O chopinho (dezembro de 2014)

“Eu caso ou compro uma bicicleta?” Ironizava Lucas. Recebera a proposta de trabalho de transferir-se para outro posto, mais alto, em uma sucursal da empresa no nordeste. Seria promovido de recepcionista a gerente de hotel na cidade de Fortaleza, no Ceará. Pequena era a dúvida entre aceitar se transferir do Rio de Janeiro para um posto (e salário) melhor no nordeste.

Mesmo assim, depois de cogitados o aumento de salário e a promoção dentro da hierarquia da empresa, lhe restavam dúvidas. Divagava, “O que vou fazer depois do trabalho se não tiver os dois chopes que tomo todos os dias, com os amigos? E se lá não houver amigos, como aqui? O que será de mim tão longe daqui?” Se assim fosse, a razão pendia para o ficar.

Mas, era solteiro e descompromissado, sem obrigação nenhuma para mulher ou rapaz. A balança pendia, então, para o lado da transferência para um posto de chefia e para a mudança de ares no nordeste. Lucas era livre para abandonar, de um instante para o outro, a segurança de sua cidade natal; indo para um resort distante de casa e também distante de sua família.

“O verão do Rio nem se compara com o verão do nordeste.” Pensou e continuou, “A badalação do Rio de Janeiro já era. Hoje se faz turismo internacional é no Ceará!” Viu-se ao lado de uma grande duna de areia, em frente a um mar pontilhado de pequenas canoas tomadas por turistas, e regozijou-se com a possibilidade de fazer parte de tudo aquilo.

Valeria a pena tal mudança de ares? Talvez trocasse os dois chopinhos diários por uma charmosa caipirinha com muito limão – típica dos ares nordestinos. E os amores? Considerando o fluxo intenso de pessoas fazendo turismo por lá, a possibilidade de namorar era multiplicada por cem. Já nem mais pensava no Rio. Havia feito sua escolha: iria morar no Ceará.

Sorrindo de uma orelha à outra, Lucas foi até a cozinha e trouxe para a sala uma garrafinha gelada de cerveja longneck. Com um limão na mão cortado em quatro partes, enfiou uma das partes dentro do vidro da garrafa e deu uma sacolejada. Depois bebeu metade da bebida de um gole só, enquanto no colo folheava uma revista de viagens de muitas fotos.

Tocou o telefone de casa e Lucas levantou-se para atendê-lo. Para isso, pousou a garrafa de cerveja sobre a revista que estava lendo deixando tudo sobre a mesa – enquanto caminhava para o outro cômodo onde o telefone estava. Atendeu e do outro lado estava Sérgio, colega de trabalho e companheiro diário nos chopes de depois do expediente.

Disse Sérgio, “Você foi promovido! Não param de publicar no facebook a notícia de sua promoção. Dizem que você vai para Pernambuco. Parabéns!” E respondeu-lhe então Lucas, “Sérgio, não é verdade que vou para Pernambuco. Minha promoção está voltada para minha relocação em Fortaleza, capital do Ceará. Parto na semana que vem.”

E Sérgio questionou, “Lógico, você já aceitou a proposta? Parece que tem uma promoção aí no meio... É ou não é?” Disse Lucas, “Irmão, eu estou quase certo de aceitar a proposta. Está faltando apenas dar o ‘sim’ ao chefe. Vão me promover a gerente...” Sérgio reiterou, “Você, de nós, sempre foi o mais aplicado. Merece tudo que está acontecendo de bom com você!”

Lucas sentiu uma ponta de incerteza na voz de Sérgio. Achou que era sinal de que trazia algum ressentimento com o chefe, pois ele também era muito aplicado e nunca havia sido agraciado com uma promoção. Sentiu de Sérgio um pouco de desdém que rapidamente deixou dissipar porque gostava muito do companheiro de birita.

Desligaram o aparelho de telefone e Lucas voltou para a sala, para a revista e para a meia garrafinha de cerveja. Na revista, encontrava muitas fotografias de paraísos turísticos por toda a região nordeste. Havia três páginas dedicadas a Fortaleza, de onde viu mini-jipes amarelos descendo dunas gigantescas de areia. Viu-se lá.

A reportagem trazia também fotos de uma praia coberta por coqueiros, muito bonita, chamada Praia do Futuro. Era o nome dado à praia mas também ao bairro onde ela se localizava. O hotel para o qual Lucas seria transferido ficava de frente para a Praia do Futuro. Quanta alegria! Haveria de encontrar, de frente para o mar, um boteco descente onde tomar o chope de cada dia.

Aí lhe faltariam os amigos, é claro. Lucas não estava acostumado a tomar o chope sozinho. Tomar o chope de cada dia era um ritual carioca ao qual estava acostumado havia muito tempo, desde que começara a trabalhar, finda a adolescência. Ele tinha trinta anos e já trabalhava por uns doze anos no hotel. Começara sua carreira como carregador de malas.

No hotel cearense: em suas folgas, iria tomar muitos chopes nas barracas-restaurante da Praia do Futuro. Um problema contornável seria encontrar amigo que lhe fizesse companhia. Não era uma pessoa problemática para fazer amigos. Logo, logo, encontrava algum rapaz de sua idade que quisesse bater um bom papo, debruçado sobre um chope, depois de um dia de trabalho.

Outra vez o telefone tocou e Lucas foi atender. O número que aparecia no localizador de chamadas era de seu amigo Fúlvio. Na certa, a notícia da promoção e da transferência para o nordeste havia se espalhado aos quatro ventos. Era mais um para parabeniza-lo, mas Lucas não quis atender. Provável era que o amigo também nutrisse algum dissabor por seu sucesso.

Era um sábado na vida de um homem. Era um dia de folga. De descanso. O rapaz tirava folga geralmente uma vez por semana: este dia significava o dia de descanso semanal para Lucas; um dia para voltar-se para si, cuidar de si mesmo, e tomar sua longneck sozinho no apartamento. Nada de chope aquele dia e então, consequentemente, toda comemoração ficava para a semana.

Descobriu na revista que em Fortaleza havia ciclofaixas e bicicletas compartilhadas que funcionavam voltadas para o lazer todos os domingos. Puxou um bloco de anotações que pendia da mesa, pendurado, e escreveu: “Lazer com bicicletas, todos os domingos. Disponibilidade para trafegar pela orla da cidade.”

E continuou escrevendo, no bloquinho: “Publicar no facebook que estou mudando de residência ainda este mês. Acrescentar na publicação o seguinte anúncio: ‘Procura-se em Fortaleza amigos do peito que estejam livres para tomar um chope na praia depois do trabalho.’” Escrito isto, foi à cozinha e pegou outra longneck, inserindo um quarto de um limão. Bebeu com alegria.