A Jornada
Capítulo 1
O abismo
Tive um sonho. Nesse sonho eu estava em um lugar bem diferente de locais onde
estive, e até mesmo cheguei a ver na TV e/ou fotografias.
Estava meio escuro, mas, logo à minha frente brilhava uma intensa luz.
Automaticamente caminhei em direção à luz. Mas, estranhamente, quanto mais eu
ia em direção a ela, ela se distanciava.
De repente... Um vento gelado tomou conta de meu corpo. Estremeci!
Quis por um instante parar. Talvez tentar refletir, mas, um bramido me impediu.
Não sei o que era pior: estar ali, naquele lugar; ou não saber onde estava e o que
fazer, e, até mesmo, o que estaria por vir.
Respirei fundo. O bramido foi sumindo aos poucos. Meu coração estava para
saltar pela boca.
Eu continuava caminhando. O silêncio tomou conta. "Ufa!" - pensei comigo - "Esse
pesadelo, ou, seja lá o que for, termina a..." - Antes que eu pudesse terminar de
pronunciar a última palavra, senti como se o chão que me sustentava tivesse
desaparecido.
Enquanto caí naquele abismo escuro sem fim, eu balançava os braços e as
pernas como um louco. Mais uma vez meu coração quase saiu pela boca.
Não houve mais queda. Mas também eu não senti o chão. O que deu para
perceber, é que eu estava em um oceano de trevas.
Fechei os olhos. Comecei a chorar. Fiquei assim por alguns minutos.
A sensação naquele momento era muito estranha, pois, eu não sabia nem o
porquê de estar ali. Era simplesmente perturbador.
O silêncio estava me corroendo. Não tinha para onde ir. Nem tão pouco alguém
para conversar.
Senti meus sentidos bagunçarem. Já não sabia de mais nada. Permaneci de olhos
fechados.
Uma luz forte incandesceu meu rosto. Abri os olhos, e vi aquela forte luz se
dissipar entre a treva. Logo, notei que havia uma casa, como se uma cabana, não
tão distante de mim.
Enfim toquei o chão. Senti-me aliviado.
O sol estava radiante. Aquele campo era lindo.
Pus-me a caminhar em direção à cabana.
Depois de alguns minutos caminhando, notei que havia ali duas pessoas. Havia
uma mulher de pele morena, cabelos encaracolados; e uma criança do mesmo
tom de pele. Mas, porém seu cabelo era liso e comprido. Parei ali mesmo!
Coloquei-me a observar o que ambas faziam. Elas estavam plantando, regando e
cultivando flores.
Quando, por descuido, olhei para a minha direita, pude ver um homem que se
aproximava daquela cabana. Ele estava um pouco sujo, suado; aparentemente
muito cansado.
Ao vê-lo, aquela garotinha saiu correndo ao seu encontro. Sem levar em
consideração o cansaço, a roupa suja, ela o abraçou forte.
Em seguida, ele aproximou-se daquela linda mulher, beijou-a. Enquanto estes se
dirigiam até a casa, pude perceber que ele carregava um saco nas mãos. Entendi
que aquilo era o sustento da família, quando ele entregara à sua mulher.
Continuei observando aquela situação.
Logo o tempo começou a fechar. O céu escureceu, e um relâmpago riscou o céu
de norte a sul.
Veio uma forte chuva. O vento soprava ameaçando as pobres criaturas que
estavam ali no campo, correndo de um lado para o outro, procurando um abrigo.
Um homem correu até a porta daquela cabana, e pediu por abrigo. Aquela família,
sem hesitar, o abrigou.
O viajante explicou que viera de muito longe, e estava indo visitar parentes. E
começaram a contar histórias.
Após tomar a refeição, ambos foram dormir. Eu me senti cansado. Logo, adormeci
ali mesmo.
Acordei ao ouvir o galo cantar.
Já não sabia mais se aquilo era um sonho ou realidade. Mas, eu estava ali, por
algum motivo desconhecido.
O viajante agradeceu pela hospitalidade daquela família, e foi embora. O homem
tomou seus instrumentos de trabalho, e seguiu em busca do sustento de sua
família.
Enquanto ambos exerciam suas tarefas diárias, vi uma nuvem, como de
tempestade vindo do leste. Eu estava certo!
Sobreveio àquela casa uma grande tempestade. A cabana não resistiu. A mulher
e a criança se refugiaram dentro da casa, mas, acabaram morrendo.
Fiquei em choque. Não podia fazer nada. Pude ouvir o grito da criança.
Ajoelhei-me, e comecei a chorar. Fui até as ruínas. Ambos os corpos estavam
cobertos pelos destroços; mas apenas o braço daquela mulher podia ser visto.
Naquele instante aquele trabalhador que saía do trabalho trazendo o sustento da
família, voltava cansado do trabalho pesado, imaginando que receberia o abraço
apertado e prazeroso que sua filha sempre dava quando este voltava do trabalho.
E, de longe, ao ver que sua casa estava em ruínas, soltou o saco no chão, e
correu de encontro do que restou de sua casa.
Desesperado, e em lágrimas, pôs-se a procurar por sua família. Ao encontrar os
corpos, gritou desesperadamente. Chorei mais ainda.
E veio a noite.
Após enterrar sua família ali mesmo; cansado e exausto, ele dormiu sob o túmulo.
Seus olhos estavam tão inchados, que parecia ter brigado, e ele, levado a pior.
Ao amanhecer, pegou o que pode, visitou pela última vez o túmulo de sua família,
e partiu. Partiu talvez sem rumo, e, ou direção.
Enquanto ia de encontro a seu "incerto" destino, deu-lhe uma crise de choro. Caiu
de joelhos, e erguendo sua cabeça, como quem encarava o céu, e gritou.
Logo, o silêncio se manifestou como se estivesse lhe dando uma lição. Ele se
reergueu, limpou sua calça, e seguiu.
Novamente começou a chover. Como ele ainda estava longe de qualquer
vizinhança, procurou um lugar para se refugiar da chuva.
Havia uma grande árvore na qual, ele se refugiou. Cansado, adormeceu.
Enquanto dormia, vi no horizonte, não muito distante, quatro homens se
aproximarem. Como ele estava dormindo debaixo de uma árvore que se
encontrava perto da estrada, logo aqueles dois homens puderam vê-lo.
Pude então ver a intenção nos olhos de ambos. Tentei acordá-lo. Gritei por ele o
quanto pude, mas, nada acontecia. Ele não podia me ouvir, nem ser tocado por
mim.
Então, aqueles dois homens, não se contentando de apenas roubar aquilo que lhe
restara, o surraram. Eu queria fazer algo, mas, nada podia fazer a não ser ficar
olhando e se remoendo por não poder ajudar.
Ele começou a chorar. A única coisa que lhe restara, fora a foto de sua família,
que estava no bolso de sua blusa. Aliás, não lhe roubaram suas roupas; apenas
apanharam dele o saco que continha comida e alguns pares de roupa (depois o
surraram).
Vi a desesperança tomar conta daquele homem. A dor da perda se multiplicara
com a dor.
Por conta da surra que levara, mal conseguia se levantar. Suas roupas haviam se
rasgado por conta da peleja. Ele estava mal.
Sentia muita dor no corpo. Sua boca estava suja de sangue. Permaneceu ali até o
dia raiar.
Ainda sentindo dores, se levantou, e seguiu rumo a uma jornada, que talvez, não
terá fim. Mas, dessa vez, seguiu como se já não soubesse mais quem era.
Homem sem esperança.
Ao crepúsculo do dia, pode avistar uma casa a alguns quilômetros. Sem pensar
duas vezes, se dirigiu até lá.
"Toc, toc".
Saiu um homem um pouco mais alto que ele. E ao vê-lo ali parado em sua porta,
não fora nada amistoso.
- O que você quer?
- Venho de longe, não tenho onde...
- Não posso hospedá-lo aqui em minha casa. Posso apenas lhe dar um pouco de
comida e água para que não morra de fome. - Disse o homem sem deixá-lo
terminar de dizer a última palavra.
Ele agradeceu, pegou a comida e a água, e se afastou dali. Ele não sabia como
estava sua aparência, mas, ainda sim, fora uma injustiça.
Sentado embaixo de uma árvore, ainda podia ver aquela família tomando refeição,
do mesmo modo que ele costumava fazer com sua família. Aquilo doía, e eu podia
ver o sofrimento que o assolava.
Lágrimas caíam sobre sua comida. Sua água já estava misturada com lágrimas,
mas ele não ligava; nada mais importava.
A solidão e a dor tornaram mais uma vez sua companheira naquela noite. E
percebi então, que a cada dia, lágrimas viriam molhar seu rosto que envelhecia a
cada dia que passava.