O julgamento

Todos estavam à espera. Alguns ainda estavam dormindo; outros já em fila para ouvirem o veredicto, que seria individual. Nada de importante passaria em brancas nuvens. E, sabendo disso, o Juiz julgaria um por um de forma particular. Coincidência ou não, houve quem encontrasse conhecidos na fila. Foi o caso de Horácio, que não via Victor há muitos anos, mais precisamente, desde a época da escola, quando era ridicularizado por seus atos tidos como libidinosos e anormais. Diante de todo aquele contexto, Victor resolveu cumprimentar sua antiga vítima de bullying. Horácio, sempre diplomático, apertou-lhe a mão e continuou introspectivo. Entretanto, dentro de si havia lembranças muito desagradáveis do passado, das quais não conseguiu se livrar e elas incluíam Victor, que, por sua vez, senti-se vitorioso por ter vivido dentro de padrões estabelecidos por sua sociedade. Dali a pouco, Horácio começou a ouvir risos e sabia de onde vinham. Aquilo o afligia. Mesmo assim, continuou quieto até que chegasse sua vez. E logo ele foi chamado para o julgamento. O Juiz o chamou e disse que todos os seus atos seriam analisados para que seu destino fosse decidido. Foi então que Horácio começou a se apavorar, sem perceber que aquelas sensações eram influências externas e terrenas. E o julgamento teve início. O Juiz falou sobre assuntos constrangedores de sua vida íntima e profissional, trouxe à baila os tais atos considerados anormais pela cultura na qual Horácio vivia, comentou sobre seus sentimentos mais profundos (os belos, como o amor aos seus familiares, amigos, companheiro e profissão e os mais terríveis, como a inveja e a luxúria, que às vezes rondavam aquele velho coração.). Ouvindo tudo aquilo, Horácio se sentia assustado. Sabia que alguns de seus atos poderiam condená-lo e pediu perdão por tudo de errado que fizera. O Juiz ouviu suas súplicas e disse que só Ele era o dono da verdade e que, mesmo diante de alguns atos que fugiam à natureza humana, Ele (o Juiz) conhecia o seu coração (o de Horácio) e por isso ele seria absolvido. Sendo assim Ele indicou a Horácio o lado direito, onde havia uma pequena porta que dava para um lugar melhor. O jovem senhor agradeceu-lhe muito e seguiu em direção a tal porta. Enquanto entrava, ele olhou pra trás e viu que Victor seria julgado em seguida. E Victor não parecia nem um pouco preocupado; pelo contrário. Havia ali um misto de luxúria, ira e soberba nunca antes visto pelo Juiz. Victor acreditava que também podia julgar seus semelhantes e, por isso; por se considerar superior a alguns, acreditava que seria absolvido de todos os seus pecados, sem entender que, para o Juiz, o que realmente valia era o que se tinha no coração e como isso foi transmitido durante a vida. E, vaidoso que era, Victor ouviu seus atos com um sorriso sarcástico no rosto. E aquele sorriso foi sumindo a cada lembrança. Ele ouviu que havia sido opressor durante a adolescência, que havia maltratado animais, que havia agredido sua esposa diversas vezes e cometido adultério muitas outras e, que mesmo assim julgava outras pessoas por agirem diferentemente do que a maioria acreditava ser o certo. O Juiz sabia o que se passava em sua mente e coração, mas, mesmo assim, deu-lhe a chance de se arrepender de suas más ações também. Abandonando qualquer sentimento de humildade, Victor revoltou-se, alegando que o Juiz estava errado em alguns pontos e questionando seu grandioso senso de justiça. Diante daquilo, o Juiz indicou-lhe a porta esquerda e, quando essa se fechou, um dos guardas disse: “A soberba é mesmo o pior dos pecados.” E o Juiz respondeu: “Não existe pecados piores ou melhores; existem apenas pecados e pessoas que, pelo livre arbítrio, deixam que eles as dominem a ponto de se afastarem de sua essência. Ninguém nasce mau; as pessoas se tornam assim por vários aspectos e um deles, o cultural, tem grande influência. Infelizmente, nem sempre esse aspecto é o que aproxima as pessoas de mim.”

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 26/12/2014
Reeditado em 29/12/2014
Código do texto: T5081607
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