O Visitador de Velório

Dada a hora de se arrumar para o trabalho, ele fazia tudo que devia com certa agilidade, o que o deixava com uma sobra de tempo considerável. Saía de casa com quase uma hora de antecedência e seu emprego nem era tão longe. Subia no ônibus e em questão de dez minutos já descia, todavia não era no ponto que o levaria até a empresa. O destino era outro. Caminhava naturalmente até um recinto onde muitas pessoas se reuniam ao redor de outra, o detalhe é que essa outra já estava morta. O homem andava pelo lugar, dirigia-se até o caixão para ver o falecido, o qual ele nunca tinha visto nem conhecia. Observava o drama, a aflição da família e a tristeza de amigos, fazia tudo isso com naturalidade. Depois de uns vinte minutos saía daquele lugar e ia direto ao trabalho. E assim era todo dia. Sempre havia pessoas mortas, sempre havia velórios e ele estava ali. Sua frequência passou a ser notada e comentada: o visitador de velórios. Soube-se que na sua família não havia mortes há vinte anos, tinha pais e avós vivos e o último parente que faleceu foi no tempo em que ele nem era nascido. O visitador de velório tinha boa saúde, tinha bastante vida! Mas para que frequentar tanto velório? - perguntava-se pelas ruas próximas ao cemitério. Ele não respondia. Entrava mudo e saía calado dos velórios. E quando ele morrer? Alguém irá em seu velório?

Num outro dia qualquer o homem seguiu o mesmo ritual, mas ao chegar no cemitério teve uma ideia. Entrou no velório municipal mas não se deteve em nenhum funeral específico, andou pelo lugar até achar o que queria. Chamou um funcionário do lugar para lhe ajudar e logo o dispensou. E ali estava ele no espaço de velório número onze. Enquanto isso nos outros funerais as pessoas começaram a notar a ausência do visitador de velório. Onde está? Será que desistiu? Será que morreu? - sugeriu alguém que teve a ideia de procurar em cada espaço de funeral do velório municipal, até encontrar um caixão e o nome de um falecido, foi verificar e se deparou com o visitador de velório. O visitador percebeu que alguém tinha ido até seu caixão, mas logo saiu e depois disso ninguém mais apareceu, ninguém mais foi visitá-lo. Desistiu de toda aquela estranheza que ele mesmo se submeteu e ao levantar viu que uma pessoa estava ali, sozinha, e que por sinal nem se assustou com o fato de uma pessoa supostamente morta ter levantado do caixão. Ele saiu do caixão e foi até essa pessoa para falar quem era ela quando de repente tudo escureceu e de repente ele estava em seu quarto deitado. Ficou admirado com a realidade do sonho que tivera. Levantou-se e se arrumou. Tudo era tão automático que nem pensava no que fazia e naquele dia chegou a cogitar não ia a nenhum velório, mas quando viu já estava de frente ao lugar. Entrou e viu tudo vazio. Procurou pessoas para conversar todavia não encontrou. Andou por todas os espaços de funeral e quando chegou no último encontrou um caixão vazio. Seu sonho parecia estar se repetindo, beliscou-se e era bem real, tão real que ele começou a se sentir mal, sentiu extremo cansaço e resolveu deitar no caixão que ali estava, a sensação de mal estar piorou até que ele finalmente faleceu. Seu corpo ficou ali por algumas horas até que responsável pelo cemitério apareceu, percebeu um corpo ali já morto, levou o caixão com ajuda dos coveiros até um jazigo e o sepultou ali. Sem visitas, sem lágrimas, sem honras.

05/02/2015

Miguel Rodrigues
Enviado por Miguel Rodrigues em 05/02/2015
Reeditado em 05/02/2015
Código do texto: T5126960
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