Elevador - 1ª Parte

- Eu poderia ter ficado em casa bebericando um bom vinho. Largada, relax, com algumas azeitonas. Poderia ter me inscrito naquela oficina de teatro, só três dias. Por quê não? Seria interessante. Ou quem sabe aquelas aulas de canto? Estou sempre solfejando alguma coisa! Preciso de vida, sabe? Ou talvez aquele protesto contra a castração mental que eles praticam nas escolas. Deus do céu! Vocês sabem do que estou falando, não é mesmo? Isso é revoltante, sério. Este sistema de ensino é completamente ultrapassado. Um negócio bruto, chato, massante, inútil: um maquinário super oxidado e altamente tóxico. Nossas crianças estão sendo moldadas perante a imagem e semelhança de tudo o que já existiu, cópias e cópias incumbidas de manter as veredas de um mundo opaco em prol do santo holocausto, o doloso mais do mesmo. Um negócio horrível, horrível. E ninguém faz nada! Absolutamente NADA!

- Olha, querida. Qualquer coisa teria sido infinitamente melhor do que ficar preso num elevador. Ainda mais sendo obrigado a aturar lamúrias do tipo. Isso eu te garanto. Escute, controle-se um pouquinho, tá legal? Nascemos num mundo que funciona assim e nada poderá muda-lo. Adeque-se ou morra. Quem disse isso mesmo? Darwin, né? Pois bem, creio piamente.. Portanto, sossegue esse facho pelo amor do bom Deus!

- Tá bom, Sr. Cabelo Penteado. É muito fácil relaxar quando se trata de um homem decente, né? Você não me engana, conheço seu tipo. Sua máscara cairá tão brusca quanto um asteroide!

Ele fita o espelho, respira fundo, ajeita o terno e retorna.

- Sabe o que nos difere? Eu estava construindo uma vida, dando duro enquanto você provavelmente comia maconha no campus de uma universidade bancada pelos pais. Você culpa o mundo pelas suas frustrações, isso é ridículo. Se continuar assim, jamais poderá conquistar qualquer coisa além de fracasso.

- Como é!? Olha aqui...

- Pessoal! Essa discussão é pura perca de tempo. Logo estaremos livres e vocês poderão fazer tricô, estudar finanças, anarquismo... Tenham paciência, tá bem!? Creio que os bombeiros já estejam a caminho.

Breve pausa. Todos fingem olhar o celular, alisam o cabelo, nervosos.

- Havia mais respeito antigamente. Os jovens respeitavam os mais velhos, os homens eram polidos e as mulheres se davam ao valor. Não havia essa maluquice de anarquismo, feminismo, ativismo... Rivotril? O mundo era mais simples, não havia tantos "ismos". Éramos felizes.

- E tudo isso pra que, vovó? Envelhecer como um saco de pão e ficar sentada a tarde inteira babando em fotos de quando era mais jovem? Faça-me o favor!

- Uns gênios, isso que vocês são. Uns gênios. Indivíduos de maior caráter.

- Segure a onda, Cabelo Seboso. Melhor ficar quieto.

- É mesmo? Coitada... Como se exercesse algum poder sob mim.

- Sabe o que exerce poder sob ti? D-I-N-H-E-I-R-O.

- Dinheiro?

- Isso aí, dinheiro! Aposto que neste exato momento, você está matutando alguma forma de obter mais e mais verdinhas. Pobrezinho, há algo indexado sobre isso, você está sendo escravizado. Não acredita, mas está.

- Sério? Teu ônibus lembra bastante um navio negreiro! Talvez sejamos dois escravos, concorda? Espere um pouquinho... Não recordo a última vez em que desfrutei do incrível transporte público. Que coisa, não? Sem mencionar o fato de que meu automóvel corresponde ao valor de incontáveis salários mínimos... Desculpe, querida. Teu recalque bate na minha cobertura e volta. Ao subúrbio.

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cristiano rufino
Enviado por cristiano rufino em 25/01/2015
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