balões coloridos que enfeitavam a fachada da construtora.

Como ele só desempenhava essa função na entrada, ao meio-dia e no finzinho da tarde, durante todo o expediente ficava no quarto das maquetes esperando alguma ordem. No fim das contas ele era meio um “office boy”. Ficava olhando para as maquetes daqueles apartamentos caros e imaginava suas mulheres naquele luxo. Nada comparável àquele barraco.

Era de confiança. Seus patrões, com o passar do tempo, passaram a fazer-lhe os gostos, a dar uns agrados. Mas Messias não aceitava nada nunca. Trabalhava pra receber o salário! Não precisava de esmola! Um dia, ele que não pedia, começou a colher as sobras dos materiais dos quais eram feitas as maquetes. E começou a construir o apartamento dos sonhos da irmã. Parte por parte, ponto por ponto. Milimetricamente mensurado. Perfeito. Todo dia inseria algo novo no plano. Já plantara os coqueiros à frente do apartamento, já fizera o caminho de pedras, cercado de florezinhas roxas.

E guardou o sonho dos olhos dos patrões. Não por medo de roubarem sua idéia, que julgava não muito boa, mas por medo de que pensassem que o material tivera sido roubado.

Num meio-dia qualquer, a armação de balões se soltou das cordas que a prendia à grade da fachada. Messias saía exatamente nessa hora e impediu que a armação imensa voasse para mais longe. Voltou com ela nas costas, caminhando devagar e pensando como seria bom se pudesse construir com as próprias mãos aquele canto para as pessoas que mais amava. Não queria ter dinheiro para pagar alguém que fizesse. Queria ele mesmo gerar seu lugar. Se cobriu com os balões para fazer sombra. Alguns se soltavam e voavam, outros espocavam ao contato com o asfalto quente.

Os olhos são armadilhas acesas. Vemos exatamente o que sentimos e não adianta muito usar lentes. No mesmo sentido que Messias caminhava, vinha uma moça, pássaro doido, deslumbrada com as cores que Messias carregava nas costas. Imaginou como seria a poesia do momento de espocar todos os balões numa passagem rápida. Cores estourando... Ela passou por cima, em km/h, da poesia viva que era aquele rapaz.