O COLORIDO DAS VOZES

Manjul Radesh era capaz de dizer a cor do cabelo de qualquer pessoa sem utilizar a visão. Ouvia o examinado e sentenciava a coloração capilar e até mesmo a calvície que ocasionalmente a sucedera.

Vieram portando gravações das mais estranhas vozes: ensaios do teatro amador, conversa de bêbado em botequim, preleções desconhecidas, e ele, ouvido afiado, mesmo havendo falseio vocal do examinado, identificava a cor do cabelo de quem quer que fosse. Acertava, inclusive, as colorações artificiais.

Suas qualidades não eram explicadas satisfatoriamente. No entanto, havia uma teoria que ganhou vulto. A fala possuía traços informadores da melanina capilar.

"Não é bem assim" - diziam os místicos, tentando explicar o fenômeno através dos registros vibratórias do som e da luz.

Situada em uma terceira corrente, adepta a uma exitosa casualidade, outros redarguiam ser impossível através da teoria das ideias, da variação linguística ou das instruções genéticas, obter-se uma relação precisa entre a audição e a cor dos cabelos.

O tema era complexo. Especialistas na decomposição dos raios luminosos não tinham respostas. Limitavam-se a dizer que as vozes chegavam coloridas em seus ouvidos.

Tagarelice à margem, Manjul Radesh consagrou-se ainda por identificar a cor dos olhos de inúmeras pessoas que eram "vistas" pelos seus ouvidos. Até mesmo lentes coloridas eram sentenciadas com exatidão.

Além de captar as cores através da audição, a extraordinária criatura também dispensou cuidados à análise numérica. Problemas até então insolúveis como a Conjectura de Hodge e a Hipótese de Riemann não resistiram ao seu afago mental. Em consequência, a “rainha das exatas”, convencida e desdenhosa, quedou-se humilhada e desnuda.

No piano, a inexplicável genialidade associou uma gradação luminosa à sonoridade de cada nota. Com isso, foram criados sons explicitamente coloridos que se foram expandindo de modo harmonioso.

A largueza da "infalibilidade", no entanto, marcou a desintegração. Um dia, Manjul Radesh ensurdeceu. Ficou mudo, perdeu a visão. Faltaram-lhe os sentidos.

Em tal extremo, desintegrava-se estampadamente. No último e mais incrível de seus feitos, ao verter a obsessão que o animava, eclodiu em sons, pelos, números, cores e olhos.

Primeiro, de sua massa vital projetaram-se operações algébricas que flutuavam até sumirem nas estruturas infinitesimais. Precipitaram-se consoantes e vogais coloridas que se encontravam pelos ares - cada qual com sua frequência - desafiando a gravidade.

Também saíram luminosos fios de cabelo, formando um arco que viajava pelo céu até desaparecer no horizonte. Do seu corpo, partiam olhos de todas ascendências e cores que se cerravam ao longe.

Por fim, em comunhão com os verbos do mundo, diluído nas fibras cetinosas do universo, Manjul Radesh integrou-se à sinfonia luminosa de um número absoluto, projetando-se em definitivo para fora do nosso alcance.