Caçador

Nem era proibido caçar, na época! Saía pelas matas. Levava seu cão perdigueiro, uma cinta presa ao cós da calça larga, botas, chapéu...O ornamento era total. Um dia de caça!

Isso acontecia bem cedinho! Dois, três dias fora de casa. Retornava com a cinta pendurada de troféus..Pequenas aves, olhos arregalados pela dor intensa do tiro que atravessara-lhe o frágil corpo. Troféus. Sim, era assim que ele as designava. E o cão, dócil, obediente, treinado, abanava-lhe o rabo em sinal de dever cumprido, deitava-se num canto à espera da recompensa pela façanha: A sobra das pequenas aves...ossinhos frágeis que deliciava com prazer.

E durante muito anos foi assim. Matança e mais matança sem dó nem piedade. Afinal, não era proibido caçar!

Passaram-se os anos, a caça acabou. Não havia mais aves, não havia porque ter cão perdigueiro. A espingarda foi pendurada na sala, parte nobre da casa. O cão doado a qualquer pessoa. Pra quê cão? Não havia mais caça! Pra que arma?

Hoje, continua um caçador. Dotado de uma sensibilidade extremada, de cultura trazida de outras eras, ele coleciona com prazer seus troféus: Orquídeas!

Cores diversas, espécies raras, flores mínimas quase a serem vistas com microscópio. Outras, pomposas, volteiam sua beleza e pedem pra ser admiradas.

Ele, na sua singeleza de homem rude, mãos calejadas pelo tempo, mostra-se delicado, frágil tal qual aquelas aves do passado e, seus olhos pequenos, admiram, suas mãos moldam, ajeitam essas belezas excêntricas que a natureza lhe proporciona.

Passa suas horas do dia nesse orquidário, em meio a cores e flores. Enebria-se, orgulha-se hoje de ser sim, um caçador que não mata, um colaborador da natureza, um preservador de espécie prum futuro tão incerto...sem aves, sem orquídeas...Porque ainda há caçadores!

Texto dedicado a você, Tio Carício, Beijos

Carmem Lucia
Enviado por Carmem Lucia em 08/06/2007
Código do texto: T518109