O Homem e o rapaz

Durban.

África do Sul, 1905.

O jovem de dezessete anos pensa na mãe que ficou lá com a outra mãe, a pátria distante e sentindo-se amargurado, senta-se num dos bancos da enorme praça e acende um cigarro.

Um homem, magro, vestido com um terno escuro no estilo inglês num contraste estranho com sua pele acobreada, aproxima-se e senta-se junto a ele no mesmo banco. Deve ser estrangeiro como eu (que sou estrangeiro em toda parte), pensou, logo agora que estou a sofrer com essa falta minha.

Como se tivesse escutado seu pensamento o homem se volta para ele e sorri.

Antes que dissesse alguma coisa, o homem moreno e magro, num inglês perfeito lhe diz:

— That’s a wonderful noon for me and for thee, don’t you?

Sem fitar o homem, respondeu no seu inglês também perfeito:

Moreover for all men around.

Encorajado pela música verbal, muito prazer, disse o homem, meu nome é Mohandas e sou advogado aqui em Durban, e eu, responde o rapaz, sou um eterno estudante sempre a querer partir, daqui e de toda a parte, meu nome é Fernando António.

Talvez tenhamos que partir de nós mesmos a cada momento para concluirmos que ao fim e ao cabo é o nosso secreto eu que buscamos, disse o advogado franzino, sempre com aquele sorriso manso.

Ou aos vários “eus” que nos estão a compor, disse o rapaz.

O jovem advogado fita fascinado aquele estranho moço magro de finos traços judaicos no rosto esquivo que mal o olhava nos olhos a fumar seu cigarro com expressão séria e lhe diz:

De onde você é meu caro estudante?

O jovem que nesse momento fitava as pedrinhas soltas do chão, após uma última tragada no cigarro e pensando na garrafa de genebra, escondida atrás de seu armário, tentando engolir em seco responde:

— Nasci no Largo de São Carlos, numa cidade cujo cais senti ser uma saudade de pedra no meu sempre partir, Lisboa, e espero para lá voltar a ficar entre a Baixa e mais um trago.

E eu, disse o lawyer, retorno esta noite para Londres, de onde um dia talvez consiga arrancar minha pátria, porém sei, que nesse intuito deva perder tudo para ganhar e dar a pequena paz que procuro.

O jovem o fita, agora já menos sério e distante e diz — você quer buscar sua pátria e para além dela ganhar também essa coisa impalpável que chama de paz, eu temo que não possa encontra-me por achar-me já perdido. Em o dia em que pensei-me perdi-me a mim no que pensara, disse agora seriamente.

O homem se ergueu ajeitando o delicado colarinho e arrumando os cabelos negros que emolduravam seu rosto magro. Bem, meu jovem amigo (poderei chamá-lo assim? ) o vapor parte logo mais e não posso me atrasar, quem sabe um dia não nos encontremos e retomemos nossa conversa.

Duvido, disse o estudante, talvez numa outra vida ou numa ficção qualquer.

— So long!

Palavras estranhas na boca de um homem tão jovem, que tipo de homem será este ou seremos nós no futuro? Pensou já caminhando rapidamente. Ao olhar para trás viu que também o jovem se erguera e já se dirigia para o outro extremo da praça.

Na direção do veldt, aves coloridas arribavam para seus ninhos e no chão do espaço vazio, apenas ficaram as cinzas de um cigarro.