Poeta à Força. = Histórias de Amor Safado

- Você seria capaz de fazer uma poesia pra mim?

- Ô, se seria...Veja só: “ Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/ E por ele quase morrer?/ E depois encontrar esse amor, meu senhor/ nos braços de um...

- Plágio não vale. Isso é música do Lupicínio, seu safado.

- Tudo bem, mas essa agora é minha: “ Tinha uma pedra no meio do caminho/ Eu chutei a pedra e te enchi de carinho/ machuquei o dedo mas ganhei seu beijinho/...

Ela me deu aquele seu sorriso maravilhoso, que provocava duas covinhas em sua carinha de anjo, e me disse que aquela era do Drumado.

- Drumado?

- É, meu bem. Mistura do Drummond com um safado. Faz uma poesia sua, só sua, toda sua com todo seu amor, e só para mim. Uma que eu não encontre nem parecida em lugar algum.

- Amor, você está confundindo as coisas. Eu não sou o Fernando Pessoa. Sou apenas o Fernando em pessoa. Notou a sutileza, a diferença?

- Mas você é tão inteligente, improvisa tanta coisa pra me fazer rir, escreve tanta coisa linda em seus bilhetes...Aposto que se você quiser, se resolver se esforçar um pouco, sairá uma bela poesia. Só pra mim.

- Geralmente, quando tenho que me esforçar muito, só saem outras coisas que não se parecem em nada com poesia.

- Ah, amor, não estrague o ambiente com suas bobagens. Jure que vai me dar uma poesia de presente de aniversário; vá...

- Opa! Começou a ficar interessante. Se eu fizer uma poesia pra você, tô dispensado do presente?

- Estará. Uma poesia me deixará mais feliz que um presente. Que qualquer presente.

- Oquecoganhocom isso?

- O que, amor?

- Nada. Eu disse que o que me importa é o seu sorriso, meu bem. Vou pensar muito e conseguir algumas rimas bonitas. Prometo. Quero ver sua mãe morta se não conseguir uma coisa linda pra você. Um monte de lindas palavras rimadas, metrificadas, ritmadas. Aguarde-me.

Uma noite, duas noites, três noites, quatro noites, e nada. Nada de vir uma idéia original, uma rima bacana, uma métrica razoável. Tudo que eu conseguia pensar era em “ão” ou em “inho”: coração, carinho, abração, beijinho, e ela me cobrando sem trégua.

Depois das horas dedicadas ao namoro, no portão da casa dela, e doido pra aumentar as intimidades, eu pegava a caneta, o caderno, e tentava desesperadamente fazer a “lição de casa” que ela me impusera: uma poesia minha, inédita, diferente de todas as outras, que a fizesse derreter-se por dentro e baixar a guarda da castidade por ela apregoada todas as noites.

Algumas palavras, algumas rimas, uma meia poesia, e lá se ia o papel amassado para o lixo. Mais algumas palavras, mais algumas rimas tão pobres que para se tornarem miseráveis precisariam melhorar de vida, e lá se ia mais papel para a lixeira.

E ela me cobrando:

- Como vai indo minha poesia, amor?

- De vento em popa. Tenho trabalhado nela cada vez mais, minha querida.

- Eu quero tanto ganhar uma poesia...Acho que seria a moça mais feliz do mundo se ganhasse uma poesia linda feita por você. Uma poesia que falasse da lua, do amor, das estrelas, das flores, dos corações enamorados batendo compassados, da felicidade que o amor nos traz. Com uma poesia maravilhosa eu acho que seria o tipo da namorada que todo rapaz quer ter antes de se casar...

Epa! A coisa tava ficando cada vez mais interessante. Já dava pra ler nas entrelinhas que um poeta teria certas vantagens naquele corpinho ainda amaciando para a vida adulta. Agora eu teria inspiração. Nem que ela fosse arrancada à força. Ah, se teria...

Alta madrugada, apenas uma vela acesa em meu quarto para não chamar a atenção de meus velhos, escrevi furiosamente, desesperadamente, continuamente até que, satisfeito com o resultado, caí na cama e dormi tão profundamente que ninguém conseguiu acordar-me para ir ao colégio.

Guardei meu escrito final no bolso traseiro da calça, depois de orgulhosamente providenciar uma cópia de minha obra-prima, e aguardei, ansioso, pelo momento propício para entregar a ela o resultado de meus esforços. Eu sabia que apareceria o momento propício. O momento em que os pais dela teriam que confiar em nós e deixar-nos namorando no portão enquanto saíam para as compras no mercado. Ou seja: duas horas sem vigilância alguma. Tempo mais do que suficiente para o que eu precisava com a máxima urgência. E como precisava...

Logo que vi os velhos dela pelas costas, tirei do bolso minha inspirada produção, entreguei-a a ela, e fiquei, pacientemente, esperando pelo resultado quando ela terminasse a leitura.

Um minuto ou dois depois as lágrimas desciam-lhe pelo rosto e, sem uma única palavra, silenciada pela emoção intensa, ela me pegou pela mão, escondeu-se comigo atrás de uma densa folhagem da garagem, e ali nós dois mexemos nas roupas até, bem até precisarmos fechar às pressas alguns botões, um ou outro zíper e, finalmente, nos recompormos.

- Meu querido, isso foi a coisa mais linda e comovente que já li em toda minha vida! Você me emocionou profundamente e nunca mais perderei esse papel com essas palavras maravilhosas. Juro pra você que nunca perderei a poesia que você fez pra mim. Juro por tudo que há de mais sagrado.

Durante um bom tempo cheguei a pensar em dar palestras sobre poesia, talvez até com extensão curricular para poemas, letras de música, prosa rimada, etc. Mas o tempo passou, a malícia foi aparecendo, crescendo, tomando corpo, e um dia cheguei à conclusão de que aquela garota aceitaria qualquer tipo de rima, por pobre e boba que fosse, pra estrear sua vida sexual. Comigo ou com qualquer outro “inspirado poeta”.

Veja se é possível alguma mulher entregar-se a um homem em troca disso:

“Você, amor, enche o meu coração,

Sem deixar lugar para mais ninguém.

Só por você tenho mesmo muita paixão

Só a você chamo sempre de meu bem

Fico doido, maluco, por seus bejo,

Só por você tenho um grande desejo

Conto os minutos, cheio de gamação,

Pra chegar logo a hora de te ver

de te amassar toda no seu portão.

Quando seus pais nos deixam em paz,

Colocamos nossas línguas pra brigarem,

De briga igual pouca gente é capaz

Até os seus pais chegarem....”

O finalzinho desta “maravilha da poesia brasileira” sumiu por aí, no passado. Ainda bem. Certas coisas que a gente comete aos dezesseis anos nos envergonham para o resto da vida. A gente não pode é se lembrar delas, ou encontrar a “prova do crime” escrita em um papel amarelado pelo tempo em uma gaveta, ou maldosamente, premeditadamente guardadas pela mãe da gente durante décadas, pensando em risadas futuras.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 09/06/2007
Código do texto: T519403
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