Incenso

A chuva retorcida em ângulos opostos ao vento,

O incenso se queima e desvia seu cheiro lento,

Ventos quentes trazem lembranças de um Carnaval:

Rio de Janeiro, Copacabana, país tropical.

Caminhando pelo calçadão, encontrei uma cigana, parecidíssima com minha tinha recém falecida; Pele branca, lábios finos, olhos arregalados, dedos longos, e cabelos escorridos até os ombros. Estava com um incenso de eucalipto em uma de suas mãos, meio sem jeito, pedi que me vendesse, mas para minha surpresa, ela respondeu:

-Este aqui te darei, mas quero ler suas linhas.

Concordei com a cabeça.

-Então é engraçado, falso moralista, egoísta, ciumento, amoroso e vulgar?

Não respondi.

Ela me entregou o incenso, agradeci e continuei meu caminho...

-Espera! Gritou ela.

Virei-me com meus olhos de leão, e a encarei um pouco irritado.

-Menino, cuidado com os outros, nem todos estão prontos para aceitarem sua conduta e te respeitarem. Há muita fúria em você.

Sorri com os olhos, a ofendi mentalmente chamando-a de gorda e imbecil e dei de costas, continuando meu caminho. Tirei os sapatos, fui entrando na praia, pisando na areia fofa em direção ao mar. Já era quase noite, alguns turistas bêbados, com roupas mal vestidas, deitados, babando, algumas mulheres correndo descalças e três banhistas no mar. Maré alta, meus pés tocando a água gelada, pensamentos fortes, memórias próximas, sensação de abandono e pequenez em frente a mais bela natureza, meu corpo inerte, tentando buscar significado pra vida, tentando glorificar o anonimato, legitimar meus adornos de príncipe, transferir a culpa para o acaso. Pensei de novo em minha tia, acendi o incenso e invoquei os bons espíritos. Eis que tudo fica calmo, atemporal, indivisível, indescritível, solidão boa, meditação involuntária...

-Ou, passa tudo aí, maluco!

- O que? Falei enquanto voltava ao normal.

-Vai caralho, quer morrer?! Passa tudo!

Do céu ao inferno em questão de segundos, lágrimas de saudade e emoção, transformando-se em revolta profunda e arcaica, a calmaria em tumulto. Entreguei tudo para aquele homem; celular, sapatos, carteira, dinheiro, chave, cartão de crédito. Desejando que ele morresse ao sair dali. Voltei apenas com as roupas do corpo e com os restos mortais do incenso, guardado até hoje na minha caixinha de ilusões.

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 19/12/2014
Código do texto: T5075014
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