Krampus - O Verdadeiro Significado do Demônio do Natal

Por anos eu cresci ouvindo minha mãe contando histórias de Krampus, o demônio que acompanhava São Nicolau nas noites de natal. Enquanto o bom velhinho distribua seus presentes, Krampus distribuía surras, broncas e capturava as crianças maldosas em seu saco. Descendente de alemães, do sul da Alemanha, que vieram da região dos Alpes, ela atribuía vários nomes a ele, nomes que espalharam-se pelo mundo – como Petznickel.

As histórias falavam de crianças sendo amarradas com correntes enferrujadas e cordas de sinos que já não tocam. Diversas vezes a tradição mostrava-se forte e no início de dezembro os rapazes vestiam-se de tal criatura e assombravam as vilas como uma forma de brincadeira. A tradição vem desde quando falava-se o antigo dialeto germânico. Provavelmente nórdicos já a tinham. Foi uma tradição que resistiu as tentativas de destruição da igreja católica e acabou sendo incorporada e aquilo que era só uma criatura do Solstício tornou-se um demônio católico (demônios fazem parte do cristianismo, não se vê os mesmos em religiões diferentes, como as antigas religiões nórdicas por exemplo).

Krampus é uma criatura peluda como um animal, metade homem e metade bode. Seus chifres são enormes e seu olhar é doentio. Ao lembrar-me do semblante da criatura me arrepio por completo, tremo minhas pernas. Mesmo nas fantasias aquele olhar, parado, pintado por mãos habilidosas e costurado por mãos tão habilidosas quanto, pareciam fitar e devorar. Antes mesmo da aproximação do homem fantasiado, o coração já acelerava. Era um medo inexplicável. Sabíamos que era uma fantasia, mas o homem por trás do ser era minguado frente a maldade que representava aquela imagem, frente a crueldade que simbolizava aquele ser. Já cresci, não deveria ter esse medo, o tempo passou.

O fato é que me afastei, me afastei daqueles valores que a história tanto pontuava como os valores de uma pessoa realmente de bem. Que pontuavam como o verdadeiro carácter de alguém. Você sabe o que estou falando, não sabe? Humildade, alteridade, espiritualidade (entenda isto como uma boa desenvoltura perante o mundo, sinceridade, humanidade, entenda isso como sorrir ao orgulhoso, amparar o doente, levantar o triste), compaixão. E em verdade tornei-me egoísta, mesquinho, preocupado demais com o material, com quanto eu somei no ano e apesar de somar cada vez mais ainda há a frustração por não ter somado ainda mais.

Se me lembrasse definitivamente dos contos de natal, lembraria que a chance de ver Krampus era gigantesca, mas eu não era uma criança, não mais. Eu era um adulto e como tal eu vestia-me do monstro para perseguir as crianças nas primeiras semanas de dezembro. E lá estava eu, perseguindo.

Em meio a aquele bosque, procurando as crianças que corriam assustadas, gritando, por todos os lados eu vi de longe um companheiro de caçada abaixado. Estava preparado para o bote e ele o deu. Pulou em meio a clareira e soltou um urro, corri até ele urrando em forma de compactuar com os sustos. Para minha surpresa era em mim que ele pulava. Por um momento fitei os olhos e percebi que o que dava-me medo nos olhares antigos era muito ridículo frente a aquela expressão lunática, capaz de mexer cada músculo da face. Aqueles chifres que tomavam corpo ao alto e se mostravam imponentes, aqueles dentes alinhados e risada urrada, os olhos de íris vermelha e penetrante, vidrados, psicopáticos. O corpo com seus pelos densos e a pele oleosa, a respiração pesada e extremamente quente, seu rabo movia-se para os lados e sua pata traseira afundava na terra bem atrás de seu corpo. As patas dianteiras amarrava-me com uma corrente enferrujada. Em questão de segundos eu estava sendo arrastado bosque adentro.

As imagens de um ano terrível passavam em minha mente, cada humilhação que propiciei, cada voz alta, cada ignorância vinham em minha direção. Eu estava tomando uma surra, esta era a verdadeira crueldade daquela criatura. Seus urros arrancavam de mim as piores lágrimas, pois seus urros eram os soluços daqueles que fiz chorar. Seu olhar era terrível, pois era meu olhar avarento sobre todas as coisas que eu não podia ter ou controlar. Seu sumiço era rápido, mas o meu desmaio era duradouro.

Esquecia-me que a prosperidade da árvore não é a de riqueza, mas sim de bondade. De mesa que não falta comida e de casa sempre cheia. Que a guirlanda na porta era um “bem vindo” a todos aqueles que desejassem aproximar, que não tinham nada a comer e que naquela noite andavam ao relento enquanto todos comiam, e não apenas nessa, mas em todas as noites do ano, precisavam de uma mão amiga com um punhado de comida para lhes saciar a fome. Não esta nos presentes abaixo da árvore a essência que tenta rememorar este dia, seja pelo cristianismo, seja pela antiga religião, esta na fraternidade dos atos. Está no cuidado, no amor ao próximo. Está no abraço sincero, seja este comemorando o equinócio ou a data definida para o nascimento da peça fundamental.

Que não seja celebrado um ser além, mas que seja celebrado o próprio homem, o homem que regado de bondade e cheio de amor submete-se a sua própria misericórdia e estende a mão amiga ao próximo e da o maior de todos os presentes, a compaixão. Lhe da o sorriso amigo, quando todos viraram a cara. Lhe da o abraço, quando todos não o deram por qualquer que seja o motivo. Lhe da o ouvido, quando todos se recusaram a escutar.

Desta forma não haverá qualquer demônio para lhe perseguir em qualquer época do ano, pois o demônio que vem ao homem é o próprio homem que abalado por suas ações abre espaço para que sua pior parte o persiga e o atormente e esta tormenta o sufoca e manifesta-se da pior maneira... E o humano que não aprende pela generosidade dos seus atos e corrompe-se, aprenderá com a crueldade que infligiu, pois uma hora lhe será pesado o fardo e seus demônios servirão para lhe da a lição da verdadeira bondade, que sempre virá, de qualquer forma, seja de onde for.