686-PORTA RETRATOSDE BAMBU-Biografia de Pedro Gobbo

Pelo que me lembro, nunca houve ano de vacas gordas na casa de meu pai. Aos anos de vacas magras sucediam-se anos de vacas magérrimas e o que papai conseguia no seu trabalho de marceneiro, entalhador e algumas vezes, de carpinteiro, era o suficiente apenas para a subsistência. Como se dizia, o que recebia “ia da mão prá boca”.

Nos anos do final da Segunda Guerra Mundial a vida foi difícil para todo mundo, havia racionamento de certas mercadorias e só se gastava com o essencial. A procura de móveis caiu muito, só apareciam reformas e serviços pequenos.

Meu pai não descansava. Se não tinha trabalho na oficina do fundo do quintal, ia para a horta, onde produzia verduras, legumes, tomates, que eram vendidos na porta de casa aos vizinhos. Mas, houve tempo que ainda sobrava tempo.

Papai tinha imaginação de artista. Observando os bambus na chácara de tio Alpineu, ficou pensando numa forma de utilizar bambu para fazer móveis ou objetos de utilidade.

— Alpineu, posso cortar alguns bambus daquela touceira além da olaria?

Tio Alpineu foi com papai e cortaram uns dois ou três bambus. Eram de uma espécie gigante, amarelos e com duas riscas verdes, que por si só já eram de uma beleza notável. Conhecido como bambu chinês, por sua coloração amarela com estrias verdes, bem que poderia se chamar bambu brasileiro.

Na oficina, papai cortou os gomos dos bambus em diversos tamanhos, e os colocou sobre a bancada de trabalho. Lembro-me que até então, não tinha idéia do que poderia ser feito com aqueles pedaços redondos e lisos.

— Olha só, são tão brilhantes. Parece que têm um verniz natural.

Parecia brincar com os pedaços de bambu. De repente, a idéia piscou:

— Já sei! Vou fazer um porta-retrato.

Imediatamente passou ao trabalho. Usando serras, formões, tachas e colas, foi montando um objeto como havia imaginado. Cortou os gomos redondos na altura de 20 centímetros, e neles abriu caneletas, colou-os numa base de madeira de vinte centímetros de comprimento por dez de largura. Os gomos foram colados com as caneletas para a parte interna, distantes 10 centímetros um do outro. Cortou dois pedaços de vidro de tamanho cartão postal (10 x 15 cm.) e os inseriu entre as caneletas. Vasculhando revistas velhas, cortou uma foto de uma bela artista de teatro e colocou a foto entre os dois vidros.

— Pronto!

Exibiu com orgulho o primeiro porta-retratos que fizera com bambus.

Depois, foi acrescentando outros pequenos pedaços de bambu o lado dos dois que suportavam os vidros, embelezando sua criação.

Era um objeto de arte e de utilidade, ao mesmo tempo. Como o material era barato — apenas os dois pedaços de vidro teriam de ser comprados — o custo era pequeno e papai se contentava com pouco lucro. Vendeu muito.

Papai ia todos os domingos na chácara de tio Alpineu para tirar os bambus da touceira. Um dos outros tios (que se reuniam nas tardes de domingo na chácara) sugeriu que os bambus fossem pagos por papai. Mas Tio Alpineu retrucou, com a calma que lhe era habitual:

— Pagar prá que? Aquele bambual é uma praga. Pedro tá me fazendo um favor. Por mim pode acabar com o bambual fazendo seus porta-retratos.

Mas antes que o bambual fosse sequer ameaçado de extinção, os pedidos de móveis foram aparecendo e papai colocou de lado o artesanato para dedicar-se ao seu ganha-pão: fazer móveis com madeiras de lei e enfeitados com frontões entalhados, a sua marca inconfundível e inimitável.

Pois, quando lidava com madeira, era, mais do que um marceneiro, um verdadeiro artista.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 14 de outubro de 2011

Conto # 686 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 06/03/2015
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